quinta-feira, 30 de março de 2023

As Estratégias do Demónio

 



sábado, 25 de março de 2023

FESTA DA ANUNCIAÇÃO DE MARIA SANTÍSSIMA

 



Ecce concipies in utero et paries filium, et vocabis nomen eius Iesum — «Eis que conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus» (Luc 1, 31).

Sumário. Eis como Maria, enquanto na sua casa está suplicando a Deus pela vinda do Redentor, vê um anjo que a saúda e lhe anuncia ser ela mesma destinada para Mãe do Salvador. A humilde Virgenzinha, julgando-se nimiamente indigna de tamanha honra, fica toda perturbada; mas afinal dá o consentimento, e naquele mesmo instante o Verbo divino se tornou seu Filho. Ó grande Mãe de Deus, vós, tão privilegiada e tão humilde, nós tão pecadores e tão orgulhosos! Obtende-nos a santa humildade. 

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Querendo Deus enviar seu Filho para se fazer homem e assim remir o homem perdido, escolheu-lhe uma mãe virginal, entre todas as virgens a mais pura, a mais santa e a mais humilde. Enquanto Maria estava em sua pobre casa suplicando a Deus pela vinda do Redentor, eis que lhe aparece um anjo que a saúda e lhe diz: Ave gratia plena: Dominus tecum; benedicta tu in mulieribus (Luc 1, 28) — «Ave, cheia de graça: o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres. Que faz a humilde Virgenzinha ouvindo tão elogiosas palavras? Não se desvanece, mas cala-se perturbada, julgando-se indigna de tais louvores: Turbata est in sermone eius — «Turbou-se com as suas palavras». — Ó Maria, vós tão humilde, e eu tão orgulhoso! Obtende-me a santa humildade.

Mas, ao menos aqueles louvores não fizeram surgir à Maria a ideia, que porventura fosse ela escolhida para Mãe do Redentor? Não, serviram tão somente para fazê-la entrar num grande temor, de modo que foi preciso que o anjo a animasse a não temer, porque tinha achado graça diante de Deus. E então anunciou-lhe que era escolhida para Mãe do Salvador do mundo: Ecce concipies in utero, et paries filium, et vocabis nomen eius Iesum — «Eis que conceberás, e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus».

Ora, pois, assim lhe fala São Bernardo, porque tardais, ó Virgem santa, a dar o consentimento? O Verbo Eterno espera-o para tomar a natureza humana e fazer-se vosso filho; também o esperamos nós, que estamos infelizmente condenado à morte eterna. Se consentirdes em ser Mãe do Redentor, todos nós seremos livres da morte eterna. Respondei, Senhora, depressa: não retardeis mais a salvação do mundo, que agora depende de vosso consentimento. Mas felizmente, eis que Maria já responde ao anjo: Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum. Eis aqui, diz a Virgem, eis aqui a escrava do Senhor, obrigada a fazer o que seu Senhor ordena. Se ele escolhe uma escrava para sua mãe, não se louve a escrava, mas unicamente a bondade do Senhor, que se digna honrá-la assim. — Ó Bem-Aventurada Virgem Maria, quanto soubestes agradar e ainda agradais a vosso Deus! Tende piedade de mim!

Ó Virgem imaculada e santa, das criaturas a mais humilde e maior diante de Deus! Éreis bem pequena a vossos próprios olhos, mas aos olhos de vosso Senhor éreis tão grande, que ele vos elevou a ponto de vos escolher para sua mãe. Dou graças a Deus por vos ter elevado tão alto, e me regozijo convosco ao ver-vos tão unida a Deus, que mais o não podia ser uma simples criatura. Vendo que juntais tamanha humildade a tantas perfeições, envergonho-me de aparecer diante de vós, orgulhoso como sou, não obstante tantos pecados. Mas, miserável como sou, quero saudar-vos.

Ave Maria, gratia plena: Vós sois cheia de graça, obtende-me uma parte dela. Dominus tecum:O Senhor foi sempre convosco, desde o primeiro instante da vossa existência, mas a vós se uniu muito mais estreitamente fazendo-se vosso filho. Benedicta tu in mulieribus: Ó mulher bendita entre todas as mulheres, obtende-nos também as divinas bênçãos. Et benedictus fructus ventris tui: Ó feliz planta, que destes aos mundo tão nobre e santo fruto!

Sancta Maria, Mater Dei: Ó Maria, reconheço que sois verdadeiramente Mãe de Deus, e em defesa desta verdade pronto estou a dar mil vezes a minha vida. Ora pro nobis peccatoribus: Se sois Mãe de Deus, sois também Mãe de nossa salvação, Mãe dos pobres pecadores, porque, para salvar os pecadores, é que Deus se fez homem, e se ele vos fez sua Mãe, é para que vossas orações tenham virtude de salvar qualquer pecador. Rogai então por nós, ó Maria — Nunc et in hora mortis nostrae. Rogai sempre: rogai agora que estamos expostos a mil tentações e perigos de perder a Deus; mas rogai sobretudo na hora de nossa morte, afim de que, salvos pelos merecimentos de Jesus Cristo e por vossa intercessão, possamos ir saudar-vos e louvar a vosso divino Filho e a vós, no céu, durante toda a eternidade.

«Ó Deus, que mediante a embaixada do anjo quisestes que vosso Verbo tomasse carne no seio da Bem-Aventurada Virgem Maria: concedei-me que, assim como a venero como verdadeira Mãe de Deus, seja ajudado pela sua intercessão junto a vós»(1). Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo. (*I 340.)

(1) Or. festi.

 

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso


sexta-feira, 24 de março de 2023

A nenhum cristão é permitido odiar seja quem for

 

A nenhum cristão é permitido odiar seja quem for, porque ninguém é salvo senão graças ao perdão dos pecados. Que o povo de Deus seja, pois, santo e bom: santo, para se afastar daquilo que é proibido, bom para realizar aquilo que é mandado. Grande coisa é ter uma fé reta e uma doutrina santa; é louvável reprimir a gula, ter uma doçura e uma castidade irrepreensíveis; mas estas virtudes nada são sem a caridade

Meus queridos, todos os tempos convêm para se realizar o bem da caridade, mas a quaresma convida-nos especialmente a fazê-lo. Aqueles que desejam acolher a Páscoa do Senhor com santidade de espírito e de corpo devem esforçar-se, antes de mais, por adquirir esse dom que contém a essência das virtudes e que «cobre a multidão dos pecados» (1Ped 4,8). 

Assim pois, agora que nos preparamos para celebrar o mistério que ultrapassa todos os outros, aquele pelo qual o sangue de Cristo apagou as nossas culpas, preparemos antes de mais os sacrifícios da misericórdia. Concedamos àqueles que pecaram contra nós o que a bondade de Deus nos concedeu a nós. Esqueçamos as injustiças, deixemos as culpas sem castigo, e que nenhum daqueles que nos ofenderam receie ser pago da mesma moeda.

Todos sabemos que somos pecadores; ora, a fim de recebermos o perdão pelos nossos pecados, deve alegrar-nos o facto de termos a quem perdoar. Deste modo, quando dissermos, seguindo o ensinamento do Senhor: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6,11), podemos estar seguros de obter a misericórdia de Deus.

São Leão Magno in 10.ª Homilia para a Quaresma 

Fonte: 

quinta-feira, 23 de março de 2023

Os três dias de trevas segundo as Escrituras e autênticos depoimentos de santos

 

Corpo da Beata Anna Maria Taigi, igreja de São Crisógono, Roma.
Corpo da Beata Anna Maria Taigi, igreja de São Crisógono, Roma.












 


 O capitulo final do desfazimento da Revolução bem poderá culminar nos chamados “três dias de trevas”.

Eles têm um fundamento bíblico e foram objeto de comentários e/ou visões de almas santas ou privilegiadas.

A revelação particular mais famosa sobre esses três dias de trevas é atribuída à Bem-aventurada Ana Maria Taigi (1769-1837). Veja: A contemplativa da luta entre a Luz e as Trevas

Nos tempos do Bem-aventurado essa visão já tinha notoriedade. Sua versão mais autorizada se lê no processo de beatificação da Beata Taigi.

Encontra-se no testemunho de Mons. Raffaele Natali, confidente da vidente e anotador de suas visões durante décadas. Ele depôs nestes termos:

“No ano de 1818, a Serva de Deus me descreveu a revolução de Roma e tudo o que aconteceu, e em seguida me falou muitas vezes, de um modo muito mais espantoso, dizendo que havia sido mitigada em atenção às orações de muitas almas amadas por Deus, as quais se tinham oferecido a Ele para satisfazer a Justiça Divina.

“Mas [que viria um dia em que] a iniquidade iria marchar em triunfo e muitos crentes 'bons' haveriam de tirar a máscara.

“Que o Senhor queria denunciar a cizânia, porque logo a seguir Ele saberia o que fazer com ela.

“Que as coisas chegarão a um ponto tal, que o homem não será mais capaz de pô-las em ordem, mas que o braço onipotente de Deus haveria de remediar tudo.

“Que as coisas chegarão a um ponto tal,
que o homem não será mais capaz de pô-las em ordem”.
Detalhe de Tentações de Santo Antão,
Jan Brueghel o Velho (1568 - 1625), Museu Nacional de Escultura, Valladolid
“Disse-me que o flagelo da terra havia sido mitigado, mas não o do Céu, que será horrível, espantoso e universal.

“Que Nosso Senhor não o tinha comunicado nem às suas almas mais amadas na terra. Que haveria de chegar inesperadamente e que os ímpios haveriam de ser destruídos.

“Mas que antes de dito castigo, todas as almas que na sua época gozavam de fama de santidade teriam sido sepultadas.

“Que numerosos milhões de homens haveriam de morrer por causa do ferro nas guerras, outra parte em conflitos e outros milhões em mortes imprevistas — entende-se que por todo o mundo.

“Que, em consequência, nações inteiras haveriam de retornar à unidade da Igreja Católica, muitos turcos, gentios e hebreus haveriam de se converter e que os cristãos haveriam de ficar estupefatos, confundidos e admirados vendo seu fervor e observância.

“Numa palavra, ela me disse que o Senhor queria purgar o mundo e Sua Igreja, para o qual preparava uma nova safra de almas que, desconhecidas, haveriam de realizar grandes obras e surpreendentes milagres.

“Disse-me que, depois de a terra ter sido purificada com guerras, revoluções e outras calamidades, começaria o castigo do Céu, o qual culminaria com uma convulsão geral de fenômenos meteorológicos dos mais espantosos trazendo grande mortalidade.

“A Serva de Deus me disse várias vezes que o Senhor lhe fez ver no misterioso Sol o triunfo universal da nova Igreja, tão grande e surpreendente que não podia explicá-lo”

(Proc. Ord. fol. 695-696 apud Mons. Carlo Salotti“La Beata Anna Maria Taigi secondo la storia e la critica”, Libreria Editrice Religiosa, Roma, 1922, 423 págs., pp. 340-342).

Durante grande parte de sua vida, a bem-aventurada Taigi teve sempre presente diante de si um disco dourado, semelhante a um sol, no qual via representados acontecimentos presentes ou futuros.

(cfr. Mons. Carlo Salotti, “La Beata Anna Maria Taigi secondo la storia e la critica — Madre di famiglia e terziaria dell'Ordine della Ss. Trinità”, Libreria Editrice Religiosa, Roma — Scuola tipografica italo-orientale S. Nilo , Grottaferrata, 1922, 423 pp.).




Os três dias de trevas (segunda parte)


O B. Palau comentou com certo pormenor a visão dos
“três dias de trevas”atribuída à Beata Taigi, aproveitando a
versão que havia chegado às suas mãos:

“O fato, escreveu, se anuncia da seguinte forma: enquanto num dia claro e sereno o sol estará em seu percurso, repentinamente se farão trevas tão densas que poderão ser apalpadas e tocadas, as quais cobrirão a face da terra.

“O céu se apresentará sob um aspecto tão espantoso que, vendo-o, as pessoas fugirão e se esconderão no mais recôndito de suas casas, fechando portas e janelas como no momento de uma tempestade arrepiadora.

“Espectros horripilantes aparecerão nos ares, dando uivos espantosos. Se por um momento a lua abrir caminho entre as trevas, apresentar-se-á vestida de sangue para quem tenha coragem de olhá-la.

“Esses serão dias de ira e de maldição, dias em que o anjo exterminador, como a morte montada em corcel acompanhado pelo inferno, visitará a casa do ímpio, do incrédulo, desse homem que cheio de arrogância desafia a onipotência de Deus, assim como visitou o Egito matando numa noite seus filhos varões primogênitos.

“Perecerão de espanto muitíssimas pessoas, que acreditarão ter chegado o mundo a seu fim, e sentir-se-ão envolvidas por uma noite eterna.

“Horrendas convulsões da natureza anunciarão que Deus seu autor está irritado, e à maneira como uma mulher energúmena se contorce quando o espírito de maldade é expulso de seu corpo, assim a natureza, no ato de expelir de seu seio esses anjos revolucionários, que unidos ao homem iniquo transtornam todas as leis, fará sentir que chegou a hora suprema da renovação.

“Entrando nas casas do ímpio, a morte passará velozmente e com seu alfanje segará anciãos, crianças, homens, mulheres.

“Quem ficar com vida, procurará luz para ver os cadáveres, e o relâmpago descobrirá o rosto amarelo da esposa, da filha, do irmão, do pai.

“Tentará auxiliar o moribundo, procurará fogo, e este se negará a dar luz e calor.

“O justo, aquele que acredita, acenderá a luz e esta arderá ante o Senhor, enquanto orará prosternado por terra, aguardando que o Deus das vinganças conclua sua visita e venha a sua misericórdia.

El Ermitaño 119, carátula
El Ermitaño nº119, carátula
El Ermitaño nº 119, três días de trevas
El Ermitaño nº 119, três días de trevas

“Fechará portas e janelas, e recolhido no oratório com sua família, fazendo jejum, oração e penitência, humilhar-se-á ante o Juiz que castiga o delinquente, enquanto o ímpio perecerá com sua impiedade.

“Nesses três dias será Deus quem batalhará contra os insensatos que agora insultam a sua onipotência.

“O orbe inteiro acompanhá-lo-á montado, para confirmar a verdade católica.

“E retirando-se do campo de batalha, vencedor e triunfante sobre as trevas, jogará os espíritos que as produzem ao fogo eterno do inferno”. (“Tres días de tinieblas sobre el orbe entero”, El Ermitaño, Nº 119, 16-2-1871).

E no número 155 de El Ermitaño, o bem-aventurado carmelita retomava o tema:

“Do processo da própria venerável Taigi foi tirada a predição dos dois grandes castigos, um do céu e outro da terra.

“Terminado este último, que consistirá em guerras, revoluções e outras calamidades, virá o do céu, que segundo outra profecia da mesma Taigi, se explica assim:

“Grandes trevas deverão vir e estender-se por todo o mundo durante três dias e três noites.

“Serão tão espessas, que não se verá absolutamente nada, sendo ao mesmo tempo pestilenciais, e ferirão sobretudo aos inimigos da Religião, sem que por isso se acredite que o açoite atacará somente a esses.

“Enquanto durar, luz alguma fornecerá claridade, fogo algum poderá brilhar e só as pessoas que tiverem velas bentas poderão ver.

Paris em ruínas. Conceito artístico
“Recomenda-se não tratar de penetrar na escuridão do céu durante as trevas, porque toda pessoa que se puser na janela ou sair de sua casa para tentar descobrir o que está acontecendo no firmamento, ficará fulminada no ato.

“Durante todo o tempo que durar a prova se deverá passar em oração, e sobretudo rezar o santo Rosário e aguardar, num estado de prova e de humilhações, que o Senhor nos conceda de novo a sua misericórdia.”

“O próprio diretor espiritual da venerável Taigi, Mons. Raffaele Natali, dizia, em agosto de 1864:

“É muito verdadeiro que a venerável Serva de Deus anunciou o açoite dos três dias de trevas espalhado sobre toda a terra...

“Nestas circunstâncias, as janelas deverão ficar fechadas, devendo-se evitar debruçar sobre elas, e será imperioso rezar o santo Rosário e fazer oração.”

“Ignoramos que caráter têm essas predições, porque não sabemos o que a Igreja, única autoridade na matéria, declarou sobre elas.

“É certo que Deus não precisa de meios extraordinários para dar o triunfo à Igreja, mas também é verdadeiro que em seus inescrutáveis desígnios pode querer confundir com prodígios a soberbia e a maldade de seus inimigos.” (“Tres dias de tinieblas”, El Ermitaño, Nº 155, 26-10-1871)

Primeiros “três dias de trevas”: a nona praga do Egito (capítulo X do Êxodo)


Indagava então o santo carmelita: “Isto prega a venerável Taigi. Acontecerá? Poderá ser? Quando? Se vai suceder, em que época se dará?

“Responderemos expondo simplesmente a nossa opinião, filha de profundas meditações.

“1º) Isso aconteceu uma vez, logo pode vir a ser em outra época em que convenha à gloria de Deus. Lê-se no cap. X do Êxodo: Disse Deus a Moisés, estende tua mão ao céu e desçam trevas tão densas que possam ser apalpadas.

“Estendeu Moisés sua mão em direção ao céu, e apareceram horripilantes trevas sobre todas as regiões do Egito, e duraram três dias, de maneira que cada um ficou imóvel onde se encontrava.

“Um homem não via o outro. Só havia luz onde moravam os filhos de Israel”. (“Tres dias de tinieblas sobre el orbe entero”, El Ermitaño, Nº 119, 16-2-1871).

21. O Senhor disse a Moisés: “Estende a mão para o céu, e que se formem sobre todo o Egito trevas (tão espessas) que se possam apalpar.”

22. Moisés estendeu a mão para o céu, e durante três dias espessas trevas cobriram todo o Egito.

23. Durante esses três dias, não se via um ao outro, e ninguém se levantou do lugar onde estava. Ao passo que todos os israelitas tinham luz nos lugares onde habitavam.

24. O faraó mandou chamar Moisés e disse-lhe: “Ide fazer vossas devoções ao Senhor. Somente vossas ovelhas e vossos bois ficarão neste lugar; podeis levar convosco vossos filhinhos.”

25. Moisés respondeu: “Tu mesmo nos porás nas mãos o que precisamos para oferecermos sacrifícios e holocaustos ao Senhor, nosso Deus.

26. Além disso, nossos animais virão conosco; nem uma unha ficará, porque é deles que devemos tomar o que precisamos para fazer nosso culto ao Senhor, nosso Deus. Enquanto não tivermos chegado lá, não sabemos de que nos serviremos para prestar nosso culto ao Senhor.”

27. Mas o Senhor endureceu o coração do faraó, que não quis deixá-los partir. (Êxodo, 10, 21-27)


Moisés estende os braços e o Egito se enche de trevas durante três dias e três noites
infestadas de espectros enlouquecedores.
Gustave Doré (1832 — 1883) , gravura para o Antigo Testamento
No capítulo 17, o Livro da Sabedoria descreve com pormenor o que aconteceu durante os três dias de trevas com que Deus flagelou os egípcios por meio de Moisés:

Sabedoria, 17

1. Em verdade, grandes e impenetráveis são vossos juízos, Senhor; por isso as almas grosseiras caíram no erro.

2. Por terem acreditado que podiam oprimir a santa nação, os ímpios, prisioneiros das trevas e encarcerados por uma longa noite, jaziam encerrados nas suas casas, tentando escapar à vossa incessante vigilância.

3. Depois de terem imaginado que, com seus secretos pecados, ficariam escondidos sob o sombrio véu do esquecimento, eles se viram dispersados, como presa de um terrível espanto, e amedrontados por alucinações.

4. Mesmo o canto mais afastado em que se abrigavam não os punha ao abrigo do terror: ruídos aterradores ressoavam em torno deles, e taciturnos espectros de lúgubre aspecto lhes apareciam.

5. Nenhuma chama, por intensa que fosse, chegava a iluminar. E a luz brilhante dos astros era impotente para alumiar esta noite sombria.

6. Mas aparecia-lhes de súbito nada mais que uma chama aterradora, e, tomados de terror por esta visão fugitiva, julgavam essas aparições mais terríveis ainda.

7. A arte dos mágicos se mostrou ilusória, e esta sabedoria, a que eles pretendiam, evidenciou-se vergonhosamente como falsidade.

8. Aqueles que se jactavam de banir das almas doentes o terror e a perturbação, eram eles mesmos atormentados por um ridículo temor.

9. Mesmo quando nada de mais grave os aterrorizava, a passagem dos animais e o silvo das serpentes punham-nos fora de si, e eles morriam de medo. Recusavam até mesmo contemplar essa atmosfera à qual nada podia escapar;

10. porque a maldade, condenada por seu próprio testemunho, é medrosa, e, sob o peso da consciência, supõe sempre o pior,

11. pois o temor não é outra coisa que a privação dos socorros trazidos pela reflexão,

12. porque, quanto menor for em sua alma a esperança de auxílio, tanto mais penosa é a ignorância daquilo de que se tem medo.

13. Eles, durante essa noite de impotência, saída dos recantos do Hades impotente, dormiam num mesmo sono,

14. agitados, de um lado, pelo terror dos espectros, e paralisados, de outro, pelo desfalecimento da alma; pois era um pavor repentino e inesperado o que se abatera sobre eles.

15. E todo aquele que caía sem força, ficava como que preso e encerrado num cárcere sem ferros.

16. Fosse ele camponês ou pastor, ou o operário que se afadiga sozinho no seu trabalho, uma vez surpreendido, tinha de suportar a inevitável necessidade, porque todos estavam ligados por uma mesma cadeia de trevas.

17. O silvo do vento, o canto harmonioso dos passarinhos nos ramos espessos, o murmúrio da água correndo precipitadamente, o estrondo das rochas que se despenhavam,

18. a carreira invisível dos animais que saltavam, os urros dos animais selvagens, o eco que repercutia nas cavidades dos montes: tudo os paralisava de terror.

19. Enquanto o mundo inteiro era alumiado de uma brilhante luz, e sem obstáculo se entregava às suas ocupações,

20. somente sobre eles se estendia uma pesada noite, imagem das trevas que mais tarde os deviam acolher; e eram para si mesmos um peso mais insuportável que esta escuridão.



Os "três dias de trevas" que estão para vir segundo os profetas Isaías, Ezequiel e Joel


Isaías profeta. Vitral da catedral de Edinburgo, Escócia.
Isaías profeta. Vitral da catedral de Edinburgo, Escócia.
“Aquilo que Deus fez pelas mãos de Moisés no Egito pode agora renová-lo no mundo inteiro pelas mãos de um outro homem?, perguntou-se o Beato Palau. E respondeu:

“Sim, pode. Fá-lo-á? Sim. Como se sabe?

“Ouçamos os profetas.

Diz Isaías, cap. XIII: ‘Eis que vem o dia do Senhor, cruel, cheio de indignação, ira e furor. Reduzirá a terra a uma solidão, e exterminará dela os maus.

“As estrelas negarão sua luz, o sol no momento de nascer ficará nas trevas e a lua se vestirá de luto.

“Nesse dia visitarei a maldade do orbe inteiro e minha visita será contra a iniquidade do ímpio. Cessará a soberba dos infiéis, e humilharei a arrogância dos fortes’.

Ezequiel cap. XXXII, descrevendo o castigo do ímpio, diz: ‘o céu ficará encoberto e as estrelas encapotadas com um véu negro.

“A nuvem esconderá o sol e a lua não dará luz, desaparecerá a luz de todos os astros do céu e espalharei as trevas sobre tuas terras’.

Joel, cap. II: ‘haverá no céu prodígios grandes e a terra se encherá de sangue, fogo e vapor de fumaça.

“O sol se converterá em trevas, e a lua se vestirá de sangue, antes que venha o dia do Senhor grande e horrível” (“Tres dias de tinieblas sobre el orbe entero”, El Ermitaño, Nº 119, 16-2-1871).

O B. Palau supunha que o demônio interviria de modo destacado no início dos castigos como instrumento dos mesmos.

Mas, na medida em que eles avançassem, a participação angélica e do próprio Deus se tornariam dominantes. Esses três dias de trevas acontecerão na parte final dos castigos.

E sua mais profunda razão de ser consistiria em confirmar a missão do enviado de Deus:

“De que serviriam os três dias de trevas tais como os prediz a venerável Taigi, se não fossem sinais para dar crédito a uma missão, como o foram as trevas que Moisés atraiu contra os egípcios?

“Sem a mão de um profeta produziriam o mesmo efeito que as epidemias e as guerras.

“Para que o ímpio não as atribua à pura obra da natureza, será necessária uma voz apostólica que as mande e as retire para dar crédito à onipotência do Deus dos católicos, e a verdade do poder da Igreja” (“La cruz”, El Ermitaño, Nº 159, 23-11-1871).

Nessa perspectiva, os três dias de trevas constituiriam o lance determinante da vitória final da Igreja.

sábado, 18 de março de 2023

Terceira dor de Maria Santíssima – Perda de Jesus no templo

 

Encontro de Jesus no Templo

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Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – “Eis que teu pai e eu Te andávamos buscando cheios de aflição” (Lc 2, 48)

Sumário. A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine-nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.

I. Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus! Que tristeza sente em ver-se dela privado.

Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-O perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. ― Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.

Num quem diligit anima mea vidistis? (1) ― “Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?” É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo? (2) ― “O menino não aparece, e eu para onde irei?” O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para O achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-Te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida.

II. Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a Santa Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser enganado”. ― Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― “Nós Te andávamos buscando cheios de aflição”.

Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester (3) ― “Vós não sois meu povo, e eu não serei mais vosso”.

Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam quietos. ― Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores, fazei que eu depressa O vá buscar e O ache, para nunca mais tornar a perdê-Lo em toda a eternidade.

Referências:

(1) Ct 3, 3
(2) Gn 37, 30
(3) Os 1, 9

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 352-355)

quarta-feira, 15 de março de 2023

Da glória de São José, Esposo da Virgem Maria

 

Glorioso São José

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Qui custos est Domini sui, glorificabitur – “O que é o guarda do seu Senhor, será glorificado” (Pv 27, 18)

Sumário. Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Visto que a recompensa é proporcionada aos merecimentos da vida, considera quão grande será no paraíso a glória do santo Patriarca. Com razão se admite que ele, depois da Bem-aventurada Virgem, leva vantagem a todos os demais Santos. Por isso, quando São José quer obter alguma graça para seus devotos, não tanto pede, como de certo modo manda a Jesus e Maria.

I. A glória que Deus confere no céu a seus Santos é proporcionada à santidade de vida que eles levaram em terra. Para termos uma idéia da santidade de São José, basta que consideremos unicamente o que diz o Evangelho: Ioseph autem vir eius, cum esset iustus (1) — “José seu esposo, como era homem justo”. A expressão homem justo significa um homem que possui todas as virtudes; porquanto aquele a quem falta uma delas, não pode ser chamado justo.

Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi escolhido para Esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de todas as virtudes o nosso Santo não devia auferir dos colóquios e da contínua convivência com a sua santa Esposa, que lhe dava exemplos perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de tantos anos?

Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria santidade, Jesus Cristo, servindo-O, alimentando-O e assistindo-Lhe nesta terra?

Se Deus promete recompensar aquele que por seu amor dá um simples copo de água a um pobre, considera quão alta glória terá dado a José, que O salvou das mãos de Herodes, Lhe forneceu vestidos e alimentos, O trouxe tantas vezes nos braços e carregou com tamanho afeto. — Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de atos de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Se, pois, a recompensa é proporcionada aos merecimentos ajuntados na vida, considera quão grande será a glória de São José no paraíso!

II. Santo Agostinho compara os demais Santos com estrelas, mas São José com o sol. O Padre Soares diz que é muito aceitável a opinião que depois de Maria, São José leva vantagem a todos os demais Santos em merecimento e em glória. Donde o Ven. Bernardino de Bustis conclui que São José, de certo modo, dá ordens a Jesus e Maria quando quer impetrar algum favor para os seus devotos.

Meu santo Patriarca, agora que gozais no céu sobre um trono elevado junto do vosso amadíssimo Jesus, que vos foi submetido na terra, tende compaixão de mim, que vivo no meio de tantos inimigos, maus espíritos e más paixões, que me dão combates contínuos para me fazerem perder a graça de Deus. Ah! Pela felicidade que tivestes, de gozar na terra, sem interrupção, da companhia de Jesus e Maria, alcançai-me a graça de passar o resto de minha vida sempre unido a Deus e de morrer depois no amor de Jesus e Maria, para que um dia possa ir gozar, convosco, da sua companhia, no reino dos bem-aventurados.

E Vós, ó meu amado Jesus, meu amantíssimo Redentor, quando poderei ir gozar-Vos e amar-Vos no paraíso face a face, seguro de não Vos poder mais perder? Enquanto viver, estarei exposto a tal perigo. Ah, meu Senhor e meu único Bem, pelos merecimentos de São José, que Vós amais e honrais tanto no céu; pelos merecimentos de vossa querida Mãe; e mais ainda, pelos merecimentos de vossa vida e morte, pelas quais merecestes para mim todo o bem e toda a esperança: não permitais que em tempo algum eu me separe nesta terra de vosso amor, a fim de que possa ir para a pátria do amor, a possuir-Vos e amar-Vos com todas as minhas forças e nunca mais em toda a eternidade afastar-me da vossa presença e do vosso amor.

Referências:

(1) Mt 1, 19

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 345-347)

terça-feira, 14 de março de 2023

A separação dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Final

 Juízo Final (Stefan Lochner 1435)

Juízo Final (Stefan Lochner 1435)


Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum – “Sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos” (Mt 13, 49)

Sumário. Quando todos os homens estiverem reunidos no vale de Josafá, virão os anjos separar os réprobos dos escolhidos. Estes ficarão à direita e aqueles serão, para sua confusão, impelidos para a esquerda. Oh, que triste separação! Meu irmão, de que lado nos acharemos nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os condenados? Se quisermos estar à direita, deixemos o caminho que conduz à esquerda.

I. Assim que os homens tiverem ressuscitado, ser-lhes-á intimado que se dirijam todos ao vale de Josafá, para serem julgados. Quando todos estiverem ali reunidos, virão os anjos e separarão os réprobos dos escolhidos: Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum. Os justos ficarão à direita, e os condenados serão impelidos para a esquerda. — Que mágoa não sentiria quem fosse banido da sociedade ou da Igreja! Mas que dor muito maior não sentirá, quando se vir expulso da companhia dos Santos! Unus assumetur, et alter relinquetur (1) — “Um será tomado, e outro será desprezado”. Diz São Crisóstomo que, se os réprobos não tivessem outra pena a sofrer, esta confusão já seria para eles um suplício infernal.

Atualmente no mundo são julgados felizes os príncipes e os ricos; e são desprezados os santos que vivem na pobreza e humildade. Ó cristãos fiéis, vós que amais a Deus, não vos aflijais porque neste mundo viveis desprezados e em tribulações: Tristitia vestra vertetur in gaudium (2) “A vossa tristeza se há de converter em alegria”. Então se dirá que vós sois os verdadeiros felizes, e tereis a honra de ser proclamados os cortezãos da corte de Jesus Cristo.

Que brilhante figura não fará então um São Pedro de Alcântara, que foi vilipendiado como apóstata! Um São João de Deus, que foi tratado como insensato! Um São Pedro Celestino, que morreu numa prisão depois de ter abdicado o papado! Que honra receberão então tantos mártires, cruciados aqui pelos algozes! Tunc laus erit unicuique a Deo (3) — “Então cada um terá de Deus o louvor”. Que horrível figura, pelo contrário, não fará um Herodes, um Pilatos, um Nero, e tantos outros grandes da terra, agora condenados! — Ó partidários do mundo, espero-vos no vale de Josafá. Aí mudareis sem dúvida de sentimentos; aí deplorareis a vossa loucura. Infelizes! Por uma curta aparição no teatro deste mundo, tendes de fazer depois o papel de condenados na tragédia do juízo final.

II. Os escolhidos serão colocados à direita, ou antes, segundo o que diz o Apóstolo, para sua maior glória, serão elevados aos ares sobre as nuvens, para irem com os anjos ao encontro de Jesus Cristo, que deve vir do céu: Rapiemur cum illis in nubibus, obviam Christo in aera (4) — “Seremos arrebatados com eles nas nuvens ao encontro de Cristo”. E os condenados, como um rebanho de cabritos destinados ao matadouro, serão impelidos para a esquerda, esperando pelo Juiz, que virá pronunciar publicamente a condenação de todos os seus inimigos. — Meu irmão, de que lado nos acharemos nós nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os réprobos?

Ó meu amado Redentor, ó Cordeiro de Deus, que viestes ao mundo, não para castigar, mas para perdoar os pecados: ah! Perdoai-me sem demora, antes que chegue o dia em que deveis ser meu Juiz. Se eu então viesse a perder-me, à vossa vista, ó doce Cordeiro, que me tendes aturado com tanta paciência, a vossa vista seria o inferno do meu inferno. Ah! Perdoai-me, repito, sem demora. Com o socorro da vossa mão misericordiosa, fazei-me sair do precipício onde me fizeram cair os meus pecados. Arrependo-me, ó soberano Bem, de Vos ter ofendido tantas vezes. Amo-Vos, ó meu Juiz, que tanto me haveis amado.

Suplico-Vos pelos méritos da vossa morte, que me deis uma graça tão eficaz, que me torne de pecador em santo. Prometestes atender a quem Vos roga: Clama ad me et exaudiam te (5) — “Clama por mim e Eu te atenderei”. Não Vos peço bens terrenos; peço-Vos a vossa graça, o vosso amor e nada mais. Atendei-me, ó meu Jesus, pelo amor que me dedicastes morrendo por mim na cruz. Meu amado Juiz, sou um culpado, mas um culpado que Vos ama mais que a si próprio. Tende piedade de mim! — Maria, minha Mãe, vinde depressa em meu auxílio, agora que me podeis ainda socorrer. Não me abandonastes quando vivia esquecendo-me de vós e de Deus. Socorrei-me, já que estou resolvido a servir-vos sempre e a nunca mais ofender a meu Senhor. Ó Maria, vós sois a minha esperança.

Referências:

(1) Mt 24, 40
(2) Jo 16, 20
(3) 1 Cor 4, 5
(4) 1 Ts 4, 17
(5) Jr 33, 3

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 342-345)

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