terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Para a salvação é necessário o sacrifício da vontade própria

Qui facit voluntatem Patris mei, qui in coelis est, ipse intrabit in regnum coelorum — “O que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse entrará no reino dos céus” (Matth. 7, 21).

 
Sumário. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, não entrará. Se portanto quisermos ser salvos, renunciemos à nossa vontade própria, e entregando-a sem reserva a Deus, digamos freqüentes vezes cada dia: Senhor, ensinai-me a cumprir a vossa vontade santíssima; protesto não querer senão o que quereis Vós. Para que estejamos sempre dispostos a cumprir a vontade divina, é utilíssimo que desde de manhã nos representemos as contrariedades que nos possam suceder durante o dia.

I. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, nele não entrará. Alguns fazem depender a sua salvação de certas devoções, de certas obras exteriores de piedade, e entretanto não cumprem a vontade de Deus. Jesus Cristo, porém, diz: “Não todos aqueles que me dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos céus; mas entrará somente o que faz a vontade de meu Pai” — Qui facit voluntatem Patris mei, qui in coelis est, intrabit in regnum coelorum.

Portanto, se nos quisermos salvar e chegar à união perfeita com Deus, habituemo-nos a rogar-lhe sempre com Davi: Doce me, domine, facere voluntatem tuam (1) — “Senhor, ensinai-nos a fazer a vossa santa vontade.” Ao mesmo tempo desfaçamo-nos da vontade própria e entreguemo-la toda inteira e sem reserva a Deus. — Quando damos a Deus os nossos bens pela esmola, o alimento pelo jejum, o sangue pela disciplina, damos-lhe a nossa própria pessoa. Eis porque o sacrifício da vontade própria é o sacrifício mais aceito que possamos fazer a Deus; e Deus enriquece de graças ao que o faz.

Porém, para que tal sacrifício seja perfeito, deve ter duas qualidades: deve ser feito sem reserva e constantemente. Alguns dão a Deus a sua vontade, mas com reserva, e semelhante dádiva pouco agrada a Deus. Outros dão a Deus a sua vontade, mas logo em seguida tornam a retomá-la, e estes se expõem a grande risco de serem abandonados de Deus. Por isso, todos os nossos esforços, desejos e orações devem ser dirigidos ao fim de obtermos de Deus a perseverança em não querermos senão o que Deus quer. Habituemo-nos a antever desde de manhã, no tempo da meditação, as tribulações que nos possam suceder no correr do dia e a fazermos continuamente atos de resignação à vontade Divina. Diz São Gregório: Minus iacula feriunt, quae praevidentur — “São menos dolorosas as feridas antevistas”.

II. Meu Jesus, cada vez que eu disser: Louvado seja Deus, ou Seja feita a vontade de Deus, tenho intenção de aceitar todas as vossas disposições a meu respeito, no tempo e na eternidade. — Só quero o emprego, a habitação, os vestuários, o nutrimento, a saúde que me tendes destinado. Se quereis que meus negócios não surtam feliz êxito, meus projetos se esvaeçam, meus processos se percam, tudo quanto possuo seja roubado, eu também o quero. Se quereis que eu seja desprezado, odiado, posposto aos outros, difamado e maltratado, até por aqueles a quem mais amo, eu também o quero. Se quereis que eu fique privado de tudo, banido de minha pátria, encerrado numa prisão e viva em penas e angústias contínuas, eu também o quero. Se quereis que esteja sempre enfermo, coberto de chagas, estropiado, estendido sobre um leito, abandonado de todos, eu também o quero; tudo seja como Vos agradar e por quanto tempo quiserdes.


Minha vida mesma ponho nas vossas mãos e aceito a morte que me destinais; aceito igualmente a morte de meus parentes e amigos e tudo o que quiserdes. Quero também tudo o que quereis no que diz respeito ao meu bem espiritual. Desejo Vos amar com todas as minhas forças nesta vida e ir Vos amar no paraíso como Vos amam os Serafins; mas contente fico com o que bem quiserdes conceder-me. Se não quereis dar-me senão um só grau de amor, graça e glória, não quero mais do que isto, porque Vós assim o quereis. Prefiro o cumprimento de vossa vontade a todos os bens. 

Numa palavra, ó meu Deus, de mim e de tudo o que me pertence, disponde como for vossa vontade; com a minha não tenhais consideração alguma, pois só quero o que Vós quereis. Qualquer que seja o tratamento que me deis, amargo ou doce, agradável ou penoso, aceito-o e abraço-o, porque tanto um como outro me virá de vossa mão. — Aceito, meu Jesus, de maneira especial a morte que me espera e todas as penas que devem acompanhá-la, no lugar e momento que for vossa vontade. Unindo-as à vossa santa morte, ó meu Salvador, Vo-las ofereço em testemunho de meu amor a Vós. Quero morrer para Vos agradar e cumprir vossa divina vontade. — Ó Maria, Mãe de Deus, obtende-me a santa perseverança. (*II 279.)
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1. Ps. 142, 10.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 215 - 217.)

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