terça-feira, 27 de maio de 2014

O Amém das pedras

 

Apesar de cego pela idade, continuava o venerável Beda a pregar a alviçareira boa nova. Conduzido pelo guia, peregrinava o piedoso velho de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, tendo na boca a palavra de Deus e no coração o fogo juvenil.

Um dia o moço que o guiava levou-o a um vale ouriçado de brutas pedras e com mais leveza que maldade lhe disse:

- Venerável Pai muita gente está aqui reunida à espera da vossa prédica.

Imediatamente levantou-se o ancião, escolheu um texto sagrado, explicou-o e fez dele aplicação, e exortou, e advertiu, e exprobrou, e consolou com tanta mansuetude e unção que as lágrimas lhe correram suave e docemente pelas barbas encanecidas.

E, ao concluir, proferiu ele a oração e exclamou:

- Tu és o Reino e o Poder, Tu és a Força e a Glória por toda a eternidade! 

Deu-se, nesse momento, um fato estranho: ao redor, no vale pedregoso, bradaram milhares e milhares de vozes que ecoaram pelas montanhas:

- Amém, veneraável Pai! Amém! Amém! 

O rapaz tomou-se de assombro, caiu de joelhos, profundamente arrependido, e confessou ao santo o pecado que cometera.

- Mas, meu filho – exclamou comovidamente o velho – por acaso não leste que, se os homens emudecerem, as pedras bradarão? Não tentes, jamais, gracejar com o verbo de Deus, meu filho! A palavra divina é viva, forte e afiada como uma espada de dois gumes; e ainda que o coração humano, a despeito dela, se petrificasse, palpitaria em cada pedra um coração de homem.

(Cândido Jucá - O Bom Caminho, páginas 199/200)


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