segunda-feira, 2 de março de 2020

AS VIRTUDES E A VIDA INTERIOR A VIRTUDE DA ESPERANÇA


A palavra de Deus é uma luz que no-Lo mostra à nossa inteligência e, assim, estabelece a fé; mas é também uma promessa que nos assegura sua posse e, portanto, estabelece a esperança


1º Natureza da esperança.




A esperança é uma virtude teológica infusa que nos inclina a esperar, com garantia firme, a bem-aventurança eterna do céu e os meios necessários para alcançá-la. Portanto, a esperança tem como objeto o próprio Deus: Deus como fim e Deus como meio.
 Deus como fim: o objeto principal da esperança é a posse eterna de Deus, ou a bem-aventurança eterna do céu.
2º Deus como meio: o objeto secundário da esperança é o conjunto de socorros úteis ou necessários para chegar à posse de Deus, e que podem ser: — de ordem sobrenatural: o perdão de nossos pecados, a graça santificante, as graças atuais para triunfar contra nossos inimigos espirituais, para praticar as virtudes de nosso estado, para tender eficazmente à perfeição; a graça da perseverança final; — ou também favores temporais, na medida em que se relacionam com a bem-aventurança eterna e nos são necessários ou úteis alcançá-la.
2º Fundamento de nossa esperança.
A esperança cristã apoia-se na natureza de Deus, em suas promessas e em seus dons.
 A natureza de Deus. Tem-se confiança em alguém na medida em que pode e quer socorrer. Agora, Deus, por sua natureza: é todo-poderoso, realiza tudo o que quer, e sabe inclusive transformar em meio soberanamente eficaz o que se levanta como obstáculo insuperável; é infinitamente bom, uma vez que “Deus é caridade” (IJo. 4 16), e quer comunicar-nos os bens e felicidade de que Ele mesmo goza.
2º As promessas de Deus. Deus comprometeu sua divina palavra para tudo o que concerne nossa salvação e perfeição: — palavra escrita, pois as promessas divinas constituem o objeto fundamental de toda a Sagrada Escritura; — a palavra confirmada com juramento reiteradas vezes: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão” (Mt. 24 35); — palavra dotada a nossos olhos de todas as garantias imagináveis: Deus a selou com milagres e profecias, fundou a Igreja para guarda-la e transmiti-la, criou o apostolado para pregá-la, o pontificado para interpretá-la, o martírio para confirmá-la.
 Os dons e penhores de Deus. Estes dons e penhores são sobretudo três: Jesus, Maria e a Igreja.
  • JESUS: “Tanto Deus amou o mundo, que deu a seu Filho unigênito, a fim de que todos os que n’Ele creem não pereçam, mas que tenham a vida eterna” (Jo. 3 16). Para ser nosso Salvador, o Verbo se fez carne e habitou entre nós, morreu por nós na cruz, subiu à direita de seu Pai com o fim de ser constituído nosso Advogado e Mediador, e ao mesmo tempo continua misteriosamente entre nós e se dá a cada um de nós, por meio da Eucaristia.
  • MARIA, a que honramos com os títulos de “Mater sanctæ spei” e “Spes mostra”: pois se o Pai nos dá seu Filho como penhor, o Filho por sua vez nos dá como penhor a sua Mãe, tornando-a nossa Mãe: sendo MÃE DE DEUS, está muito próxima de Deus, é todo-poderosa sobre seu Coração e dispõe como quer dos tesouros infinitos de suas graças; e sendo NOSSA MÃE, está muito próxima de nós, é bondade e misericórdia para conosco, e está sempre disposta a dispensar-nos a mancheias as graças divina.
  • A IGREJA: por ela Deus nos assegura as luzes infalíveis da fé, que nos guiam para nossos destinos eternos, e os multíplices e fáceis meios para santificar-nos cada vez mais: Sacramentos, Liturgia, Santa Missa.
3º Qualidades da esperança.
Nossa esperança deve ser inquebrantável, acompanhada de grande desconfiança de nós mesmos, e laboriosa.
1º Incomovível, porque se apoia em Deus. Toda dúvida voluntária seria uma injúria a Deus, à sua bondade, a seu poder, à sua fidelidade; injúria à mediação de Jesus e de Maria.
2º Acompanhada de grande desconfiança de nós mesmos, pela simples razão de que, embora sempre devemos tudo esperar de Deus, também devemos temer tudo de nossa inconstância, de nossa debilidade, de nossas misérias.
3º Laboriosa, ou seja, valorosa e ativa; porque a esperança cristã exige esforços incessantes: — primeiramente, para desprender-se dos gozos terrenos e manter-se no desejo e espera certa dos bens eternos; — e depois, para vencer a preguiça espiritual e empregar todos aqueles meios aos quais Deus prometeu o céu: a oração, os sacramentos, a correspondência às graças divinas, etc.
4º Excelência da esperança.
A esperança é essencial: —  para a salvação, porque é ela que, mediante o desejo e espera segura do céu, mantém nossa alma habitualmente orientada para seu fim sobrenatural; — para a perfeição, porque ao mesmo tempo nos assegura tudo o que pode favorecer nosso progresso espiritual e nossa ação apostólica, a saber, as graças de Deus, nossos esforços de boa vontade, e uma atmosfera de paz e alegria espirituais.
  1. As graças de Deus, primeiro fator de toda atividade sobrenatural. A confiança é a medida das graças de Deus: segundo o dizer dos Santos, Deus é o oceano de todas as graças, e a confiança é a taça que dele bebemos; quanto maior seja, maior será também a abundância de graças que d’Ele obteremos.
  2. Nossos esforços de boa vontade, segundo fator de toda atividade sobrenatural. A perspectiva certa do céu e a segurança de sermos sustentados pela graça de Deus, são um incentivo que nos excita, uma alavanca que multiplica nossas forças, um respaldo que estimula nossa atividade “Inclinei meu coração ao cumprimento de teus mandamentos, pela esperança do galardão” (Sl 118 112).
  3. Uma atmosfera de paz e de alegria sobrenaturais, atmosfera particularmente propícia para o desenvolvimento de nossa vida sobrenatural e para sua irradiação apostólica. Sustentados pela perspectiva do céu e apoiados no socorro de Deus, não nos deixamos entristecer nem abater pelas provas da vida presente, mas, ao contrário, as acolhemos como a mais fecunda semente de alegrias eternas e de colheitas apostólicas.
Por isso dizia Monsenhor Gay que, “se a esperança natural é a alma da vida humana, a esperança sobrenatural, nascida do batismo, é a alma da vida sobrenatural”. E assim, quanto mais perfeita seja nossa esperança, maiores passos nos fará dar na santidade, e maiores obras nos levará a realizar no âmbito do apostolado.
5º Prática da esperança.
A esperança é um dom de Deus: por isso, há que pedir a Deus sem cessar pela oração e os sacramentos que a acrescente em nós. Mas depois há que exercer e desenvolver esta virtude por meio de atos repetidos de esperança inquebrantável na felicidade do céu e nos auxílios necessários que Deus nos outorga para chegar a Ele. Importa muito, sobretudo, fazer atos de esperança e de confiança filial nas seguintes circunstâncias:
 Antes da oração e da recepção dos sacramentos, porque sua eficácia depende do grau de esperança cristã e de confiança filial com que os recebemos.
2º Em presença de atrativo dos gozos e alegrias temporais, que são os adversários natos da esperança cristã, porque tendem a afogar os santos desejos do céu e a colocá-los nos bens desta terra. Há que opor em seguida, a tudo o que o mundo tem de sedutor, a perspectiva certa do céu, e dizer com os Santos: “Eu sou feito para coisas maiores”; “de que me vale isto para a eternidade?”. Deste modo, os gozos temporais, longe de deter-nos, servir-nos-ão de ocasião para tomar um novo impulso para o céu e para Deus, centro e fonte de todo bem.
 Em presença de toda tentação de desânimo, qualquer que seja sua causa: nossos pecados passados, as faltas de momento, tentações violentas de momento, etc.:
  1. Se o desânimo procede de recordação dos pecados passados, devemos apoiar-nos nas promessas de misericórdia de Deus e na eficácia do sacramento da penitência. “Ainda que vossos pecados fossem vermelhos como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve” (Is. 1 18). “Mesmo se reuníssemos em nossa pessoa a rebelião de Lúcifer, a desobediência de Adão, o fratricídio de Caim, a traição de Judas, os escândalos dos heresiarcas e todos os crimes que mancharam a terra antes e depois do dilúvio, ainda seria um dever rigoroso. para nós termos esperança… Se Caim e Judas se condenaram, foi menos por seus crimes do que por haver desesperado de obter perdão” (PADRE CHAMINADE).
  2. Se o desânimo é provocado por uma falta de momento, devemos recordar que o desalento seria mais injurioso a Deus e mais nefasto a nossa alma que a própria falta; que essa falta, seja qual for, desaparece sob o efeito de um ato de penitência e de amor a Deus: “Muitos pecados lhe foram perdoados, porque muito amou” (Lc. 7 47); que esta falta pode inclusive volver-se em proveito de nossa alma se, em lugar de desalento, converte-se em ocasião de um crescimento de humildade, de desconfiança em si mesmo, de confiança em Deus, e de boa vontade em seu serviço. “Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam” (Rm. 8 28), “mesmo os pecados”, acrescentam Santo Agostinho e São Francisco de Sales, dando como exemplo o rei Davi, Maria Madalena e São Pedro.
  3. Se o desânimo procede de tentações violentas e persistentes, ou de grande perigos, ou de grandes provas, ou de deveres que parecem demasiado difíceis, devemos recordar que, embora é certo que nada podemos por nós mesmos, não é menos certo que “tudo podemos n’Aquele que nos fortalece” (Fl. 4 13); e que “tudo é possível para quem se apoia em Deus pela fé e a confiança” (Mc. 22).
4º Ante a perspectiva da morte, devemos aceitá-la quando e como apraza a Deus enviando-a, em um movimento de confiança e abandono filial à sua vontade infinitamente sábia e amável. Desta maneira renderemos a Deus a homenagem mais preciosa a seus olhos, e a mais meritória para nossa alma.

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