segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Desprezo do mundo com o pensamento da morte

 Tudo é vaidade

Qui utuntur hoc mundo, tamquam non utantur; praeterit enim figura huius mundi – “Os que usam deste mundo, sejam como se não usassem; porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 31)

Sumário. A sombra sinistra da morte escurece o brilho de todos os cetros e coroas; faz-nos compreender que o que o mundo estima não é senão fumaça, lodo e miséria. Com efeito, para que servem as riquezas, as dignidades e as honras, já que depois da morte não nos restará nada senão um caixão, dentro do qual nosso corpo se corromperá? Para que serve a beleza e a saúde do corpo, já que afinal não restará nada senão um punhado de pó nojento e alguns ossos descarnados? Nossas obras somente acompanhar-nos-ão para a eternidade. Todavia quão poucos são os que procuram fazer provisão de boas obras?

I. O pensamento da vaidade do mundo e que tudo o que o mundo estima não é senão ilusão e engano fez muitas almas resolverem a dar-se inteiramente a Deus. Quid prodest homini, si mundum universum lucretur? (1) – De que servirá ganhar o mundo inteiro a quem tenha perdido a alma para sempre? Penetrados desta grande máxima do Evangelho, quantos jovens se resolveram a deixar parentes, pátria, riquezas, honras, mesmo coroas, para encerrar-se num convento, ou ocultar-se num deserto, afim de só pensarem em Deus! – O dia da morte é chamado dia de perdição: Iuxta est dies perditionis (2). Dia de perdição, sim, porque todos os bens que possamos adquirir nesta terra teremos de deixá-los todos no dia da morte. Pelo que Santo Ambrósio nota com muita sabedoria que erradamente chamamos nossos os bens terrestres, já que não os podemos levar conosco para o outro mundo onde teremos de ficar eternamente. Tão somente as boas obras nos acompanharão e nos consolarão na eternidade.

Todos os tesouros terrenos, as dignidades mais altas, a prata, o ouro, as pedras mais preciosas, perdem o seu brilho quando vistos lá do leito da morte. A sombra sinistra da morte escurece até os cetros e as coroas, e faz-nos compreender que tudo quanto o mundo estima não é senão fumaça, lodo, vaidade e miséria – Com efeito, de que servirão na morte todas as riquezas amontoadas, pois que então nada mais teremos do que um caixão no qual nosso corpo, quando dele nada restará senão um punhado de pó nojento e alguns ossos descarnados?

Que é, portanto, a vida do homem sobre esta terra? Eis como nô-la descreve São Thiago: Vapor est ad modicum parens, et deinceps exterminabitur (3) – “É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanecerá” – Hoje tal personagem é estimado, temido, elogiado; amanhã será desprezado, criticado e amaldiçoado: Vidi impium superexaltatum… et transivi, et ecce non erat (4) – “Vi o ímpio exaltado… e passei, e eis que não mais existia”. Não mora mais na sua fazenda, no seu palácio luxuoso que tinha construído. Onde é que está? Na sepultura, reduzido a pó.

II. Statera dolosa in manu eius (5) – “Tem na mão uma balança enganosa”. Avisa-nos o Espirito Santo que não nos deixemos enganar pelo mundo, que pesa os bens numa balança falsa. Nós devemos pesar os verdadeiros bens, quais são aqueles que em breve devem ter fim. Disse Santa Teresa: Não se deve fazer caso de coisas que acabam com a morte. – Ó Deus, com que ficaram tantos ministros de Estado, tantos generais de exército, tantos príncipes, tantos imperadores romanos, agora que para eles terminou a cena e se acham na eternidade? Periit memoria eorum cum sonitu (6) – “A lembrança deles pereceu com o som”. Representaram papel brilhante no mundo, seu nome estava na boca de todos; e depois que morreram, terminou para eles a cena, o renome e tudo o mais. Feliz, pois, daquele que aos olhos de Deus representou bem o seu papel.

É bem conhecido que mudança de vida operou em São Francisco de Borja a vista do corpo inânime da imperatriz Isabel, formosíssima em vida, mas depois de morta objeto de horror para quem a via. Tomara que todos nós o imitássemos, antes que nos colha a morte! Mas façamo-lo depressa, porque a morte já vem ao nosso encontro, e não sabemos quando chegará. Não permitamos que, das luzes que Deus nos concede agora, só nos reste finalmente o remorso e as contas a dar a Deus, quando tivermos na mão a vela mortuária. Resolvamo-nos a fazer agora o que então quiséramos ter feito e não poderemos mais fazer.

Ó meu Deus! Já tivestes bastante paciência comigo; não quero mais tardar em me dar todo a Vós. Vós me tendes convidado tantas vezes a romper com o mundo e a dar-me todo ao vosso amor! Hoje me convidais uma vez ainda; eis-me aqui, acolhei-me em vossos braços, já que neste momento me entrego todo a Vós. – Ó Cordeiro imaculado, Vós que um dia Vos sacrificastes no Calvário, morrendo por meu amor sobre uma cruz, lavai-me primeiro em vosso sangue, perdoando-me todas as injúrias que de mim recebestes, e depois abrasai-me todo em vosso amor. Amo-Vos sobre todas as coisas; amo-Vos com toda a minha alma. E fora de Vós, que poderia eu achar no mundo mais digno de ser amado e que mais me tenha amado? – Mãe de Deus e minha Advogada Maria, rogai por mim e obtende-me uma verdadeira e constante mudança de vida.

Referências:

(1) Mt 16, 26
(2) Dt 32, 35
(3) Zc 4, 15
(4) Sl 36, 35-36
(5) Os 12, 7
(6) Sl 9, 7

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 117-120)

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