sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A barca na tempestade e a Igreja Católica





Motu magnus factus est in mari, ita ut navicula operiretur fluctibus; ipse vero dormiebat – “Levantou-se no mar uma grande tempestade, tal que as ondas cobriam a barca; entretanto ele dormia” (Mt 8, 24)
Sumário. Ao vermos a horrenda tempestade que o inferno suscita contra a religião, dirijamos súplicas fervorosas ao Senhor e temamos perder o grande tesouro da fé. Temamos por nós mesmos, mas não pela Igreja, porque a Barca de São Pedro pode ser coberta pelas ondas, mas não sossobrar. Virá o tempo em que o Senhor, despertado de seu sono místico pelas orações dos justos, mandará aos ventos e ao mar e logo se seguirá uma grande bonança.
I. Narra São Mateus que “subindo Ele (Jesus) para uma barca (no lago de Tiberíades), o seguiram seus discípulos. E eis que se levantou no mar tão grande tempestade, que as ondas cobriam a barca; e entretanto Ele dormia. Então se chegaram a Ele os seus discípulos, e O acordaram, dizendo: Senhor, salvai-nos, que perecemos. E disse-lhes Jesus: Porque temeis, homens de pouca fé? E, erguendo-se, mandou aos ventos e ao mar, e segui-se logo uma grande bonança. Então muito se admiraram os homens, dizendo: “Quem é este, que até os ventos e o mar Lhe obedecem? — venti et maré obediunt ei!”
O santos intérpretes veem naquela barca a figura da Igreja Católica. O inferno, por meio de seus ímpios satélites, lhe tem sempre suscitado, e especialmente hoje em dia lhe suscita as mais tremendas tempestades, que ameaçam submergi-la. E entretanto Jesus está dormindo, quer dizer, simula que não vê as tempestades ou que com elas não se importa. Mas o verdadeiro crente deve ter fé e não temer; porque a barca de Pedro pode, sim, ser coberta pelas ondas, mas nunca poderá sossobrar: portae inferi non praevalebunt (1) – “as portas do inferno não prevalecerão”.
Ah! Não duvidemos: tempo virá em que o Senhor, acordado de seu sono místico, pelas orações dos fiéis, se levantará, mandará aos ventos e ao mar, e se seguirá então um grande bonança. Também os inimigos da Igreja, assombrados pelo modo como Deus a protege, dirão com as multidões do Evangelho: Quis est hic, quia venti et mare obediunt ei? (2) — “Quem é este a quem os ventos e o mar obedecem?”
II. Não temamos pela Igreja, mas temamos por nós mesmos, que talvez, fracos como somos e cercados de tantos perigos, naufraguemos miseravelmente. Por isso roguemos com a Igreja ao Senhor, “que, pelo seu auxílio, possamos vencer os males que por nossos pecados padecemos”(3). Roguemos-Lhe sobretudo, pelos merecimentos de Maria Santíssima, que nos conserve o precioso dom da fé e repitamos muitas vezes: Domine, salva nos, perimus — “Senhor, salvai-nos; perecemos”.
 “Ó meu Redentor, terá por ventura chegado o momento terrível em que não restarão mais do que poucos cristãos animados do espírito de fé? O momento em que, provocada a vossa indignação nos tirareis a vossa proteção? Terão enfim as faltas e a vida criminosa de vossos filhos impelido irrevogavelmente vossa justiça a se vingar? Ó autor e consumador de nossa fé, nó Vos conjuramos, na amargura de nosso coração contrito e humilhado, não permitais que a bela luz da fé se extinga em nós. Lembrai-Vos de vossas antigas misericórdias; lançai um olhar de compaixão sobre a vinha que foi plantada pela vossa destra, regada com o suor dos apóstolos, inundada pelo sangue de milhares de mártires, pelas lágrimas de tantos generosos penitentes e fertilizada pelas orações de tantos confessores e virgens inocentes.”
“Ó divino Mediador, olhai para estas almas fervorosas, que elevando o seu coração a Vós, Vos pedem incessantemente a conservação do mais precioso de todos os tesouros, a verdadeira fé. Diferi, ó Deus justíssimo, o decreto de vossa reprovação, voltai vossos olhos de nossos pecados, fixai-os sobre o Sangue adorável que, derramado sobre a cruz, nos adquiriu a salvação, e intercede quotidianamente por nós sobre nossos altares. Ah! Conservai-nos a verdadeira fé católica romana. Aflijam-nos embora as enfermidades, os pesares nos consumam, acabrunhem-nos as desgraças; mas conservai-nos a santa fé, porque, ricos com este dom precioso, suportaremos de boa mente todas as dores, e nada poderá turbar a nossa felicidade. Ao contrário, sem o soberano tesouro da fé, a nossa desgraça será indizível e imensa.”
“Ó bom Jesus, autor da nossa fé, conservai-a pura; guardai-nos firmemente na barca de Pedro, fiéis e obedientes a seu sucessor, vosso vigário na terra, a fim de que a unidade da santa Igreja seja mantida, a santidade animada, a Sé Apostólica livre e protegida e a Igreja universal dilatada para bem das almas.”
“Ó Jesus, autor de nossa fé, humilhai e convertei os inimigos de vossa Igreja; concedei a todos os reis e príncipes cristãos e a todo o povo fiel a paz e verdadeira unidade; fortificai-nos e conservai-nos todos em vosso santo serviço, a fim de que para Vós vivamos e em Vós também morramos. Ó Jesus, autor de nossa fé, viva eu para Vós e para Vós morra. Assim seja.”(4)
Referências:
(1) Mt 16, 18
(2) Mt 8, 27
(3) Or. Dom. curr.
(4) Oração de São Clemente Maria Hoffbauer. Indulg. de 300 dias, uma vez por dia.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 191-193)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SEJA UM BENFEITOR!