Virum dolorum et scientem infirmitatem – “Um homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is 53, 3)
Sumário. Se queres ver um homem de dores, olha para Jesus Cristo sobre a cruz. Ei-Lo apoiando-se com todo o peso do corpo sobre as chagas das mãos e dos pés trespassados; cada um dos membros sofre a sua dor particular sem alivio algum. Pois bem, se para a nossa Redenção bastava uma só lágrima e Jesus, porque é que ele quis sofrer tanto? É para agora temo-Lo amado tão pouco; temo-Lo mesmo ofendido tantas vezes! Permaneceremos sempre tão ingratos?
I. É assim que o profeta Isaías chamou o nosso Redentor: Homem de dores e experimentado nos trabalhos; isto é, experimentado e provado nos sofrimentos. Salviano, considerando as dores de Jesus Cristo, escreve: Ó amor de meu Jesus, não sei como Vos chamar, doce ou cruel. Parece-me que sois ao mesmo tempo um e outro; fostes doce para conosco, amando-nos tanto depois de tantas nossas ingratidões; mas fostes demasiado cruel para com Vós mesmo, aceitando uma vida chei de dores e uma morte tão cruel, para satisfazer por nossos pecados.
Diz o angélico Santo Tomás que, para nos salvar do inferno, Jesus Cristo abraçou a dor mais acerba e o desprezo mais profundo: Assumpsit dolorem summum, vituperationem summam. Para satisfazer por nós a justiça divina, bastava que Jesus sofresse uma dor qualquer; mas não, ele quis sofrer as injúrias mais ignominiosas e as dores mais cruciantes, para nos fazer compreender a malícia dos nossos pecados e o amor que seu Coração nutria para conosco. – Por isso Jesus disse, como escreve São Paulo: Corpus autem aptasti mihi – “Preparastes-me um corpo” (1). O corpo foi dado a Jesus Cristo exatamente para sofrer. Pelo que a sua carne foi sumamente sensitiva e delicada; sensitiva, de modo que sentia as dores mais vivamente; delicada e tão tenra, que cada golpe no corpo de Jesus abria uma ferida. Numa palavra, o corpo sacrosanto de Jesus foi um corpo formado expressamente para sofrer.
Todas as dores que Jesus Cristo padeceu até o último suspiro, teve-as presentes desde o primeiro instante da sua Incarnação. Viu-as todas e abraçou-as todas de boa vontade, para cumprir a vontade de Deus, que desejava fosse ele sacrificado pela nossa salvação: Tunc dixi: Ecce venio, ut faciam, Deus, voluntatem tuam – “Então disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a vossa vontade” (2). Foi esta oferta, acrescenta o Apóstolo, que nos alcançou a graça divina: por essa vontade é que temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez (3).
II. Quem deseja ver um homem de dores, olhe para Jesus Cristo sobre a cruz. Ei-Lo como se apoia com todo o peso do corpo sobre as chagas de suas mãos e pés trespassados. Cada membro tem o seu sofrimento particular sem algum alivio. É com muita exatidão que as três horas durante as quais Jesus Cristo esteve crucificado se chamam as três horas de agonia do Salvador; porquanto durante aquelas três horas sofreu uma agonia continua e uma dor que aos poucos lhe ia tirando a vida; como finalmente lh’a tirou, visto que Jesus terminou a vida, morrendo de pura dor.
Ó meu Salvador, quem Vos induziu a sacrificar a vida no meio de tantas dores pela nossa salvação? Responde São Paulo: Foi o amor que nos tinha. Sim, foi o amor quem levou Jesus a entregar o corpo aos açoites, a cabeça aos espinhos, as faces aos escarros e às bofetadas. as mãos e os pés à cruz, e finalmente sua vida à morte: Dilexit nos, et tradidit semetipsum pro nobis – “Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (4).
Qual o cristão, ó meu Jesus, que poderá viver sem Vos amar, vendo-Vos feito homem de dores, e morto por ele na cruz? Mas então como é que eu pude viver tantos anos no vosso esquecimento; como é que pude dar tantos desgostos a um Deus que me amou tão excessivamente? Oh! Não ter eu morrido antes e nunca Vos ter ofendido! Ó amor de minha alma, quem me dera morrer por Vós, como Vós morrestes por mim! Amo-Vos, meu Jesus, de todo o coração, e prometo, sempre que disso me lembre, fazer atos de amor. Entre todas as criaturas possíveis me escolhestes para Vos amar; eu também Vos elejo, ó soberano Bem, para Vos amar sobre todos os outros bens.
Meu Senhor, Vós ides adiante com a vossa cruz; não quero mais deixar de Vos seguir com a cruz que me queirais dar a levar. Abraço todas as mortificações e penas que me venham de vossas mãos. Basta que não me priveis da vossa graça, e estou satisfeito. – Maria, minha esperança, obtende-me de Deus a perseverança e a graça de o amar, e nada mais vos peço.
Referências:
(1) Hb 10, 5
(2) Hb 10, 9
(3) Hb 10, 10
(4) Ef 5, 2
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 89-92)
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