Trata-se de uma jovem indiana. Apresentou-se ela um dia em um hospital, onde serviam de enfermeiras algumas religiosas franciscanas, acompanhada de uma velha que havia ainda pouco tempo lá tinha sido tratada com desvelo pelas boas religiosas.
Apenas entraram a moça declarou que não queria mais dali sair. Ouvindo isto a superiora, interrogou-a, e eis o que ela lhe contou:
“Sou filha unica; mal conheci meu pai, porque, quando ele faleceu, era eu ainda pequenina. Bem cedo perdi, pois, a proteção paterna!… Minha mãe adorava-me, e, como era uma pagã muito piedosa, quando ia ao templo, levava-me sempre consigo. Enquanto não tive uso de razão acompanhava-a, mas desde que a minha inteligência se formou, a minha razão se esclareceu, não entrei mais nesse templo, onde se adoravam uns ídolos, que eu não podia adorar.
Quando minha mãe ia assistir às festas, em honra dos seus deuses, eu ficava só, e então, levada por um íntimo sentimento que me dizia que não podia ser aquela a verdadeira religião, entregava-me a profundas cogitações.
Assim vivi até que completei 19 anos. Foi então que nos apareceu um dia à porta de casa uma senhora que eu até ali nunca tinha visto. Apenas chegou, fitou-me com olhar impregnado de ternura e, voltando-se para minha mãe, disse-lhe estas palavras, desaparecendo imediatamente:
— Leva tua filha para o convento
Ouvindo isto, senti repentinamente desejos de lhe obedecer e quis partir para aonde essa senhora me mandava, porém minha mãe opôs-se. Um mês depois, essa senhora voltou e, dirigindo-se novamente a minha mãe, repetiu-lhe as mesmas palavras; mas recebeu uma resposta negativa. Então voltando-se para mim, me disse com voz doce mente melodiosa:
— É preciso que sejas cristã”
Fez depois o sinal da cruz e ensinou-me a fazer também, dizendo em seguida:
“Fica em paz! Graças a este sinal, o demônio não virá nunca junto de ti. Não esqueças também que para entrares no Céu é preciso que sejas cristã”
Neste ponto da narrativa a superiora interrompeu Sittour, que assim se chamava a jovem indiana, e perguntou-lhe se ela sabia de onde vinha essa senhora.
“Nem sei de onde vinha nem para onde ia. Minha mãe também nunca a tinha visto antes das suas repentinas aparições em nossa casa”
A superiora pediu-lhe algumas explicações sobre o rosto e vestuário da desconhecida, ao que Sittour respondeu com entusiasmo:
“Oh! A senhora era linda, muito linda, e trajava um longo vestido branco. A cútis não era negra nem como a de nenhuma indiana, era alva, muito alva, o que mais fazia sobressair o rosado das faces. Os cabelos, semelhantes à cor do cobre, mas muito mais lindos, e as mãos que rivalizavam na alvura com o rosto, eram tão brancas, tão brancas!…”
“E essa senhora teria filhos?” —perguntou-lhe a superiora.
“Não tinha; disse-me que era virgem e desde então eu que jamais tinha desejado casar-me, formei a resolução de me conservar virgem também, e sinto que de dia para dia esta resolução se fortifica e aumenta”
“Perguntaste como se chamava?”
“Perguntei e disse-me que era a Virgem Santa Maria, e logo em seguida partiu”
“Para onde? — perguntou a Superiora. — “Não sei, respondeu Sittour melancólica, e debalde tenho perguntado por ela que ninguém a conhece!”
“Não imagina quanto sofro pela não tornar a ver! Amo-a tanto, tanto!”
E Sittour calou-se, não podendo exprimir o que sentia. Depois de ’uma ligeira pausa continuou:
“Minha mãe faleceu daí a pouco e eu fiquei entregue á solicitude de minha tia e toda a minha família se desvelou em cuidados por mim.
Cobriram-me de jóias, mas eu lembrando-me que a Virgem Santa Maria não as trazia, e querendo imitá-la quanto possível, tirei-as. Minha tia encolerizou-se comigo e eu para acalmar-lhe a cólera, consenti em que me pusessem ao pescoço um colar de pérolas e nada mais.
Mas a luta não terminou aqui. Passado algum tempo resolveram que eu devia casar-me, e, como me negasse a fazê-lo, deram-me a escolher entre o casamento, ou o abandono dos meus. Sofri e sofri muito, mas a minha resolução estava tomada, e não consenti em me casar. Minha tia convencida de que eu não acederia aos seus desejos, pôs-me fora de casa. Esta boa mulher que me conduziu aqui, teve pena de mim e recolheu-me por caridade.
Ela não é cristã, mas tem sido muito boa para mim. Um dia adoeceu e veio para este hospital onde a trataram. Voltando para casa disse-me: — Sittour, vou dar- te uma notícia; sabes quem me tratou no hospital em Coimbatour? Foram virgens cristãs que lá têm um convento.
Ouvindo isto, lembrei-me da ordem que a senhora cristã tinha dado a minha mãe, e, como esta boa velha tinha que voltar para hospital, resolvi-me a vir na companhia dela. Pedi-lhe que m’o consentisse e da melhor vontade anuiu ao meu pedido. Desde que entrei nesta casa, sinto imensa alegria e diz-me o coração:
— Eis aqui o lugar aonde deves viver. Se me perguntais porque tenho esta vontade, não vo-lo poderei dizer, porque eu própria o não sei. Foi por certo o Deus dos cristãos que a fez brotar no meu coração, sem que eu saiba como. Antes de para aqui entrar, sentia-me doente, e agora parece que a saúde me foi restituída repentinamente. Contudo deixai-me confessar-vos que ainda um grande pesar me enluta o coração: É a ideia de que nunca mais verei essa cristã, a Virgem Santa Maria! Ela é tão boa e eu amo-a tanto!
— Tornarás a vê-la, Sittour, prometo-te eu, lhe disse carinhosamente a superiora, se continuares sempre a amá-la muito, e procurares constantemente imitá-la nas suas sublimes virtudes, as quais eu te farei bem conhecer”
A esta tocante narrativa só temos a acrescentar que as boas religiosas, vendo no rosto dessa criança os reflexos de uma alma que o divino Mestre escolheu, a receberam com imenso júbilo na sua comunidade, onde, passado algum tempo, professou. Quando lhe falam de Deus, o seu rosto, que impressiona quantos o vêem, ilumina-se de uma alegria divina!
Mais uma vez não podemos deixar de acreditar que, mesmo entre os pagãos, há almas predestinadas!
- Referência:
(SILVA, Pe. Martinho António Pereira da. Flores a Maria ou Mês de Maio consagrado à Santíssima Virgem Mãe de Deus. Tipografia Lusitana, Braga, 1895, 7.ª ed., p. 63-75)
"E as almas dos fiéis pela misericórdia de Deus descansem em paz! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!"
"Para Cristo,
por Maria,
em súplicas pelas
almas do purgatório".
- Jesus e Maria eu vos amo, salvai almas!
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