quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A fidelidade devida a Deus tanto nas pequenas como nas grandes, São Francisco de Sales


    O Esposo divino diz no Cântico dos Cânticos que sua Esposa lhe arrebatou o coração por um de seus olhos e por um de seus cabelos. Como devem entender-se destas palavras?
    É verdade que o olho é a parte mais admirável do corpo, tanto por sua estrutura e forma como por suas funções; mas que há de mais vil e desprezível que o cabelo?
    Filoteia, Deus nos quis ensinar por esta comparação que as nossas mínimas e mais insignificantes ações não lhe são menos agradáveis que as maiores e as de maior brilho e que para lhe agradar é do mesmo modo necessário servir-lhe numa e noutras, podendo nós em ambas indistintamente merecer o seu amor.
    É justo e bom Filoteia, que te prepares para suportar grandes cruzes por Nosso Senhor, que leves o teu amor até o martírio, que lhe ofereças tudo o que tens de mais caro, se ele o quiser aceitar: pai e mãe, irmão e irmã, marido e mulher, filhos e amigos, teus olhos e até a tua vida, coisas todas essas que já lhe deves, porque tais devem ser disposições contínuas do teu espírito e coração. Mas, enquanto a Divina Providência não exige de ti grandes coisas, enquanto não te pede os olhos por seu amor, oferece-lhe ao meus os teus cabelos. Quero dizer que é necessário suportar com brandura os pequenos incômodos; essas perdas pouco valiosas e essas contrariedades inúmeras de cada dia e essas pequenas ocasiões, sendo suportadas por um verdadeiro amor a Deus, granjar-te-ão inteiramente o seu coração. Sim, esses pequenos atos de caridade que fazes todos os dias, essas dores de cabeça e de dentes, essas constipações, esse mau gênio de um marido ou de uma mulher, o quebra-se de um vidro, o desdém ou mau humor, a perda das luvas, do lenço ou do anel, esses pequenos incômodos de deitar-se cedo e de madrugar pela manhã para rezar ou comungar, essa vergonha passageira que se tem ao fazer um ato público de piedade; numa palavra, todas essas ações e sofrimentos, sendo animados do amor de Deus, agradam muitíssimo à sua divina bondade, que prometeu o Reino dos Céus a quem der um copo d'água por amor a Ele, isto é, infinitamente mais do que todo o mar em comparação duma gota d'água - e, como essas ocasiões que se oferecem a cada instante, podes amontoar riquezas espirituais incalculáveis se as aproveitares bem.

    Lendo na vida de Santa Catarina de Sena tantos raptos do espírito em Deus, tantas palavras de uma sabedoria sublime e mesmo sermões inteiros, não duvidei que com este "olho" de contemplação ela tenha arrebatado o coração do Esposo celeste; mas muito me consolou vê-la noutras ocasiões ocupada, por ordem de seu pai, na cozinha, com a assadeira, atiçando o fogo, preparando a comida, amassando pão e fazendo enfim os ofícios mais humildes da casa, cheia de uma coragem oriunda do amor de Deus. E não aprecio menos a simples meditação que ela fazia no meio destes serviços vis e abjetos do que os êxtases e os raptos que lhe foram tão habituais e constituíram talvez uma recompensa por sua humildade e desprezo.
    Sua meditação consistia em pesar que, preparando a comida para seu pai, ela estava trabalhando para Nosso Senhor, como Santa Marta, que sua mãe ocupava o lugar de Nossa Senhora, assim como seus irmãos os dos apóstolos; de sorte que excitava quanto podia o fervor, para servir assim em espírito a toda a corte celeste, e a sua convicção de fazer em tudo a vontade de Deus compenetrava sua alma de uma suavidade admirável.
    Aduzi-te este exemplo, Filoteia, para veres a importância de fazer todas as tuas ações, por mais pequenas e baixas que pareçam, com os olhos em Deus, para servi-Lo e agradar a Ele.
    Por isto aconselho-te encarecidamente a imitar a mulher forte, que Salomão tanto louvou, porque, ocupada muitas vezes com ações grandes e importantes, nunca deixava entretanto de fiar à sua roca.
    Faze o mesmo: aplica-te frequentemente a oração e a meditação, a recepção dos sacramentos, a instruir-te e a consolar os aflitos, a inspirar o amor a Deus no próximo, a fazer todas as obras da maior importância e excelência que tua vocação abraça; mas não te esqueças do fuso e da roca, isto é, desenvolve também estas virtudes pequenas e humildes que nascem como florezinhas ao pé da cruz; o serviço dos pobres, as visitas aos doentes, os pequenos cuidados da família e as boas obras que lhe são anexas, a utilíssima diligência de te guardares da ociosidades em tua casa e ajunta a tudo isso alguma consideração semelhante às que fazia Santa Catarina de Sena.
    Faze tudo em nome de Deus e tudo será bem-feito. Comendo, bebendo, dormindo, divertindo-te ou ocupando-te com algum trabalho humilde e vil, em toda a parte hás de merecer muito diante de Deus, se santificas bem a tua intenção de fazer tudo porque Deus quer que o faças.

Retirado do Livro: Filoteia, de São Francisco de Sales.


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