domingo, 16 de setembro de 2012

A Via Real da Santa Cruz



A muitos parece dura esta frase do Salvador: "Renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz e segue-me" (Lc 9,23). Porém, muito mais dura será aquela que Ele pronunciará no dia do juízo: "Apartai-vos de mim, malditos, ide para o fogo eterno" (Mt 25,41).

Aqueles que agora ouvem e praticam a palavra da cruz, não temerão então a sentença da eterna condenação.

"O sinal da cruz aparecerá no céu, quando o Senhor vier para julgar todos os povos" (ic. 24,30). Então todos os servos da Cruz que, durante a vida, se conformaram com o Crucificado, se aproximarão do divino Juiz com grande confiança.

Por que temes, pois, carregar a Cruz, pela qual se chega ao Reino? Na Cruz está a salvação, na Cruz está a vida, na Cruz a proteção contra os inimigos.

Da Cruz dimanam as suavidades celestes; na Cruz está a fortaleza da alma, a alegria do espírito. Na Cruz está a consumação da virtude, a perfeição da santidade. Não há salvação para a alma, nem esperança de vida eterna senão na Cruz. Toma, portanto, a tua Cruz, segue a Jesus e chegarás à vida eterna.

Ele foi adiante de ti, "carregando a sua Cruz" (Jo 19,7) e morreu nela por ti, para que tu leves também a tua e nela desejes morrer. "Porque se morreres com Ele, também com Ele viverás" (Rm 6,8). E se O acompanhares na dor, acompanhá-Lo-ás também na alegria.

Considera que tudo consiste em amar a cruz e em morrer nela. Para alcançar a vida e a verdadeira paz interior não há outro caminho a não ser o da santa Cruz e da mortificação quotidiana. Vai para onde quiseres, procura tudo o que desejares, não encontrarás caminho mais excelente para te elevares, nem mais seguro, para te abateres, sem perigo de cair, que o da santa Cruz.

Dispõe e ordena tudo segundo a tua vontade e o teu parecer, e encontrarás sempre alguma coisa que é necessário sofrer de boa ou má vontade; e, assim, sempre encontrarás a cruz. Com efeito, ou sentirás dores no corpo, ou suportarás tribulações no espírito.

Ora te sentirás oprimido pelo abandono de Deus, ora atormentado pelo próximo; e, o que ainda é pior, muitas vezes tornar-te-ás pesado a ti mesmo. Não encontrarás remédio nem conforto nas tuas penas; mas convém que suportes todos estes males até que agrade a Deus livrar-te deles.

Deus quer que aprendas a sofrer a dor sem consolação submetendo-te totalmente a Ele e tornando-te mais humilde com a tribulação. Ninguém sente tão intensamente a paixão de Jesus como aquele a quem já tocou sofrer qualquer coisa de semelhante.

A cruz, portanto, está sempre pronta e espera-te em toda a parte. Porquanto fujas não poderás nunca evitá-la; mesmo porque para onde quer que vás, pelo menos levarás contigo e terás sempre contigo a ti mesmo. Quer te voltes para cima ou para baixo, para fora ou para dentro, em toda a parte encontrarás sempre a cruz. É indispensável que sempre, e em toda a parte, tenhas paciência, se queres conservar a paz e merecer a coroa imortal.

Se, de boa vontade, levares a cruz, ela conduzir-te-á à almejada meta, onde não há mais sofrimento, ainda que isto não seja certamente cá na Terra. Se, pelo contrário, a levares de má vontade, aumentar-lhes-ás mais o peso, e irás mais carregado, pois é forçoso que a leves. Se te eximires duma cruz, encontrarás, certamente, outra talvez ainda mais pesada.

Como podes pensar em evitar aquilo que nenhum homem conseguiu até hoje? Qual Santo houve no mundo que tivesse vivido sem cruz e tribulação? Nem sequer Jesus Cristo, enquanto viveu na Terra, esteve uma hora sem padecer. "Era necessário - disse - que Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos e assim entrasse na Sua glória" (Lc 24,26).

Como, pois, procuras tu outro caminho que não seja o caminho real da Santa Cruz?

Toda a vida de Cristo foi cruel martírio, e tu queres que a tua seja descanso e alegria? Erras, enganas-te, se procuras outra coisa além do sofrimento e da dor; porque toda esta vida mortal está cheia de misérias e cercada de cruzes. E quanto mais progresso alguém fizer na vida espiritual, tanto mais pesadas cruzes encontrará, porque o amor torna o exílio cá na terra mais doloroso.

Porém, aquele que Deus prova com tantas penas, não está sem o alívio da consolação, porque sente que, sofrendo a sua cruz, lhe advém um grandíssimo acréscimo de mérito. Com efeito, quando de bom grado, a ela se sujeita, toda a acerbidade da pena se converte em confiança na consolação divina.

E, quanto mais a sua carne se sente esmagada pela dor, tanto mais o espírito se fortifica pela graça interior. Acontece até, por vezes, que é confortado de tal modo no seu estado de tribulação e contrariedade pelo amor que tem à conformidade com a Cruz de Cristo, que não quereria viver sem dores e adversidades porque está convencido de que será tanto mais agradável a Deus quanto mais numerosas penas sofrer por seu amor. Não é isto virtude humana, mas graça de Jesus Cristo, que tão grandes maravilhas opera na fraca carne humana, conduzindo-a ao ponto de lhe fazer aceitar e amar com fervor do espírito, aquilo que, naturalmente, evita e aborrece.

Não está de acordo com a natureza do homem levar a cruz, amar a cruz, castigar o corpo e reduzi-lo à escravidão, fugir das honras e sofrer, de bom grado, as injúrias, desprezar-se a si mesmo e desejar der desprezado, suportar as coisas mais adversas e danosas e não desejar nenhuma prosperidade neste mundo.

Se olhas para ti vês logo que só com as tuas forças não serás capaz de nenhuma destas coisas; mas, se confiares em Deus, receberás do Céu a força necessária, e o mundo e a carne ficarão sujeitos ao teu domínio. Mais ainda, não temerás sequer o inimigo infernal, se estiveres armado com o escudo da fé e marcado com o sinal da Cruz de Cristo.

Resolve-te, pois, como bom e fiel servo de Cristo, a levar, virilmente, a Cruz do teu Senhor, que Se deixou crucificar por teu amor. Prepara-te para enfrentar nesta miserável vida muitas adversidades e muitas angústias; eis o que te espera por onde quer que fores, eis o que encontrarás em qualquer lugar onde te encontrares.

Convém que assim seja: não há outro remédio para atenuar a dor e a tribulação dos males senão suportá-los com resignação. Bebe, pois, com amor o cálice do Senhor, se queres ser Seu amigo e partilhar com Ele da felicidade eterna. Quanto às consolações, deixa isso ao cuidado de Deus; Ele distribuí-las-á como melhor Lhe aprouver.

Tu, porém, revolve-te a suportar com paciência os sofrimentos e a olhá-los como consolações de grande valia; porque "todos os sofrimentos desta vida não têm proporção alguma com a glória que nos é prometida, e não poderias por eles merecê-las" (Rm ,18), mesmo que fosses só tu a suportá-los todos!

Quando tiveres chegado a este ponto, quer dizer, quando o sofrimento por amor de Cristo te parecer doce e gostoso, podes então considerar-te feliz, porque encontraste o paraíso na Terra. Mas enquanto o sofrimento te for molesto e procurares evitá-lo, crê que andas mal e o receio da tribulação irá contigo para onde quer que fores.

Se, pelo contrário, te decides a fazer o que deves, isto é, a sofrer e a morrer, tudo correrá melhor e encontrarás a paz. Recorda-te que, mesmo que tivesses sido arrebatado ao terceiro Céu como S. Paulo, não ficarias por isso livre do sofrimento. Jesus disse, com efeito: "Eu lhe farei ver quanto convém que ele sofra pelo meu Nome" (Ct 9,16). Se queres, pois, amar a Jesus e servi-Lo sempre, deves sofrer.

Oxalá fosses digno de sofrer alguma coisa pelo nome de Jesus Cristo! Que glória para ti! Quanta alegria para os Santos de Deus! Quanta edificação para o próximo! Com efeito, todos recomendam a paciência, ainda que poucos queiram exercitá-la! Com razão, portanto, deves querer sofrer alguma coisa por amor de Cristo, já que tantos sofrem coisas tão penosas por amor do mundo.

Tem por certo que a tua vida deve ser uma morte contínua e que, quanto mais um morre a si mesmo, tanto mais vive para Deus. Ninguém pode compreender as coisas celestes, se não se resigna a suportar por Cristo as adversidades. Nada é mais agradável a Deus, nem mais proveitoso para ti, neste mundo, do que sofrer, alegremente, por amor de Cristo.

E se te dessem a escolher, deverias antes desejar sofrer contrariedades por amor de Cristo do que ser inundado de consolações; porque, deste modo, serias mais semelhante a Jesus e mais parecido com os Santos. Com efeito, o nosso mérito e a perfeição do nosso estado não consiste em ter muitas suaves consolações, mas sim em saber suportar muitas dores e adversidades.

E, na verdade, se houvesse um método melhor e mais útil para a salvação dos homens que o sofrimento, certamente Cristo no-lo teria ensinado pela palavra e pelo exemplo. Pois, manifestamente, exorta os Seus discípulos e todos os que O querem seguir a que levem a sua cruz, dizendo: "Se alguém Me quer seguir, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me" (Mt 16,24).

Portanto, consideradas e examinadas todas as coisas, devemos concluir: "Importa passar por muitas tribulações para entrar no reino de Deus" (At 14,21).

Imitação de Cristo.

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