“O que Deus uniu não separe o homem”, disse Nosso
Senhor. Havendo Deus, em seu plano divino, unido intimamente a Jesus e Maria, o
Coração do Filho e o Coração da Mãe, não os separe ninguém em seu próprio
coração.
Mons. de Ségur (*) | Tradução Sensus fidei: Pelo Coração de Maria deve entender-se tanto o Coração material de seu corpo, como o Coração espiritual de sua alma, e o que poderíamos chamar seu Coração divino, ou seja, o Amor eterno e substancial, o Espírito Santo, do qual a bem-aventurada Virgem esteve total e divinamente repleta.
Sob este tríplice ponto de vista, o Coração imaculado de Maria é todo de Jesus, e tem relações tão íntimas e indissolúveis com o Coração do Filho de Deus, que esta união consuma os dois em uma espécie de unidade; consummati in unum.
O Coração material de Jesus veio todo inteiro do Coração virginal de sua Mãe, a qual apenas proporcionou ao Verbo encarnado a substância de sua humanidade, e por conseguinte a substância do mais nobre e principal órgão desta humanidade adorável, que é o seu Coração. A fé nos ensina que quando o Pai celestial engendrou no tempo, no seio da Virgem, Aquele a quem engendra eternamente nos céus, o Espírito Santo, Espírito de amor e de união, operou este fato inefável mistério da Encarnação do Verbo tomando a mais pura flor do sangue imaculado de Maria para formar dela o corpo adorável de Jesus. Bem, todos sabemos que o sangue e o coração formam uma só coisa no corpo humano: o coração é o princípio, a origem do sangue; difunde-o por todos os membros para vivificá-los; e o sangue volta a ele fielmente como a seu primeiro princípio, para ser novamente difundido pelo corpo. O Coração divino do Menino Jesus foi, pois, todo formado da substância mesma e da mesma substância da Virgem sua Mãe: se é obra do Espírito Santo, é igualmente obra de Maria; e pertence tudo a sua Mãe o mesmo que a seu divino Pai. Se Santo Agostinho disse e pode dizer “A carne de Cristo é a carne de Maria, caro Christi, caro Mariae”, com não menos verdade pode-se dizer: Não por efeito de uma confusão, mas em virtude de uma íntima união, o Coração de Jesus é o Coração de Maria, e o Coração de Maria é o Coração de Jesus.
O Coração espiritual de Maria e o Sagrado Coração de Jesus não fazem igualmente mais do que um só coração como consequência de uma indissolúvel união de espírito, de vontade, de sentimentos e de afetos. Diz-se dos primeiros cristãos que não tinham “mais que um coração e uma alma, cor unum et anima una”[1], com quanto mais razão se pode e deve dizer do Filho único de Maria e desta sua santíssima Mãe?
Se São Bernardo pode dizer que, sendo Jesus sua cabeça, o Coração de Jesus é seu coração, e que assim “não tem verdadeiramente mais do que um coração com Jesus: ego vere cum Jesu cor unum habeo;”[2] com quanto mais verdade não pode dizer a Imaculada Virgem Maria: “O Coração de minha Cabeça e de meu Filho é meu coração, e não tenho com Ele mais do que um mesmo coração?”
Por isto disse um dia à sua querida filha e serva Santa Brígida: “Saibas que amei meu Filho tão ardentemente, e que Ele me amou tão certamente, que Ele e eu éramos um só coração; quasi cor unum ambo fuimus.
“Meu Filho, acrescentou, era verdadeiramente para mim como o meu coração; quando Ele sofria, era como se meu Coração sofresse suas penas e tormentos. Sua dor era a minha dor, e seu Coração era o meu Coração.”
Isto mesmo ensinou por sua vez Nosso Senhor à mesma Santa Brígida, quando aparecendo-lhe um dia e conversando familiarmente com ela, disse-lhe: “Eu que sou Deus e Filho de Deus desde toda a eternidade, fiz-me homem no seio da Virgem, cujo Coração era como meu Coração: e por isto minha Mãe e Eu operamos a salvação do homem, pode-se dizer assim com um mesmo Coração, quase cum uno corde.”
Assim, pois, o Coração da Santíssima Virgem e sua alma imaculada, impecável, perfeitamente santa, humilde, doce e obediente, formava uma só coisa com o Coração e a alma de seu adorável Filho.
Finalmente, deve dizer-se com precisão ainda mais absoluta, que o Coração divino e eterno de Jesus, que é o Espírito de amor e o próprio Amor, era verdadeiramente o Coração divino de Maria e o princípio único de sua vida, de seus pensamentos, de seus afetos e de todos os seus movimentos.
O Espírito Santo, que em nós é o Espírito de Jesus Cristo, Spiritus Christi,[3] sendo-o em plenitude na alma da Santíssima Virgem, e a unia de uma maneira tão perfeita e divina a Jesus, e por Jesus ao Pai celestial, que esta união, que é a graça, a alegria e a coroa da Mãe de Deus, constitui um mistério insondável em cujas santas profundezas somente Deus pode penetrar, e no qual via São Boaventura “algo infinito”.
Assim, pois, o Coração de Maria e o Coração de Jesus são um só no Espírito Santo. Oh! Sejam também um só em nosso amor e em nossas homenagens!
Sim, Jesus é o coração e a vida de sua bem-aventurada Mãe; e lhe comunica sua vida divina com tal superabundância, que é até impossível comparar esta vida de Jesus em Maria à vida de Jesus em seus maiores Santos e em seus mais exaltados Anjos. “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim”.[4]
“Eu vivo, diz-nos desde o alto do céu a Rainha dos Anjos e dos Santos, a Mãe da vida, a celestial Mãe de Deus; eu vivo, mas já não sou eu, é meu Filho, meu Senhor e meu Salvador quem vive em mim. Vive em minha alma, em meu corpo, em todas as potências da minha alma e em todos os sentidos de meu corpo”.
Jesus está inteiramente vivo em Maria, ou seja, tudo o que é comunicável em Jesus, vive em Maria: seu Coração vive em seu Coração, sua alma em sua alma, seu espírito em seu espírito.
“O que Deus uniu não separe o homem”, disse Nosso Senhor.[5] Havendo Deus, em seu plano divino, unido intimamente a Jesus e Maria, o Coração do Filho e o Coração da Mãe, não os separe ninguém em seu próprio coração. Ao adorar o Coração de Jesus, veneremos e bendigamos o Coração de Maria; e ao tributar esse culto de hiperdulia, ou seja, de super veneração ao Imaculado Coração da Mãe de Deus, tributemos ao sacratíssimo Coração de seu Filho o culto de latria, ou seja, de adoração propriamente dita, que lhe devem o céu e a terra. No céu continuaremos eternamente este duplo culto em união dos Anjos e Bem-aventurados. Que alegria será bendizer ali a Jesus e Maria, contemplá-los face a face, sentir nosso coração junto ao seu Coração e embriagar-nos de seu santo amor.
Oh, Coração sacratíssimo de Jesus! Tende piedade de nós! Cor Jesu sacratissimum, miserere nobis!
Oh, Coração imaculado de Maria, rogai por nós! Cor Mariae inmaculatum, ora pro nobis!
Notas
[1] Act. IV, 32 .
[2] Extract. De Passione Domine, super istud Joannis: Ego
sum vitis vera, III.
[3] Rom. VIII, 9.
[4] Galat. II, 20.
[5] Quod Deus conjunxit, homo non separet. (Matth. XIX, v. 6.)
(*) Monsenhor de Ségur. El Sagrado Corazon de Jesus. pp. 169-174. Casa Editorial de Manuel Galindo y Bezares. 1888.
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