Nos praedicamus Chirstum crucifixum, Iudaeis quidem scandalum, gentibus autem stultitiam – “Nos pregamos a Cristo crucificado, que é de fato para os judeus escândalo e para os gentios loucura” (1 Cor 1, 23)
Sumário. O mistério da Redenção é tão sublime, que os gentios o chamavam uma loucura. Julgavam impossível que um Deus onipotente e felicíssimo se tivesse feito homem e tivesse morrido numa cruz pela salvação dos homens. Como há, pois, cristão que sabem isso pela fé, e veem um Deus tornado, por assim dizer, louco por amor dos homens, e todavia vivem sem O amar, e mesmo O ofendem e injuriam?… Se no passado nos unimos àqueles ingratos para ofender Jesus, peçamos-Lhe humildemente perdão.
I. São Paulo diz que os gentios, ouvindo-o pregar de Jesus crucificado por amor dos homens, olhavam isto como uma incrível loucura. E como, diziam eles, seria possível crer que um Deus todo-poderoso, que de ninguém tinha necessidade para ser o que é, infinitamente feliz, haja querido, para salvar os homens, fazer-se homem e morrer numa cruz? Seria isto a mesma coisa, diziam eles, que crer um Deus tornado louco por amor dos homens: para os gentios uma loucura. E por isto deixavam de crer.
Mas esta grande obra da Redenção, que os judeus criam e chamavam uma loucura, sabemos nós pela fé que Jesus a empreendeu e a completou. “Nós podemos ver”, diz São Lourenço Justiniani, “a Sabedoria eterna, o Filho unigênito de Deus, tornado, por assim dizer, louco pelo amor excessivo que tinha aos homens.” — O Bem aventurado Jacopone, que no mundo era tão distinto pelo seu saber, tendo-se feito franciscano, parecia enlouquecer pelo amor que consagrava a Jesus Cristo. Um dia apareceu-lhe Jesus e disse: “Jacopone, para que fazes estas loucuras?” — “Porque as faço?” respondeu ele, “porque Vós m´as haveis ensinado. Se eu sou louco, Vós fostes mais louco do que eu, por terdes querido morrer por mim: Stultus sum, quia stultior me fuisti”.
Da mesma sorte, Santa Maria Madalena de Pazzi, arrebatada em êxtase, exclamava:
“Ó Deus de amor! Ó Deus de amor! É muito grande, meu Jesus, o amor que Vós tendes aos homens. Não sabeis, minhas queridas irmãs, que o meu Jesus não é senão amor? Ainda mais: louco de amor? Sim, louco de amor, digo que Vós o sois, ó meu Jesus, e sempre o direi”
Acrescentava que quando chamava a Jesus amor, queria ser ouvida pelo mundo inteiro, a fim de que o amor de Jesus fosse conhecido e amado de todos os homens.
II. Sim, meu doce Redentor, permiti que Vô-lo diga, a vossa terna Esposa tinha bem razão de Vos chamar louco de amor. Ou então não é uma loucura o haverdes querido morrer por mim, por um ingrato verme da terra, como eu sou, e de quem Vós conhecíeis antecipadamente os pecados e as perfídias? Se Vós, porém, meu Deus, Vos tendes como que tornado louco de amor por mim, como não me tornarei eu louco por vosso amor? Depois de Vos ter visto morrer por mim, como posso pensar em outra coisa senão em Vós? Como posso amar outro objeto senão a Vós! Ah, meu Senhor amabilíssimo, em que lei tão bárbara está escrito que um Deus ame tanto à sua criatura e que depois esta viva sem amar a seu Deus, e mesmo o ofenda e entristeça?
Mas para o futuro não será mais assim! Ó meu Bem soberano, arrependo-me dos ultrajes que Vos fiz, arrependo-me sobre todos os males e quisera morrer de dor. † Amo-Vos, Jesus, meu Deus, sobre todas as coisas; amo-Vos de todo o meu coração, prometo não amar d´aqui em diante senão a Vós, e pensar sempre no amor que me tendes testemunhado, morrendo por mim em tão grandes tormentos. Ó açoites, ó espinhos, ó cravos, ó cruz, ó chagas, ó dores, ó morte do meu Jesus, vós me constrangeis e me forçais a amar aquele que tanto me tem amado!
Ó Verbo incarnado, ó Deus amante! A minha alma está inflamada por Vós. Quisera amar-Vos a ponto de não achar outro prazer, senão em Vos agradar, ó meu dulcíssimo amor. Já que Vós desejais tão ardentemente o meu amor, protesto que não quero viver senão por Vós. Sim, quero fazer tudo o que desejardes de mim. Ah! Meu bom Jesus, ajudai-me: fazei que eu Vos agrade em tudo e sempre, no tempo e na eternidade. — Maria, minha Mãe, rogai a Jesus por mim, a fim de que Ele me dê o seu amor; porque não desejo nesta vida e na outra senão amar a Jesus.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 311-313)
Lendo algo assim, penso: não sabemos nada de amar. É preciso muito sacrifício para corresponder, um pouco, a esse amor tão grande.
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