Tradução: Gederson Falcometa
A acentuação do desejo de gozar, a corrida muitas vezes febril para o prazer, a procura mais espasmodicamente incitada por diversão, é um dos fenômenos característicos do período pós-guerra. Quando os acontecimentos impõem privações e sacrifícios muito longos a uma geração, esta vinga-se quase infalivelmente, abandonando-se, o mais rapidamente possível, aos seus próprios caprichos e paixões. A forçada e prolongada abstinência dos tempos de guerra, a forte e atroz tensão dos duros anos do furioso furacão sob o qual nos curvamos e nos abatemos, sucedeu em largos setores da sociedade, uma violenta reação, ela foi substituída por um relaxamento na austeridade da vida. Se diria que os homens dos nossos dias tem necessidade de se entorpecer e esquecer o sofrimento que suportaram e, por isso, precipitam-se no turbilhão de prazer que hoje se lhes apresenta num florescimento de formas tão vastas e atraentes que não se recorda igual nos séculos cristãos.
Os edifícios do prazer multiplicam-se todos os dias diante dos nossos olhos, e novos empreendimentos, os quais tem por razão social aquela de divertir o público, surgem por toda parte. Nossas grandes cidades possuem suntuosos locais de divertimento; as aldeias mais modestas têm o seu próprio cinema a bom preço. Estas empresas do prazer aproveitam todos os progressos da ciência e da indústria para aperfeiçoar os seus procedimentos, multiplicar os seus atrativos e alargar o âmbito da esfera da sua ação. Têm ao seu serviço uma publicidade barulhenta e insistente, que descaradamente nos segue não só nas vias públicas, mas também no fundo das nossas casas. Durante o dia, as afixações sugestivas; à noite, sinalizações luminosas, fixas ou móveis. Qual lugar e qual importância tem hoje os divertimentos da vida social e nacional, nos dizem os jornais, não só aqueles esportivos e mundanos, mas também os mais sérios, as quais colunas invade sempre mais pelas diversas rubricas dos divertimentos.
Este fato constitui certamente um grande obstáculo para a séria e sólida reconstrução moral da sociedade. O afirmam concordemente filósofos, políticos e moralistas, e muitas vezes nos seus discursos e nos seus escritos denunciam os perigos a que facilmente conduz esta busca imoderada por prazer e diversão. Mas o fato interessa sobretudo a consciência cristã, cujas funções são de capital importância neste contexto. Cabe a ela traçar diretrizes, proclamar deveres e apontar responsabilidades. Deve dissipar as acusações feitas contra a Igreja Católica, corrigir juízos e avaliações errôneas do ascetismo cristão. A consciência cristã não condena em bloco todos os prazeres, diversões e distrações; mas, por outro lado, não pode ceder um jota dos princípios rigorosos e certos do Evangelho de Cristo e da lei eclesiástica. É seu ofício distinguir os prazeres e diversões bons dos prazeres e diversões maus, entre os inofensivos e os duvidosos; determinar as condições sob as quais o mesmo gênero de diversão pode ser permitido e as condições sob as quais deve ser estritamente proibido; fazer com que os educadores compreendam corretamente a importância da diversão na sua missão e, ao mesmo tempo, alertá-los para as ruínas que os excessos nesta matéria podem causar nos jovens.
***
Desenvolvamos um pouco o argumento com a intenção de realizar, especialmente nas atuais circunstâncias, uma obra que seja vantajoso para os costumes privados e públicos.
A Igreja Católica é frequentemente acusada pelos opositores do Cristianismo de ser contra o prazer, de pregar uma doutrina de tristeza e penitência, que leva ao desprezo pela natureza e pelos seus dons, a uma concepção sombria e pessimista da vida, à sufocação de toda expressão de alegria e serenidade. A acusação é antiga. Os primeiros cristãos já ouviam estas censuras dos pagãos, que só conheciam a sua vida e a sua conduta através de boatos. Lemos no Otávio de Minúcio Félix: «Vós, cristãos, cheios de escrúpulos e ânsias, abstende-vos de prazeres, ainda que honestos; não intervindes a espetáculos, não participais de procissões; os espetáculos públicos acontecem sempre sem que alguém participe… Não ponhais coroas em vossa cabeça, não ungis o corpo com perfume; reservais unguentos para os mortos, mas negais flores até aos sepulcros. Pálidos sempre, trêmulos, dignos de piedade. Em tal forma vós não podeis dizer de viver” (1) .
Mas dos neopagãos modernos mais frequentes e mais altos se fizeram os clamores contra o misticismo e o ascetismo cristão mais violentas as invectivas e mais blasfemos os esquemas . Os idólatras do prazer pegaram em armas “pelos deuses antigos e pelo seu bom ambrósio direito” (Heine); contra “o pálido Cristo com as mãos sangrentas do redentor, o melancólico Galileu, que se deleita no lamento dos esmagados prazeres” (Ibsen); contra “o inimigo da alegria de mãos débeis” (Anatole France); contra esta “maldição da vida” (Nietzsche). «E de novo se lamenta o paraíso da volúpia sepulta com a Hélade, quando os deuses governavam o mundo com o leve dande da cícia» (2).
Na Itália, a rebelião moderna contra o Evangelho, inimigo da vida, é representada e quase resumida por Gabriele D’Annunzio na sua Laus Vitae, que nada mais é do que um hino frenético às alegrias da vida e uma exaltação furiosa da concepção hedonista e egoísta do paganismo em antítese à concepção cristã de renúncia e sacrifício. Para conquistar a vida bela, plena, alegre e vitoriosa é necessário desvinculá-la dos preconceitos morais e religiosos e abandoná-la à liberdade do instinto. A moral, a lei, a religião são compressão, constrangimento ou mutilação. Portanto, contra o grito sublime de Santa Teresa de Ávila, que no seu amor à cruz exclama: Ou sofrer ou morrer, D’Annunzio, no seu frenesi de prazer, exalta e restaura o Dionisíaco Morrer ou alegrar-se, alegrar-se ou morrer. Ele odeia as virtudes do cristianismo que bloqueiam o prazer e obscurecem a nossa existência e venera as quatro forças puras e livres, as quatro divindades reguladoras da vida: vontade, volúpia, orgulho e instinto (3) . Toda a vida é boa, e o poeta quer vivê-la e aproveitá-la inteiramente, sem restrições, sem reservas e sem escrúpulos. « E eu disse: Ó mundo, tu és meu! – Arrancar-te-ei como um pomo, – Espremer-te-ei à minha sede – à minha sede perene ».
Ele propõe, então, que seja tirado de vista o Crucifixo que, com o rosto magro e os olhos coagulados de sangue, oprime a vida, e a Cruz, símbolo de sofrimento e sacrifício, seja jogada no subterrâneo escuro do Capitólio. Ele amaldiçoa a Virgem dolorosa, “vestida de tristeza sombria” e trespassada por espadas e invoca em seu lugar Vénus, a “Deusa que regressa do mar florescente de onde nasceu” (4) .
No mesmo tom, Carducci compõe um hino a Satanás, que representa “felicidade, dignidade, liberdade”, contra Cristo que é “servidão, mortificação e dor”. Para ele, os templos do Deus cristão “excluem o sol”; para ele Jesus Cristo é o “mártir cruzado” que “cruza os homens” e contamina o ar de tristeza (5) . E em seu furor ele chama os seguidores de Cristo, “prole negra da barbárie e do mistério, multidões pálidas”, que devem ir embora, porque “se leva o sol nasce e canta Homero” (6) .
Filósofos, romancistas, artistas, competiam vulgarmente nestes tempos em denegrir a moralidade do Cristianismo com os poetas “louvadores” da vida. O tema é invariável para todos, quase obrigatório: demonstrar que a renúncia ascética e o culto doloroso, praticados pelo cristão, ou secam e matam a vida, produzindo monstros fanáticos e cruéis, ou fazem vítimas, que se arrastam gemendo e lamentando sob uma peso importável; ou produzem fariseus hipócritas e viciosos. E houve uma série de escritos com títulos apetitosos (7), que se esforçaram para nos descrever a melancolia do monaquismo cristão em oposição a embriaguez da celebração mundana girando sob a luz dos candelabros; no luto pelas vítimas dos conventos, os jovens desvaneciam-se em lânguidas dores, com olhares cheios de terror e gritando a rebelião indomável; ao representar-nos frades áridos e velhos, com maçãs do rosto salientes da pele esticada, tipos patológicos de inquisidores, cuja alegria feroz e cruel consiste em fazer-se sofrer e em ver sofrer os outros (8) .
Desta copiosa e fácil literatura, absorvida larga e avidamente especialmente pelos jovens, devemos, infelizmente, repetir em grande parte aquela mentalidade moderna, que ainda hoje acredita, pelo menos praticamente, se não teoricamente, que a moral cristã é inconciliável com a nossa personalidade e com o desejo humano de alegria e felicidade.
Para demonstrar quão injusta é esta mentalidade e como circula um ar de serenidade e uma luz de alegria muito diferente no ambiente da verdadeira vida cristã e ascética, determinemos a posição que o cristianismo assume no problema do prazer.
***
Perante o problema do prazer, o Cristianismo assume a posição mais profundamente humana entre os dois extremos opostos, entre os inimigos do prazer e os idólatras do prazer, entre o Estoicismo e o Hedonismo.
A nota moral estóica e kantiana. Condena todo prazer e toda alegria como fraqueza; exige que se cumpra o próprio dever sem buscar desse algum proveito; quer que amemos o bem despojado de toda atração. Os seus fautores, então, lançam o anátema a tudo o que recreia a alma e dilata o coração, reprime as saídas mais ingénuas e inocentes e confiscam a alegria e o prazer em pleno benefício da racionalidade e do dever.
Eles, diz Janvier, tiram o perfume da flor, o sabor da fruta, os esplendores do firmamento, a beleza da juventude, os ornamentos da criação, a atração da amizade, os impulsos da caridade, e os transformam em um morada sombria., em um lugar inabitável, a casa do homem (9).
Para ser sinceros, devemos observar que esta concepção estóica de prazer é abordada por alguns escritores e oradores católicos de visão curta e de coração seco, assemelhando-se a um espírito jansenista ou puritano. O seu tema preferido, diz Zacchi (10), «é o das desordens do prazer, das desilusões do amor, das desilusões da ciência, da transitoriedade das riquezas, da caducidae da glória, da vaidade das honras e do poder. Pintam a existência com cores tão negras que desagradam um Buda ou aum Schopenhauer, mostram-se tão pacientes na procura dos seus lados obscuros, tão hábeis em ampliar os seus inconvenientes, tão eloquentes na denúncia dos seus enganos, que fazem acreditar que a vida é um inferno horrível, do qual é necessário escapar o mais rápido possível.”
No extremo oposto está a moral epicurista ou hedonista, que considera o prazer como a finalidade suprema da vida, e até faz dele um ídolo ao qual tudo deve ser sacrificado, a própria razão, o próprio dever. A Sagrada Escritura põe na boca dos hedonistas as seguintes palavras, que delineiam as suas aspirações em traços escultóricos: «Vinde, desfrutemos dos bens que há na terra; aproveitemos das criaturas, como da juventude, precipitadamente; enchamo-nos de deliciosos vinhos e perfumes; não deixemos passar nenhuma flor da primavera sem colhê-la; vamos nos enfeitar com rosas antes que murchem; não há prado onde a nossa volúpia não vá se divertir; deixamos vestígios da nossa alegria por toda parte; porque desfrutar, e desfrutar sempre, faz parte do nosso patrimônio e do nosso destino” (11).
Este é o programa dos hedonistas antigos, que Horácio resumiu no carpe diem: agarrar o prazer que está próximo, desfrutar a realidade presente sem se preocupar com o que acontecerá depois (12), enquanto exorta os amigos a afugentar a tristeza com vinho e o canto omne malum vino cantuque levato (13). Bebamos na primavera, cantou ele, porque é a estação da alegria; bebamos no outono, porque é a época da colheita, bebamos no verão para refrescar, bebamos no inverno para aquecer. Catulo, por sua vez, representou para Lésbia o ideal de vida nas orgias de amor (14). Este é também o programa dos “apóstolos do prazer” (15) dos nossos dias, que com Henry Heine clamam: “Deixemos o céu aos monges e aos anjos. Queremos “champanhe”, rosas e danças de ninfas sorridentes” (16), que com Carlo Fourier têm a libertinagem de identificar virtude com prazer sexual. A hora passa rápido: ruit hora. Extraímos de cada instante, de cada momento, o máximo prazer que isso pode nos proporcionar.
Quanto mais tivermos aproveitado, mais teremos vivido. A vida se identifica com o prazer: quem não goza, não vive, está morto.
Entre estas duas concepções opostas e contraditórias do prazer está o ensinamento do cristianismo, que determina claramente o seu justo valor e lhe atribui a sua função e finalidade na vida do homem.
O cristianismo repudia, de acordo com a razão e a verdadeira filosofia, o rigorismo estóico que distorce o homem e o leva à tristeza e ao desespero, o que, não sendo possível na prática, prepara logicamente, mais cedo ou mais tarde, os triunfos de um sensualismo descarado. Aqueles mesmos que o proclamam não obedecem às suas prescrições, e são de facto apanhados no acto de cometer um crime de contradição, uma vez que se permitem as satisfações que proíbem aos outros e impõem aos outros um jugo do qual libertam a si mesmos. Da mesma forma, o Cristianismo repudia aquelas atitudes demasiado severas de alguns católicos em relação ao prazer, que mencionamos acima, e aqueles julgamentos demasiado desencorajadores sobre a vida e as suas misérias. Tais atitudes e princípios não são prejudiciais apenas às almas que permanecem aterrorizadas e indignadas; não só levam a acreditar que a religião católica é patrimônio dos pobres exaltados, de mau gosto e de olhar doente, mas estão em contradição com os princípios doutrinários do próprio cristianismo, em contraste com a vida e os exemplos de seu divino Fundador e dos seus mais ilustres seguidores, e foram sempre reprovados e contestados pela tradição católica (17) .
Qual lugar a verdadeira filosofia atribui ao prazer, à alegria, ao descanso, à diversão no jogo natural da vida humana? Isso nos ensina São Tomás, cuja doutrina neste ponto não perdeu nada de sua precisão e conveniência. Vamos resumi-lo em seus pontos principais. A força do organismo, diz ele, encontra o seu limite nas funções às quais é proporcional. E, portanto, como o trabalho contínuo é impossível, o descanso corporal é essencial. O mesmo acontece com a alma, cuja força, como a do corpo, é limitada nas suas próprias operações. Portanto, quando o homem se dedica a trabalhar além do que é próprio de sua disponibilidade, cansa-se, sobretudo porque as operações da alma se combinam com as do corpo, necessitando a alma sempre do aporte de energias sensíveis e corporais. Conseqüentemente, assim como o cansaço corporal é remediado com o descanso e a quietude do corpo, também o cansaço da alma deve ser remediado com a quietude da alma. Agora a tranquilidade da alma reside no deleite e na diversão. Portanto, se o descanso é necessário ao homem, ele poderá buscar no prazer e no entretenimento o remédio para seu cansaço. E por deleite e diversão se entendem as ações e palavras que podem dar descanso ao espírito e ao corpo. É necessário, portanto, conclui o santo Doutor, alentar às vezes o espírito e o corpo a algum tipo de recreação (18).
A alegria é, portanto, exigida pela natureza do homem; é sua necessidade, seu direito. É igualmente indispensável para a saúde do corpo e da alma; é necessária para a atividade e o desenvolvimento da vida física e intelectual, bem como para a atividade e o desenvolvimento da vida religiosa. Diz-se que a alegria é para o homem o que o sol é para a planta, o que o oxigênio é para o pulmão. Estas expressões não são apenas imagens poéticas, mas representam uma realidade profunda. Na verdade, a alegria é um bálsamo, um perfume da nossa vida, que contribui para a expansão do nosso ser; é uma força subsidiária incomparável que duplica a energia e a capacidade produtiva do homem, que dá novo impulso e ímpeto à sua vontade e às suas ações, que o torna intrépido e lhe permite superar as dificuldades e as contradições da vida. Aristóteles já observou com perspicácia que o prazer não apenas estimula a ação, mas a aperfeiçoa (19). A alegria é para a vida o que a vela é para o navio. Quem sabe manobrar esta vela triunfa sobre os ventos adversos e consegue até torná-los úteis à navegação.
A alegria é um elemento necessário não só para manter o equilíbrio do nosso organismo, que se romperia sob a tensão do trabalho contínuo, mas também para nos permitir lutar contra as causas da decadência moral, ajudando-nos a exercer uma supremacia vitoriosa sobre os nossos sentidos e as nossas paixões, mas é também um elemento indispensável para o desenvolvimento da vida social.
A alegria une os homens e favorece as relações sociais. Na verdade, dispõe-nos para o bem e, ao suprimir a desconfiança e a reserva excessiva, torna as nossas relações com o próximo fáceis e benévolas. Quando estamos felizes, estamos mais dispostos a nos sacrificar pelos nossos irmãos, para fazer a eles o bem. Existe um estreito parentesco entre alegria e bondade; ambas são uma “dilatação” da alma. Uma alma dilatada é facilmente expansiva, e uma alma expansiva e comunicativa é necessariamente benéfica. Infeliz é aquela família em que a tristeza reina continuamente! A educação fica fatalmente comprometida, porque as crianças, como aquelas flores delicadas que dobram as pétalas assim que o sol desaparece no horizonte, fecham-se em si mesmas, ficam tristes e, assim que conseguem escapar da prisão do lar doméstico, vão buscando em outro lugar as distrações, o alívio de que necessitam (20) . Da mesma forma, não se pode esperar a ordem e o desenvolvimento do progresso social num país onde é negado aos cidadãos assistência e diversões adequadas. «Felizes as pessoas, diz a Escritura, que conhecem a alegria. Esse caminha, ó Senhor, à luz do teu rosto, exulta continuamente em seu nome” (21).
A necessidade social da alegria é reconhecida por S. Tomás, que não hesita em condenar como vício o humor taciturno, que não se presta a nenhum alívio e impede o alívio dos outros, e ensina que pode ser um ato meritório de caridade , ir além, em termos de recreação, a medida das próprias necessidades pessoais, para proporcionar aos outros aquele gozo e conforto que podem legitimamente alamejar (22) . Ele recomenda, portanto, a eutrapelia, isto é, aquela virtude especial que tem a função de colocar a ordem da razão no uso de piadas, brincadeiras, gracejos e ditos espirituosos. O humorismo é verdadeiramente uma boa qualidade social de primeira ordem, um verdadeiro bem mesmo na ordem moral. Oh, quanto bem uma pessoa dotada de uma qualidade tão valiosa pode fazer! Com sua conversa amável, brincalhona e jocosa, ele consegue fazer com que os aflitos esqueçam por um instante seus infortúnios, extinguir em seus corações os pensamentos sombrios, sugeridos pela tristeza, e elevá-los a melhores resoluções e esperanças mais felizes para o futuro; o que significa devolver a vida a quem já a perdeu.
Todas estas vantagens individuais e sociais da alegria são magistralmente resumidas pelas seguintes palavras do Padre Ambrósio de Lombez, o defensor da alegria cristã contra o Jansenismo no século. XVIII: «A alegria é útil para a virtude, para os assuntos mundanos, para a sociedade, enfim para tudo… Se tiveres alegria no coração, o teu espírito será mais fecundo e mais alerta, os teus pensamentos mais claros, a tua imaginação será mais vivaz, o seu coração fica mais feliz, a sua disposição de ânimo mais elevada, a sua companhia é mais bem-vinda; a sua saúde mais constante ou certamente menos fraca, a sua piedade mais gentil, a sua virtude mais pronta para o sacrifício” (23).
***
A razão estabelece rigorosamente a verdade filosófica da lei da alegria, que é a lei fundamental de toda a vida. Ora, Deus não contradiz jamais a si mesmo. Por isso, a religião por Ele revelada nunca poderá proibir o que o homem e a sociedade exigem imperiosamente. Os detratores do Cristianismo nunca o conheceram em seu verdadeiro aspecto, ou seja, nunca o implementaram seriamente em suas obras, estudaram-no em sua história, caso contrário compreenderiam melhor de onde vem essa alegria de viver, essa alegria infantil da natureza, aquela alma aberta e serena, típica de cada sociedade sinceramente cristã, de cada período da história, em que a fé floresceu.
A fé cristã que nos proclama filhos de Deus, isto é, da luz e da alegria, não só não condena a alegria, não proíbe o alívio e a alegria dos seus filhos, mas declara fortemente que o cristão, ao contro disso em primeira linha, tem o direito de participar da colheita de alegrias de toda espécie que, apesar de tudo, a terra ainda produz; o cristão tem primeiro direito às alegrias da natureza, da família, da sociedade, das artes, e também aos confortos sensíveis, porque essas coisas foram criadas para ele antes de qualquer outra pessoa e ele sabe desfrutá-las com reconhecimento e honra de Deus.
A moralidade cristã não é sombria e sufocante, mas serena e arejada. Não comprime os pulmões, não interrompe a respiração, não sufoca nenhuma força vital. A moralidade cristã não ignora nenhuma necessidade da natureza humana. Por isso, não exclui o prazer, não exila a alegria sã e fecunda. Na verdade, impõe um fardo, mas um fardo leve; é um jugo, mas um jugo suave (24).
Este relativo otimismo de vida, este espírito de alegria, de compreensão, de sã liberdade, emerge claramente dos ensinamentos da Sagrada Escritura. As páginas deste livro divino, onde se manifesta o pensamento de Deus, abrem aos cristãos um vasto e florescente campo de alegria (25). Já através dos escritos do Antigo Testamento, que era também uma lei de medo em comparação com a nova lei, que é a da divina paternidade e do amor, fluem ricas e prateadas veias de alegria revigorante. Os convites à alegria regressam continuamente sob a pena dos hagiógrafos, nos lábios dos profetas e dos enviados de Deus. O sopro de Deus já se revela em traços de amor misericordioso e de doçura íntima que lhe forma como o verdadeiro espírito interior. Este espírito será sobretudo colocado à plena luz e ao seu lugar soberano por Cristo, nas páginas do seu Evangelho.
Mas este tema, pela sua beleza e pela importância que tem na refutação das acusações dos adversários malévolos ou ignorantes do Cristianismo, merece um desenvolvimento particular que pretendemos apresentar aos nossos leitores num próximo número.
Padre Andrea Oddone, S.I., La Civiltà Cattolica, Anno 99, Vol.:III, 4 Settembre 1948
Notas:
(1) Octavius n. 12. vers. di U. MORICCA. Firenze, Sansoni, 1918.
(2) KEPPLER, Più gioia. Roma, Pustet, 1911 , p. 47.
(3) «Volontà, Vittoria senz’ale in me ferma sempre! Nudritadi rai. Voluttà, calda e ascosa come sotto il pampino l’uva ! Orgoglio uccisor dispietato ! Istinto, fratello del Fato, dio certo nel tempo carnale ». (Laus vitae, vv . 7722-28) .
(4) e la croce del Galileo di rosse chiome gittata sarà nelle oscure favisse del Campidoglio, e finito E quella sua vergine madre, vestita di cupa doglianza solcata di lacrime il volto, trafitta il cuore da spade immote con l’eise deserte si dissolverà come nube dal florido mare onde nacque… » ( Laus Vitae , vv. 8249-61 ).
(5) Odi Barbare, « In una Chiesa gotica ».
(6) Rime nuove, « Ad Alessandro D’Ancona » .
(7) Eis alguns escritos obscenos: Cella delle pazze – Misteri dei Conventi – Monaca di Cracovia – Monaca di Monza – Fra Lucerna – Storia di una capinera – Fisiologia del piacere.
(8) MASSÈ, Quel che vale la vita . Torino, 1923 , p. 22.
(9) Esposizione della Morale Cattolica, « La virtù della temperanza » . P. I.
(10) Il Problema del dolore. Roma, 1918 , p. 177.
(11) Sapienza, II , 6-9 .
(12) Carm. I, XI.
(13) Ep. XIII .
(14) Carm. V.
(15) É assim que a costuma chamar o Bentham, que em seu sistema moral do Utilitarismo considera o prazer como a única força motriz e inspiradora da vida. (Ver FERRETTI. Il Problema morale, Roma, 1909).
(16) Cfr. JOERGENSEN, Il niente della vita, pp. 31 € 44 .
(17) ARENA, La legge cristiana. Roma, Pustet, 1933. p. 175 .
(18) Summa Theologica, I- II , q . 168 , a. 2 .
(19) X Eth. cc. IV. V. Cfr. GARDAIR, Les Passions. Paris , 1892 , p. 139 .
(20) Daí a importância da alegria e da diversão na educação. «Os jovens, escreve DUPANLOUP, precisam de entretenimento; é uma questão de idade, de gosto; é o desejo de sua natureza, e sua saúde o deseja imperiosamente. Os jovens devem brincar, recreiar-se, cansar-se, transformar a abundância da sua energia, a vivacidade do seu carácter, o ardor do seu sangue em prazeres inocentes. Têm funções de livre expansão, de expandir o seu ser, de exercitar os seus órgãos, de desenvolver as suas forças, de desfrutar do ar, do espaço, do sol, do movimento, do barulho da vida” (Sobre a Educação, Vol. III, 1. IV , c.VIII).
(21) Salmo LXXXVIII, 16.
(22) Summa Theologica, II – II , q . 168. a . 4.
(23) Tratado sobre a alegria da alma. Alba, Pia Società di S. Paolo, 1945. Oportunamente, o Padre TITO DA OTTONE O. F. M. Cap. editou uma nova tradução deste valioso volume de seu irmão do século XVIII; na verdade, merece ser lido ainda hoje.
(24) CIVARDI, La vita nella luce del Vangelo. Vicenza, 1939. p. 138 .
(25) ARENA, La legge cristiana, o . c.
https://catolicosribeiraopreto.com/as-diversoes-e-a-consciencia-crista/
Nenhum comentário:
Postar um comentário