segunda-feira, 13 de julho de 2015

“…VENHA A NÓS O VOSSO REINO…”

Como foi dito, o Espírito Santo nos faz amar, desejar e pedir retamente o que nos convém amar, desejar e pedir (no. 3). Este Espírito produz em nós, primeiro, o temor que nos leva a procurar a santificação do nome de Deus, para, em seguida, nos dar o dom dapiedade. A piedade é, propriamente, uma afeição terna e devotada por um pai e também por um homem caído na miséria.
Como Deus é nosso Pai, devemos não somente venerá-lo e temê-lo, mas também alimentarmos uma terna e delicada afeição por Ele. É esta afeição que nos faz pedir a vinda do reino de Deus. São Paulo declara em Tito, 2, 11-13: A graça de Deus apareceu a todos os homens, ensinando-nos que vivamos neste mundo sóbria, justa e piamente, aguardando a esperança bem-aventurada e a vinda gloriosa de nosso grande Deus.
Mas podemos perguntar: Se o reino de Deus sempre existiu, porque pedimos a sua vinda?
Devemos responder a esta pergunta de três maneiras:
a) Primeiro: o reino de Deus, em sua forma acabada, supõe a perfeita submissão de todas as coisas a Deus. Um rei não será rei, efetivamente, antes de que todos os seus súditos lhe obedeçam.
Sem dúvida, Deus pelo que é e por sua natureza, é o Senhor do universo; e o Cristo, sendo Deus e sendo homem, tem, como Deus, o senhorio sobre todas as coisas. Diz Daniel (7, 14): No mais antigo dos dias foi lhe dado o poder, a honra e a realeza. É preciso que tudo lhe seja submetido. Mas isto ainda não é assim e se realizará no fim do mundo. Está escrito (1 Cor 15, 25): É necessário que ele reine, até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés. Eis porque pedimos: venha a nós o vosso reino.
Assim fazendo, pedimos três coisas, a saber:
— que os justos se convertam;
— que os pecadores sejam punidos;
— que a morte seja destruída.
Os homens são submetidos ao Cristo de duas maneiras: ou voluntariamente ou contra a vontade. A vontade de Deus, com efeito, possui tal eficácia, que não pode deixar de se realizar totalmente. E já que Deus quer que todas as coisas sejam submissas ao Cristo, é preciso necessariamente ou que o homem cumpra a vontade de Deus, submetendo-se a seus mandamentos — o que fazem os justos — ou que Deus realize sua vontade naqueles que lhe desobedecem, isto é, nos pecadores e nos seus inimigos, punindo-os. O que acontecerá, no fim do mundo, quando Ele colocará seus inimigos debaixo de seus pés (cf., Sl 109, 1). Por isso é dado aos santos pedirem a Deus a vinda de seu reino, com a total submissão de todos à sua realeza. Mas esse pedido faz tremer os pecadores, pois assim terão de se submeter aos suplícios requeridos pela vontade divina. Infelizes aqueles (pecadores) que desejam o dia do Senhor (Am 5, 18).
A vinda do reino de Deus, no fim dos tempos, será também a destruição da morte. O Cristo é a vida; ora, a morte — que é contrária à vida — não pode existir em seu reino, segundo a palavra (1 Cor 15,26): O último inimigo a ser destruído será a morte, o que quer dizer que na ressurreição, segundo São Paulo (Fp 3, 21), o Salvador transformará nosso corpo de miséria, e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso.
b) Segundo: o reino dos céus designa a glória do paraíso. Não há nisto nada de espantoso, pois o reino quer dizer, simplesmente, governo. Um governo atinge seu mais alto grau de excelência, quando nada se opõe à vontade de quem governa.
Ora, a vontade de Deus é a salvação dos homens, pois Deus quer que todos os homens se salvem (cf. 1 Tm 2, 4). Esta vontade divina se realizara principalmente no paraíso, onde nada é contrário à salvação dos homens, pois o Senhor diz (Mt 13, 14): Os anjos lançarão fora de seu reino todos os escândalos. Neste mundo, ao contrário, abundam os obstáculos, para a salvação dos homens.
Quando, pois, pedimos a Deus: «venha a nós o vosso reino», rezamos para que, triunfando sobre esses obstáculos, sejamos participantes de seu reino e da glória do paraíso.
Três motivos tornam este reino extremamente desejável.
Primeiro, pela soberana justiça deste reino. Falando de seus habitantes, o Senhor diz a Isaías (60, 21) que todos são justos. Aqui, os maus estão misturados com os bons, mas lá não haverá nem maus nem pecadores.
Segundo, pela perfeita liberdade dos eleitos.
Aqui na terra, todos desejam a liberdade, sem possuí-la plenamente. Mas no céu se goza de uma plena e inteira liberdade, sem a menor servidão. Diz-nos São Paulo (Rm 8, 21): A própria criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
E não somente todos os eleitos possuirão a liberdade, mas serão reis, segundo o Apocalipse: Fizeste-nos reis e sacerdotes e reinaremos sobre a terra.
Serão todos reis, porque terão, como Deus, uma só vontade. Deus quererá o que os santos querem e os santos quererão o que Deus quer. Assim todos reinarão, porque farão a vontade de todos e Deus será a coroa de todos, segundo Isaías (28, 5): Naquele dia, o Senhor dos exércitos será a coroa da glória e a grinalda de exultação para o resto de seu povo.
Terceiro, pela maravilhosa abundância de seus bens. Diz Isaías ao Senhor (64, 4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para aquele que te esperam. E o Salmista (Sl 102, 5). Enches de bens, segundo o teu desejo.
E é preciso notar que «só em Deus» o homem achará a excelência e a perfeição daquilo que procura, «neste mundo». Se procurais o deleite, em Deus achareis o deleite supremo. Se procurais riquezas, em Deus achareis a superabundância de tudo de que tendes necessidade e tudo que é razão de ser das riquezas. O mesmo acontece com os outros bens. Santo Agostinho reconhecia em suas Confissões: «A alma que fornica, ao afastar-se de vós, procurando os bens fora de vós, só os encontrará límpidos e puros se voltar para vós».
c) Terceiro: porque muitas vezes o pecado reina e triunfa neste mundo, pedimos a Deus a vinda de seu reino. São Paulo se levantava contra esta calamidade (Rm 6, 12): Que o pecado não reine em vossos corações.
Esta infelicidade se realiza quando o homem se deixa levar sem resistência, até o fim de sua inclinação para o pecado.
Deus deve reinar em nosso coração e o faz efetivamente quando estamos prontos a observar os seus mandamentos.
Quando pedimos a vinda do reino de Deus, rezamos para que não reine em nós o pecado, mas que só Deus ali reine e para sempre.
Por este pedido da vinda do reino de Deus, chegaremos à bem-aventurança, proclamada pelo Senhor (Mt 5, 4): Bem-aventurados os mansos.
Com efeito, segundo a primeira explicação do pedido venha a nós o vosso reino (n° 35), o homem, pelo fato de desejar que Deus seja reconhecido mestre soberano de tudo, não se vinga da injustiça recebida, mas deixa esse cuidado a Deus. Pois se vingando ele está procurando seu triunfo pessoal e não a vinda do reino de Deus.
De acordo com a segunda explicação (n° 37) se esperais o reino de Deus, quer dizer, a glória do paraíso, não deveis ficar inquietos, quando perdeis os bens deste mundo.
Do mesmo modo, pela terceira explicação, (no 41) pedis que reine em vós Deus e seu Cristo. Assim como Jesus foi mansíssimo, pois ele mesmo o diz (Mt 11, 29), deveis também ser mansos e imitar os Hebreus dos quais diz São Paulo (Heb 10, 34): aceitaram com contentamento a espoliação de seus bens.
Sermões de São Tomás

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