terça-feira, 14 de novembro de 2017

Infeliz de quem peca contando com o perdão


Effugium peribit ab eis, et spes illorum abominatio animae – “Não lhes ficará refúgio e a esperança deles será abominação de sua alma” (Jó 11, 20)
Sumário. Deus suporta, mas não suporta sempre. Quando se encheu a medida dos pecados que Deus quer perdoar, lança mão dos castigos mais formidáveis. Se Deus suportasse sempre, ninguém se condenaria, mas é opinião comum, que a maior parte dos adultos, incluindo os cristãos, se condenam. Infelizes de nós portanto, se pecarmos na esperança do perdão e abusarmos da misericórdia de Deus, para o ultrajar mais! Seremos irreparavelmente condenados para sempre, como se condenaram tantos outros nossos iguais.
I. Escreve São Bernardo que a esperança do perdão, que os pecadores têm quando pecam, não atrai a misericórdia de Deus, mas sim a sua maldição. Pelo que São João Crisóstomo nos avisa: Tomai cuidado, porque não é Deus que vos promete misericórdia, mas antes o monstro insaciável do inferno, afim de que desta maneira pequeis mais livremente. E Santo Agostinho acrescenta: Sperant ut peccent; vae a perversa spe! Ai daqueles que não esperam afim de que Deus lhes perdoe os pecados de que se arrependem, mas esperam que, ao passo que continuam a pecar, Deus tenha piedade deles. – Quantas almas se não deixaram enganar e se perderam por esta vã esperança! Diz ainda o Santo. Tal esperança é uma abominação aos olhos de Deus: Spes illorum abominatio. Longe de mover o Coração de Deus à misericórdia, irrita-O para castigar mais depressa o culpado, assim como um criado irritaria a seu amo se o ofendesse porque é bom. Diz São Bernardo que Lúcifer foi tão depressa castigado por Deus porque se revoltou com a esperança de não ser punido. O rei Manassés foi pecador; mas converteu-se em seguida e Deus lhe perdoou. Amon, filho de Manassés, vendo o pai tão facilmente perdoado, entregou-se à vida desregrada na esperança do perdão; mas para Amon não houve misericórdia. Diz também São João Crisóstomo que Judas se perdeu porque pecou confiado na clemência de Jesus Cristo: Fidit in lenitate Magistri.
Numa palavra: se Deus suporta, não suporta sempre. Se Deus suportasse sempre, ninguém se condenaria. No entanto, a opinião mais comum é de que a maior parte dos adultos, incluindo os cristãos, se condenam: Lata porta et spatiosa via est, quae ducit ad perditionem, et multi intrant per eam (1) – “Larga é a porta e espaçosa a estrada que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela”. Infeliz, portanto, de quem abusa da misericórdia de Deus para o ultrajar mais! Perder-se-á irreparavelmente para todo o sempre.
II. Meus irmãos, escreve São Paulo, não vos enganeis; de Deus não se zomba: aquilo que o homem semear, isso colherá (2). O que semeia pecados, não tem a esperar senão os castigos do inferno. Seria zombar de Deus o querer continuar a ofendê-Lo e depois desejar o paraíso.
Ai de mim, ó Senhor, que por tantos anos não pensei senão em Vos ofender. Estes anos já se foram, talvez já esteja próxima a minha morte e que acho em mim senão motivos de tristeza e remorsos de consciência? Quem me dera Vos tivesse servido sempre, ó meu Senhor! Insensato que fui! Já há tantos anos que vivo nesta terra e em vez de adquirir merecimentos para a vida futura, tenho-me carregado de dívidas para com a justiça divina. Meu querido Redentor, dai-me luz e força para ajustar as minhas contas. Talvez a minha morte não esteja longe. Quero preparar-me para o momento que decidirá da minha felicidade ou desgraça eterna. Agradeço-Vos o terdes esperado por mim até agora. Já que me dais tempo para reparar o mal que fiz, eis-me aqui, ó meu Deus: dizei-me o que quereis que eu faça.
Quereis, ó Senhor, que me arrependa das ofensas feitas? Arrependo-me e detesto-as de toda a minha alma. Quereis que empregue os anos ou dias de vida que me restam, em Vos amar? Ah! Quero fazê-lo. Meu Deus, no passado tomei muitas vezes a resolução de o fazer, mas as minhas promessas se tornaram outras tantas traições. Mas, meu Jesus, não quero mais ser ingrato depois de tantos favores que me destes. Se agora não mudo de vida, como poderei na hora da morte esperar o perdão e o céu? Agora estou firmemente resolvido a Vos servir com todas as veras. Dai-me força; não me desampareis.
Permiti, pois, que Vos ame, ó Deus, digno de infinito amor. Aceitai o traidor que agora arrependido se abraça com os vossos pés, Vos ama e Vos suplica misericórdia. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, amo-Vos de todo o coração, amo-Vos mais que a mim mesmo. Sou vosso; disponde de mim e de tudo que é meu, segundo a vossa vontade; dai-me a perseverança em Vos obedecer, dai-me vosso amor e depois fazei de mim o que quiserdes.
– Maria, minha Mãe, minha esperança e meu refúgio, a vós me recomendo, a vós entrego a minha alma; rogai a Jesus por mim.
Referências:
(1) Mt 7, 13
(2) Gl 6, 7-8

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 96-99)

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