A principal missão de Maria quando veio à terra era a de levantar as almas caídas da divina graça e reconciliá-las com Deus. “Apascenta teus cabritos” (Ct 1,7) — disse- lhe, pois, ao criá-la, o Senhor. Como se sabe, os cabritos são uma conhecida figura dos pecadores, que no vale do juízo serão postos à esquerda, enquanto que as ovelhas figuram os eleitos, cujos lugares serão à direita. Ora, esses cabritos, diz Guilherme de Paris, vos são confiados, ó grande Mãe de Deus. Deveis convertê-los em ovelhas; os que por suas culpas mereceriam ser repelidos para a esquerda, graças à vossa intercessão, sejam colocados à direita. O Senhor revelou a S. Catarina de Sena que sua intenção, ao criar essa sua dileta filha, era a de conquistar por sua doçura os corações dos homens, sobretudo dos pecadores, e atraí-los a si. Note-se, porém, aqui a bela reflexão de Guilherme de Paris sobre a citada passagem dos Cânticos: “Diz o Senhor: Apascenta teus cabritos”. Deus, portanto, encomenda a Maria os cabritos dela. Sim, Maria não salva todos os pecadores, mas tão somente os que a servem e invocam. Quanto aos que vivem no pecado, nem a honram com algum especial obséquio, nem se lhe encomendam para sair do pecado, esses não são cabritos de Maria. No dia do Juízo serão miseravelmente relegados à esquerda com os condenados”.
Oh! quantos pecadores obstinados atrai todos os dias para Deus “esse ímã dos corações”, Maria! assim ela mesma se chama, dizendo a S. Brígida: Semelhante ao ímã que atrai o ferro, a mim atraio os corações mais empedernidos para reconciliá-los com Deus. E tal prodígios verifica-se não raras vezes, mas todos os dias. Por mim posso atestar muitos casos observados em nossas missões. Pecadores houve que se conservaram duros como pedra perante todos os sermões. Mas arrependeram-se, voltaram a Deus, quando se lhes falou da misericórdia de Maria. Conta S. Gregório que o unicórnio é de tanta ferocidade que nenhum caçador consegue prendê-lo. Entretanto, à voz de uma virgem que lhe grite, rende-se, chega- se e sem resistência deixa-se prender.
Sim, quantos pecadores fogem de Deus, mais ferozes que as mesmas feras, mas à voz desta grande Virgem Maria se rendem, e dela se deixam mansamente prender para Deus!
Na opinião de S. João Crisóstomo, Maria foi feita Mãe de Deus também para que, por sua poderosa intercessão e doce misericórdia, se salvem os infelizes que por sua má vida não se poderiam salvar, segundo a justiça divina. Sim, Eádmero garante que Maria, mais por amor dos pecadores que dos justos, foi exaltada a ser Mãe de Deus. Pois o próprio Jesus Cristo protestou que viera chamar não os justos, mas os pecadores. Canta-se, por este motivo, o verso:
Os pecadores não desprezais;
Pois sem eles veríeis jamais
Ser vosso Filho, Filho de Deus.
Guilherme de Paris ousa dizer: Ó Maria, tendes obrigação de ajudar os pecadores, pois todos os vossos dons e as graças todas, toda a vossa grandeza, contida na dignidade da Mãe de Deus, tudo, enfim, — se me é lícito dizê-lo — deveis aos pecadores. Por amor deles dignou-se o Senhor fazer-vos sua Mãe. Ora, se Maria se tornou Mãe de Deus em atenção aos pecadores, como posso eu desesperar do perdão dos meus pecados, por enormes que sejam? Assim argumenta Eádmero.
Na Missa da vigília da Assunção faz-nos a Igreja saber “que a Mãe de Deus foi transferida deste mundo para interceder por nós junto a Deus, no céu, com plena confiança de ser atendida”. Dá S. Justino a Maria o título de árbitra de nossa sorte. O árbitro é mediador entre duas partes em contenda, que lhe entregam a decisão sobre suas exigências. Com isso quer dizer o Santo: Como Jesus é medianeiro junto ao Eterno Pai, assim Maria é nossa medianeira junto a Jesus; a ela entrega o Filho todas as razões que tem contra nós como Juiz. S. André de Creta chama-a penhor e caução de nossas pazes com Deus. Isto significa: Quer Deus reconciliar-se com os pecadores, perdoando- lhes; para que não duvidem desse seu desejo, deu-lhes Maria como um penhor. Por isso saúda-a assim o Santo: Salve, ó reconciliação de Deus com os homens!
(Glórias de Maria – Santo Afonso Maria de Ligório)
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