Não somente a alma que conhece a sua miséria pode ter uma grande confiança, em Deus, mas nem mesmo pode ter uma grande confiança, sem conhecer a sua miséria, porque este conhecimento e confissão da nossa miséria conduz-nos naturalmente para Deus. É por isso que os grandes santos, como Jó, Davi, e outros, começavam as suas orações pela confissão da sua miséria e indignidade, de maneira que é belíssima coisa o reconhecer-se pobre, vil, abjeto e indigno do comparecer à presença de Deus.
Esta palavra tão célebre dos antigos: "Conhece-te ", mesmo que se entenda da grandeza e excelência da alma para a não aviltar e profanar por coisas ilegais da sua nobreza, refere-se também ao conhecimento da nossa indignidade, imperfeições e misérias, sendo certo que, quanto mais miseráveis nos reconhecermos, tanto mais confiaremos na bondade e misericórdia de Deus. Porque, entre a misericórdia e a miséria há uma ligação tão estreita, que uma se não pode exercer sem a outra. Se Deus não tivera criado o homem, seria imensamente bom; mas não seria atualmente misericordioso, porque a misericórdia se exerce para com os miseráveis. Desta forma bem vedes que, quanto mais nos reconhecemos miseráveis, tanto mais ocasião temos de confiar.
A desconfiança de nós mesmos provém das próprias imperfeições; o melhor é desconfiarmos de nós mesmos; mas isto de nada serviria se não tivéssemos toda a confiança em Deus e não esperássemos da sua misericórdia.
Conheceis que sois uma criatura pobre e miserável? Alegrai-vos com isto, glorificai-vos de nada serdes, pois que a vossa miséria será motivo para Deus usar da sua misericórdia.
Entre os pobres os mais miseráveis e de chagas maiores e mais dolorosas, sabem que são os mais habilitados para obter a esmola. Nós somos pobres; os mais miseráveis são os que estão em melhor posição e a misericórdia de Deus atende-os de melhor vontade.
Humilhemo-nos eu vô-lo suplico, anunciemos as nossas misérias à porta do templo da vontade divina; mas anunciemos as misérias com alegria, consolando-nos de estarmos vazios para que Deus nos possa encher como o seu reino. Sede doce e afável para com todos, menos para os que vos quiserem tirar a vossa miséria. "Glorifico-me em minhas enfermidades", diz o Apóstolo (II Cor. XII, 9) e "Antes eu morrera (Phi. I, 21) do que perder a minha glória." Ah! Vede; desejava antes morrer do que perder a sua glória, que era sua miséria. Enchei o vosso coração de coragem e a coragem de confiança em Deus; porque o que vos concedeu os primeiros atrativos do seu sagrado amor nunca vos abandonará se vos o não abandonardes; eis o que de todo coração lhe peço.
Pensamentos consoladores de São Francisco de Sales.
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