Se o culto é digno, as almas encontrarão Deus nele, e o próprio Deus é inclinado à misericórdia.
Fonte: Le Seignadou – Tradução: Dominus Est
O Papa São Pio X escolheu o dia de Santa Cecília, padroeira da música, para publicar o motu proprio Tra le sollicitudini. Neste motu proprio, aquele que acabara de subir ao trono de Pedro tomou medidas para restaurar o canto gregoriano e pôr fim aos abusos que haviam se infiltrado nas igrejas ao longo dos séculos, muitas vezes transformando edifícios sagrados em locais de culto mundano, onde as pessoas iam mais para ouvir alguma diva cantar do que para elevar orações ao céu. “E debalde se espera que para isso desça sobre nós copiosa a bênção do Céu, quando o nosso obséquio ao Altíssimo, em vez de ascender em odor de suavidade, vai pelo contrário repor nas mãos do Senhor os flagelos, com que uma vez o Divino Redentor expulsou do templo os indignos profanadores.”
A música sacra, ensina o Papa, está a serviço da liturgia e deve assumir as suas características principais que são a “santidade” e a “universalidade”. A música é sagrada na medida em que faz eco da liturgia, ou seja, tanto por meio do texto quanto da melodia e pela maneira como é executada, eleva as almas e facilita a sua compreensão e união com os mistérios realizados no altar. Embora o Papa, no início do século XX, estivesse pensando principalmente na música excessivamente exuberante do século XVIII italiano, suas palavras se aplicam bem a todas as piegas melodias que nos chegam dos círculos carismáticos e que, infelizmente, ouvimos cada vez com mais frequência nos casamentos de nossos fiéis. O ressurgimento destas melodias revela uma dupla falha: falta de cultura musical e falta de piedade, demasiadamente propícia ao sentimentalismo.
Para ilustrar esse ponto, nada melhor do que um pequeno exemplo. Em um verão, tive a oportunidade de assistir a um funeral no início da semana e a um casamento no sábado seguinte. Em ambas as cerimônias, fomos brindados com o mesmo repertório: “Anima Christi” de Frisina, “Coroado de estrelas” e a oração do Padre de Foucaud, cujas palavras são maravilhosas, mas que foi musicada de acordo com os códigos do sentimentalismo moderno. Funeral e casamento no mesmo contexto? Alguns diriam que isto é mau humor eclesiástico. Sejamos claros em relação ao sentimentalismo. Felizmente, não é ruim sentir consolação na oração, especialmente ao ouvir música sacra, mas, seguindo o conselho de São Francisco de Sales, sejamos muito cuidadosos em nossa oração e em nossa oração cantada, para “buscar o Deus das consolações, e não as consolações de Deus”.
Sagrada, a música sacra deve também ser universal, isto é, “embora seja permitido a cada nação admitir nas composições religiosas aquelas formas particulares, que em certo modo constituem o caráter específico da sua música própria, estas devem ser de tal maneira subordinadas aos caracteres gerais da música sacra que ninguém doutra nação, ao ouvi-las, sinta uma impressão desagradável.” Esse princípio é claramente oposto à adaptação excessiva da liturgia aos costumes indígenas.
O canto gregoriano, o canto litúrgico da Igreja Católica por excelência, é eminentemente sagrado e universal. É santo e mais apto do que todos os outros a levar as almas à oração. “O único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe diretamente aos fiéis, o qual estudos recentíssimos restituíram à sua integridade e pureza.” E é universal, não apenas no espaço, como testemunhado pela difusão do rito latino em todo o orbe sem a menor dificuldade, apesar das alegações dos proponentes do aggiornamento, mas também no tempo. Santo Agostinho escreveu, em suas Confissões, que ficava profundamente comovido ao ouvir o canto sagrado. Quem, entre nós, nunca se emocionou ao ouvir a multidão cantar o Dies Irae ou, na festa de Pentecostes, quando a Schola entoa o maravilhoso Aleluia? Por meio do canto gregoriano rezamos e vibramos as mesmas melodias dos cristãos dos muitos séculos que nos precederam. Não é preciso recorrer aos carismáticos para experimentar “sensações fortes”. No entanto, o mundo da música sacra não é imutável, e nada impede que novas melodias substituam gradualmente algumas das melodias inaudíveis em nossos cancioneiros paroquiais. No entanto, São Pio X nos lembra que qualquer novidade nessa área deve respeitar o princípio: “uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo.”
Seguramente, às vezes, o canto gregoriano é mal interpretado e, embora nós, nos carmelos, temos sorte, existem paróquias onde as coisas são mais difíceis. Mas isto provém, em parte, do fato dos cristãos estarem desinteressados pela música sacra e, portanto, serem incapazes de interpretá-la corretamente. São Pio X, no entanto, havia dado ordens nesse sentido ao seu clero: “Tenha-se o cuidado de restabelecer, ao menos nas igrejas principais, as antigas Scholae Cantorum, como se há feito já, com ótimo fruto, em muitos lugares. Não é difícil, ao clero zeloso, instituir tais Scholae, mesmo nas igrejas de menor importância, e até encontrará nelas um meio fácil para reunir em volta de si os meninos e os adultos, com proveito para eles e edificação do povo.”
Lefebvre testemunhou que em Donguila, no Gabão, os homens da aldeia, que não assistiam frequentemente à Missa, conheciam de cor os Próprios da Missa da Epifania e cantavam-no com fervor e talento. Levemos, portanto, isso a sério para educar nossos filhos com amor à beleza, culto à música sacra e, acima de tudo, ao canto gregoriano. Não há dúvida de que nossas cerimônias serão ainda mais bonitas e, se o culto é digno, as almas encontrarão Deus nele, e o próprio Deus é inclinado à misericórdia.
Pe. Eric Péron, FSSPX
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