A nenhum cristão é permitido odiar seja quem for, porque ninguém é salvo senão graças ao perdão dos pecados. Que o povo de Deus seja, pois, santo e bom: santo, para se afastar daquilo que é proibido, bom para realizar aquilo que é mandado. Grande coisa é ter uma fé reta e uma doutrina santa; é louvável reprimir a gula, ter uma doçura e uma castidade irrepreensíveis; mas estas virtudes nada são sem a caridade.
Meus queridos, todos os tempos convêm para se realizar o bem da caridade, mas a quaresma convida-nos especialmente a fazê-lo. Aqueles que desejam acolher a Páscoa do Senhor com santidade de espírito e de corpo devem esforçar-se, antes de mais, por adquirir esse dom que contém a essência das virtudes e que «cobre a multidão dos pecados» (1Ped 4,8).
Assim pois, agora que nos preparamos para celebrar o mistério que ultrapassa todos os outros, aquele pelo qual o sangue de Cristo apagou as nossas culpas, preparemos antes de mais os sacrifícios da misericórdia. Concedamos àqueles que pecaram contra nós o que a bondade de Deus nos concedeu a nós. Esqueçamos as injustiças, deixemos as culpas sem castigo, e que nenhum daqueles que nos ofenderam receie ser pago da mesma moeda.
Todos sabemos que somos pecadores; ora, a fim de recebermos o perdão pelos nossos pecados, deve alegrar-nos o facto de termos a quem perdoar. Deste modo, quando dissermos, seguindo o ensinamento do Senhor: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6,11), podemos estar seguros de obter a misericórdia de Deus.
São Leão Magno in 10.ª Homilia para a Quaresma
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