A beleza de Jesus é inesgotável. Assim como a visão de Deus no Céu, ela é sempre variada e, todavia, sempre a mesma; sempre cara como uma jóia antiga e familiar e, no entanto, sempre um objeto de surpresa e refrigério para o espírito, como se fosse, na realidade, sempre nova. Jesus é belo sempre, belo em toda parte, tanto desfigurado pelos tormentos da Paixão, como entre os esplendores da Ressurreição; tanto nos horrores da Flagelação, como entre os encantos indescritíveis de Belém. Mas, sobretudo, Nosso Senhor é belo em Sua Mãe. Se nós amamos Jesus, devemos amar também Maria. É preciso que conheçamos a Mãe para conhecer o Filho. Assim como não há verdadeira devoção para com a Santa Humanidade do Salvador sem a fé em Sua Divindade, assim não teremos senão um amor insuficiente pelo Filho se O separamos de Sua Mãe, se deixamos Esta de lado, como se fosse um simples instrumento que Deus escolheu da mesma maneira que poderia escolher uma coisa inanimada, da qual não se olha nem a santidade nem a conveniência moral. Ora, amar a Jesus cada vez mais é a nossa tarefa de cada dia. Os anos seguem-se aos anos; a antiga sucessão das festas sempre se repete; as divisões bem conhecidas do ano cristão nos atingem, fazem sobre nós sua impressão e prosseguem seu curso. Quantas festas de Natal, Semana Santa, Pentecostes, nós já vimos passar, marcadas cada uma por algum acontecimento que as deixou marcadas em nosso espírito!
Estas festas, passamo-las uma num local, outra noutro; aquelas em certas circunstâncias, estas em outras. Algumas dentre elas, graças a Deus, distinguiram-se por marcantes efusões do coração, na vida interior, de maneira a modificar ou a fortificar nossa devoção e a influenciar notavelmente nossas relações pessoais com Deus. Os fundamentos de numerosos edifícios, que não se elevariam sob o sol senão muito mais tarde, eram então lançados, embora quase imperceptíveis. Todavia, quaisquer que tenham sido as mudanças vistas ou operadas por essas festas, elas sempre nos encontraram ocupados com uma só e mesma obra, a saber, com nos esforçarmos por amar a Jesus cada vez mais. E, através de todas essas mudanças e de toda essa perseverança em nossa obra única, nossa experiência nos diz, com razão, que nós nunca avançamos tão rapidamente em nosso amor pelo Filho como quando passamos pela Mãe, e que o que nós edificamos mais solidamente para Jesus é o que há sido edificado com Maria. Não perdemos tempo na busca por Jesus, se vamos junto a Maria, pois Ele está sempre com Ela, sempre em Sua casa. A obscuridade dos mistérios de nosso Salvador se muda em claridade quando nos aproximamos da luz de Maria – que é a mesma luz de Seu Filho. Maria é a rota abreviada para chegar a Jesus. Ela tem um extremo acesso junto a Ele. Ela é a Sua Ester, e suas respostas às petições apresentadas por Ela são prontas e completas.
Mas Maria é um mundo que nós não podemos abraçar com um único olhar. Devemos nos devotar a Seus mistérios particulares. Devemos pôr em destaque certas regiões deste mundo da graça e concentrar nossa atenção sobre elas. Devemos examiná-las e descrevê-las com exatidão antes de passar a outras, e então aprenderemos muito, ao passo que uma vista apenas geral nos impossibilitaria obter um conhecimento suficiente e encher nossas almas de riquezas espirituais, riquezas ao mesmo tempo de ciência e amor, capazes de nos aproximar eternamente de Nosso Senhor por uma união mais íntima com Ele. Como a Vontade bendita de Deus persevera em nos conservar a vida e nos reter, por Seus
misericordiosos desígnios, em meio a este desalento e a esta angustiante possibilidade de pecar, determinemo-nos, ao menos, a não nos ocupar senão de Deus, pois, afinal, há muito que não temos uma outra ocupação que valha a pena. Há ainda, mesmo na extensa sombra dos tristes desertos do mundo, milhares de oásis, onde podemos trabalhar ao ruído de águas vivas e conversar com Ele nas horas frescas do dia; e podemos errar de um oásis a outro segundo a fraqueza ou a força do nosso amor nos levar. Quanto ao presente, vamos nos deter no jardim das dores de Maria. É um dos mais prezados jardins de Deus e não podemos aí trabalhar senão à sombra de Sua presença e com o amor de Jesus maravilhosamente tomando posse de nossa alma. Pois o amor de Jesus está no ar puro deste jardim, nas emanações de seu chão lavrado, no odor de suas flores, no burburinho de suas folhas, no canto de seus pássaros, no brilho de seu sol, no ruído tranqüilo das cascatas que jorram de suas rochas. Por amor ao Senhor é aí que nos prenderemos algum tempo como num claustro, e o mundo, para o qual somos de pouca importância, e que é, ele mesmo, de menos importância ainda para nós do que nós para ele, deixará durante uma temporada de nos encontrar em nosso posto.
A lei da Encarnação é uma lei de sofrimento. Nosso Senhor foi o Homem das Dores, e por Seus sofrimentos é que Ele resgatou o mundo. Sua Paixão não foi um mistério isolado do resto de Sua Vida; ela foi simplesmente o fim e o desenlace que mais convinha. O Calvário não difere de Belém ou Nazaré: ele lhes sobrepassa em intensidade, mas sem diferir em natureza. Os 33 anos da Vida de Nosso Senhor foram passados num sofrimento contínuo, embora variado em espécie e intensidade. Esta mesma lei de sofrimento, que diz respeito a Jesus, atinge também todos aqueles que d’Ele se aproximam; ela os envolve na proporção mesma da santidade deles, e reclamando uma posse completa. Os Santos Inocentes não eram, nos conselhos de Deus, mais que os contemporâneos de Nosso Senhor, e esta proximidade bastou para os mergulhar num mar de sofrimentos. É pela lei que mencionamos que eles perecem duramente, nos braços de suas mães desesperadas, para receber em recompensa as coroas e as palmas eternas; feliz troca, magnífica fortuna tão rapidamente achada e tão maravilhosamente assegurada! A mesma lei envolverá cada um dos Apóstolos sobre os quais tombar a inefável escolha do Verbo Encarnado. Será uma cruz para Pedro e seu irmão André, uma espada para Paulo, uma espada para Tiago; será a faca que arrancará toda a pele de Bartolomeu, e para João o óleo fervente e os longos anos duma dolorosa espera. Qualquer que seja a forma exterior, há sempre o sofrimento interior. Este os seguiu em todas as suas contrariedades, os cobriu com sua sombra em todas as suas vicissitudes. Marchava com eles pelas estradas romanas, como se fôra um anjo guardião. Acompanhava-os nas galés sobre as águas perigosas do Mediterrâneo. Como Apóstolos, eles tinham de ser semelhantes ao seu Mestre, tinham, pois, de passar pela escuridão do Calvário, fosse em Roma ou em Bactres, na Espanha ou em outros lados. A mesma lei há envolvido os Mártires de todos os tempos. Suas “paixões” eram reflexos vivos da grande Paixão, e o sangue que eles derramavam mesclava seus fluxos ao Preciosíssimo Sangue do Redentor, o Rei dos Mártires. E o mesmo se diga dos Santos todos, quer tenham sido bispos ou doutores, virgens ou matronas, leigos ou religiosos; um amor extraordinário, uma graça extraordinária sempre lhes chegava sob a forma duma provação extraordinária e dum extraordinário sofrimento. Eles também deviam ser mergulhados na escuridão do Calvário, para que pudessem ver, e ver de perto, a Face do Crucificado. E assim tem sido para todos os eleitos, cada um segundo a sua medida. É preciso que eles estejam compreendidos pelo menos nas bordas da escura nuvem que deve, ao passar, cobri-los com sua sombra, talvez mais de uma vez, para assegurar-lhes a salvação de suas almas, em lhes proporcionando uma semelhança suficiente com seu Mestre. Que deveríamos pensar, portanto, da Mãe de Jesus, que, de todas as criaturas, é a que mais perto se encontra a Ele?
Não há como nos surpreendermos, pois, se Maria sofre mais do que qualquer pessoa, depois de Jesus. A imensidade de Suas dores não será para nós um escândalo, nem uma surpresa; será antes a conclusão natural de tudo o que sabemos do grande mistério da Encarnação. A amplidão de Seus sofrimentos serve como medida da magnificência do amor de Seu Filho por Ela. E a profundeza de Suas penas será o mais seguro meio de sondar o abismo de Seu amor por Seu Filho. O imenso oceano de Suas dores dará a medida da grandeza de Sua santidade. É a altura de Sua divina Maternidade que elevará Seus sofrimentos às alturas da divina Paixão. Isenta do pecado, Ela parecerá quase submetida à mesma lei vivificante de expiação [que os pecadores]. A união da Mãe com o Filho torna inseparáveis a Compaixão de Maria e a Paixão de Jesus, apesar das muitas razões pelas quais manifestamente se distinguem uma da outra.
A Mulher revestida do sol será envolvida de todos os lados pela brilhante escuridão deste terrível destino que Jesus se digna fixar e, em seguida, aceitar como a grande lei de Sua Encarnação. Devemos assim estar preparados, pois, para o fato de que as dores de Maria sobrepassam a capacidade de nossa imaginação, indo além de toda descrição. Nós podemos somente contemplá-las com os instrumentos que nos fornecem a fé e o amor, e observar a beleza e a estranheza de tantos fenômenos que não podemos compreender senão imperfeitamente. É nos possível, assim, particularmente, aumentar nossa devoção à Paixão, da qual várias regiões desconhecidas são momentaneamente esclarecidas para nós pelo contato das dores de Maria, do mesmo modo que, no eclipse de Júpiter, este luminoso planeta, ao atingir com seu raio a porção obscura da Lua, projeta, como uma revelação, uma linha momentânea de luz ao longo do lado invisível do astro da noite, provando, assim, a realidade do que não se vê.
Mas, antes de pedir a São João Evangelista que nos tome pela mão e desça conosco às profundezas deste Coração sofrido, que ele, o santo do Sagrado Coração, conhece melhor que os outros, iremos lançar uma vista geral sobre as dores da Santa Virgem, como quando nos familiarizamos primeiro com o plano geral da geografia de um país antes de lhe conhecer os detalhes. Há sete pontos sobre os quais nos é necessária alguma explicação antes de podermos estudar com proveito os mistérios distintos de suas eminentes dores. Explicaremos, pois, como nos for possível, a imensidão das dores de Maria, o porquê Deus as permitiu, quais as suas causas, suas características, como Maria podia se alegrar em meio a elas, como a Igreja no-las apresenta, e qual deve ser o espírito de nossa devoção para com elas. São estas as questões que buscaremos responder, e as respostas, ainda que imperfeitas, serão para nós uma espécie de introdução ao tema.
Ao pé da Cruz ou As Dores de Maria, Padre Frederick William Faber.
Fonte: A grande Guerra
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