sábado, 18 de junho de 2016

Que o amor sagrado pode ser aumentado cada vez mais em cada um de nós

O sacro concílio de Trento assegura-nos que os amigos de Deus, indo de virtude em virtude (Sl 83, 8), são renovados de dia para dia, isto é, crescem por boas obras na justiça que receberam pela graça divina, e são cada vez mais justificados, segundo estes celestes avisos: Quem é justo, seja de novo justificado, e quem é santo seja ainda mais santificado (Apoc 22, 11). Não duvides de seres justificado até à morte (Ecli 18, 22). A senda dos justos avança e cresce como uma luz resplandecente, até o dia perfeito (Prov 4, 13). Fazendo a verdade com caridade, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, a saber, Jesus Cristo(Ef 4, 15). E enfim rogo-vos que a vossa caridade cresça cada vez mais (Filip 1, 9): as quais são todas palavras sagradas segundo David, São João, o Eclesiástico e São Paulo.

Eu nunca soube que se achasse algum animal que não tivesse fronteiras e limites no seu crescimento, a não ser o crocodilo1, que, sendo extremamente pequeno no seu começo, nunca cessa de crescer enquanto está em vida coisa em que representa igualmente os bons e os maus; porquanto a soberba dos que odeiam a Deus sobe sempre (Sl 83, 23), diz o grande rei David, e os bons crescem como a aurora do dia (Prov 4, 18), de esplendor em esplendor; e ficar longamente num estado de consistência é impossível. Quem não ganha nesse tráfico, perde; quem não sobe, nessa escada, desce (Gn 28, 12); quem nesse combate não é vencedor é vencido. Nós vivemos entre os azares das batalhas que nossos inimigos nos dão; se não resistimos, perecemos, e não podemos resistir sem vencer, nem vencer sem vitória; porque, como diz o glorioso São Bernardo, escrito está especialmente do homem que ele nunca está num mesmo estado2; forçoso é ou que avance, ou que recue. Todos correm, mas só um ganha o prêmio; correi, de sorte que o obtenhais (1 Cor 9, 24). Quem é o prêmio, senão Jesus Cristo, e como podereis alcançá-lO, se não O seguirdes? Mas, se O seguirdes, ireis e correreis sempre; pois Ele jamais parou, antes continuou a corrida do Seu amor e obediência até à morte, e morte de cruz (Filip 2, 8).

Ide, pois, diz São Bernardo, ide, digo eu com ele; ide, meu caro Teótimo, e não tenhais outros limites que os de vossa vida, e, enquanto ela durar, correi atrás desse Salvador, mas correi ardente e velozmente: pois de que vos servirá segui-lO, se não tiverdes a dita de alcançá-lO? Escutemos o Profeta: Inclinei meu coração a fazer vossas justificações eternamente (Sl 118, 112). Ele não diz que as guardará por um tempo, mas para sempre; e, porque quer eternamente fazer o bem, terá um eterno salário. Bem-aventurados os que são puros na trilha, que andam na lei do Senhor (Sl 118, 1). Infelizes são os que estão manchados, que não andam na lei do Senhor: só a Satanás pertence dizer que estará sentado nos flancos do Aquilão (Is 14, 13). Detestável, estarás sentado. Oh! não conheces que estás no caminho, e que o caminho não é feito para alguém se sentar, mas para andar? E é tão feito para andar, que andar se chama caminhar. E Deus, falando a um dos Seus maiores amigos, lhe diz: Anda diante de mim, e sê perfeito (Gn 17, 1).

A verdadeira virtude não tem limites, vai sempre além, mas não os tem sobretudo a santa caridade, que é a virtude das virtudes, e que, tendo um objeto infinito, seria capaz de se tornar infinita se encontrasse um coração capaz de infinidade; nada impedindo esse amor de ser infinito, senão a condição da vontade que o recebe e que por ele deve agir, condição em razão da qual, assim como jamais ninguém verá a Deus tanto quanto Ele é visível, assim também nunca pode alguém amá-lO tanto quanto Ele é amável. O coração que pudesse amar a Deus com amor igual à divina bondade, teria uma vontade infinitamente boa, e isso não pode estar senão só em Deus. A caridade, pois, entre nós pode ser aperfeiçoada até o infinito, mas exclusivamente, isto é: a caridade pode ser tornada cada vez mais e sempre mais excelente, porém não que possa ser jamais infinita. O espírito de Deus pode elevar o nosso, e aplicá-lo a todas as ações sobrenaturais que Lhe aprouver, ao passo que estas não são infinitas, de vez que entre as coisas pequenas e as grandes, por excessivas que sejam, há sempre alguma espécie de proporção, desde que o excesso das excessivas não seja infinito; mas entre o finito e o infinito não há nenhuma proporção, e para pôr aí essa proporção mister se faria ou elevar o finito e torná-lo infinito, ou rebaixar o infinito e torná-lo finito; o que não pode ser.

De sorte que a própria caridade que está em nosso Redentor enquanto Ele é homem, embora seja grande, acima de tudo o que os anjos e os homens podem compreender, todavia não é infinita em seu ser e por si mesma, mas somente na estima da sua dignidade e do seu mérito; porque é a caridade de uma pessoa de infinita excelência, isto é, de uma pessoa divina, que é Filho eterno do Pai onipotente.

Favor extremo é entretanto para nossas almas o poderem elas crescer sem fim cada vez mais no amor de seu Deus enquanto estão nesta vida caduca, subindo à vida eterna de nova em nova virtude (Sl 83, 8).

1. Os crocodilos, com efeito, vivem muito tempo, e é lento o seu crescimento.
2. Ep. 253 ad Garinum. - Job 14, 2.

(Tratado do amor de Deus por São Francisco de Sales, Livro Terceiro, Capítulo I)
Fonte: A Grande Guerra.

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