A PÉROLA PRECIOSA
Breves pensamentos sobre o Rosário meditado, para sacerdotes.
pelo
Padre Wendelin Meyer, O.F.M.
Tradução portuguesa por
Alberto Maria Kolb
8.º MISTÉRIO
DESPREZADOS... ABENÇOAM...
Apenas o Redentor tinha começado o difícil combate com o mundo e com o demônio, e logo recebera uma coroa.
Naturalmente, não era coroa que inspirava inveja. A solenidade da coroação era uma cena de escárnio. Algo de semelhante reproduz-se na vida sacerdotal. A coroa ensanguentada de Jesus Cristo corresponde a coroa dolorosa do sacerdote. Para compreendemos a significação mística desse passo da paixão, entremos no interior do Pretório. Esquecendo e olvidando o mundo, procuremos sondar esse profundo mistério pormenorizadamente.
Eis, pois, revestiram o Salvador com um manto de púrpura; — encimaram Sua cabeça com uma coroa; — puseram-Lhe nas mãos uma cana; — prestaram-Lhe homenagens.
Revestiram o Salvador com um manto de púrpura:
A flagelação era passada, essa ação desumana estava feita. Os algozes cobriram a sua vítima com vestidos e nesses panos infiltrou-se o sangue das feridas abertas. A túnica inconsútil de Jesus, totalmente ensanguentada, estava apegada na carne viva em todo corpo: parecia o sacerdote revestido da casula vermelha. Jesus estava pronto para o Sacrifício, pronto para caminhar ao altar no cimo do Gólgota. Os algozes porém, desnaturadas criaturas, ainda não estavam contentes; ajuntaram à dor física a dor moral, o escárnio. Jesus era rei, procuraram então revesti-lO das insígnias de Sua alta dignidade. Arrancaram-Lhe cruelmente a vestimenta da dor, tinta de sangue, e substituíram-na por um manto de púrpura, usado pelos generais dos exércitos daquele tempo.
Era o primeiro sinal da sua elevada posição. Um riso satânico então passou pelo pátio. Tinham dado começo à mofa feroz. Cristo calou-se durante toda essa ação; Seu silêncio, porém, é uma linguagem viva, pois também aqui o discípulo não é mais do que o mestre. Também para o Alter Christus, o mundo tem preparado seu manto de escárnio. O ódio à Igreja e a incredulidade, diariamente, hora por hora até, estão trabalhando para descarregar sobre o sacerdócio as suas ironias, para ridicularizá-lo ante os olhos da humanidade.
A imprensa e a língua são as lançadeiras que tecem o manto de escárnio com os fios da mentira e do ódio. Até a vestimenta do Sacerdote é alvo de ferozes agressões e de palavras injuriosas.
A batina preta e o burel do religioso figuram em imundas revistas como quadros sensacionais. Eis a sorte do Padre.
Mostremos, porém, força e ânimo de heróicos confessores da Fé. Alegremo-nos em sofrer opróbrios pelo nome de Jesus e jamais deixemos tão facilmente a nossa santa fé.
Encimaram sua cabeça com uma coroa:
A soldadesca com facilidade adquiriu para Jesus um diadema, pois bem próximo cresciam os arbustos delotos e os espinhos; os seus galhos flexíveis e seus penetrantes acúleos pareciam mais belos que o ouro e o diamante aos malévolos soldados que deles logo se utilizaram em fabricando uma coroa, em impondo-a sobre a sagrada cabeça de nosso Salvador e, por fim, fazendo-a entrar bem profundamente. Então apareceram os rubis que faltavam, que eram as purpúreas gotas do precioso sangue de Jesus; deslizavam pelos ramos e pendiam nas pontas agudas dos espinhos como pérolas brilhantes. Uma dor indefinível invadira então o nosso Divino Redentor.
Oh, sagrada cabeça de meu Salvador, ultrajada e escarnecida, cheia de sangue, de feridas, de dor... eu vos venero e reverencio.
E vós, meu Jesus, não Vos queixais?
E Vosso olhar, embaçado de sangue, meigamente dirige-se para a terra ou busca horizontes a nós desconhecidos?
A Vossa mão não se levantará para rebater os monstros que Vos ultrajam?
Oh, santa e heróica paciência!
A tudo que vos rodeava éreis indiferente; a vida interior, porém, a vida celeste, a vida eterna, era para Vós tudo.
Assim eu devo levar a minha coroa.
Posuisti in capite meo coronam.
Vós me destes a tonsura; ela é o símbolo de vossa coroa de dor. Devo, pois, praticar o desprezo de mim mesmo e do mundo, esta é a vossa vontade; satisfazendo-a, é mister sofrer.
Esta cruz interior, escondida, que me faz morrer a tudo o que é do mundo, apronta-me para um altar, como Vos aprontou para a Cruz. Exsurge gloria mea (Ps. 5.6-9).
Puseram-Lhe nas mãos uma cana:
O bastão dos soberanos é o símbolo do poder; por isso permanece desde tempo imemoriais o cetro nas mãos dos reis. Que coisa mais natural do que entregar à vítima coroada o sinal de seu poder?
Os algozes executaram esse seu intento. Cortaram uma cana frágil e entregaram-na a Jesus, que lhes parecia tão fraco e débil como a própria cana. A força e onipotência divinas, porém, que residiam nos membros trêmulos do Salvador, escondiam-se aos olhos dos presentes.
E novamente resoaram sobre o pátio do Pretório as risadas e mofas atrozes.
Jesus autem tacebat!
Se formos prudentes, imitaremos a Jesus. Possuímos e temos um cetro; somos, por assim dizer, reis na Paróquia. Nosso braço é forte: podemos transubstanciar pão e vinho em Jesus Cristo, perdoar pecados, abençoar, mandar e punir.
Esta nossa posição tem, porém, seus contraditores. Quantos se revoltam e procuram diminuir o nosso prestigio! Cortam então para nós a cana; entretanto nada temamos. Mas procuremos sabiamente evitar todo o abuso imprudente da protestas sacerdotais. A nossa, divisa seja: «calar», «orar», «amar».
Se Deus é por nós, quem será contra nós?
Deram-Lhe homenagens:
Os Anjos do céu homenagearam o Divino Redentor. Cobertos de acatamento e respeito estão desde tempos mui remotos, estupefatos e extasiados diante do trono, exclamando: «Salas Deo nostro, qui sedet super thronum, et Agno». (Apoc. 7-10). Caem sobre suas faces e adoram a Deus.
Na coroação de espinhos, porém, não se viam Anjos: homens satânicos ao contrário, talvez inebriados, apresentaram-se, uns após outros, diante de Jesus.
Gemi flectiram, cuspindo-lhe na sagrada face e gritando: «Ave, rex Judaeorum»! (S. Math. 27-29).
Seu respeito era uma horrível hipocrisia, seu acatamento desprezo e sua homenagem escárnio.
Jesus autem tacebat! Conservemos em nós segundo Seu exemplo, a calma, se semelhantes coisas nos sucedem. Em muitas paróquias tais acontecimentos não lançam raízes, nem semelhantes sofrimento aparecem; em outras, contudo, se repetem sempre aquelas cenas da coroação: insultos chistosos, grosseiros ludíbrios, baixas ridicularias, enfim vexação, de toda espécie.
Sim, cospe-se diante dos ministros do Altar, cospe-se na passagem do sacerdote. Tais fatos leem-se nas crônicas de corajosos bispos e párocos de grandes metrópoles, de religiosos e missionários.
Em suas vidas resplandece a 3.ª dezena dos mistérios dolorosos. Fortaleçamo-nos com o lema dos antigos místicos: «Sperno sperni».
Roguemos a Deus que nos conceda grande paciência e muita caridade.
Maledicimur et benedicimus (I Corinth. 4-12)
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