terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Como é abundante a remissão do Salvador



Deus, previu ler bem que o primeiro homem abusaria da sua liberdade, e, deixando a graça, perderia a glória; mas não quis tratar com tanto rigor a natureza humana como tinha tratado a angélica. Era da natureza humana que ele desejava tirar uma porção feliz para uni-lá à sua divindade. Conheceu que era uma natureza fraca, um ar que vem e não volta, isto é, que se dissipa ao caminhar.

Levou em conta a surpresa que o maligno e perverso Satanás fez ao primeiro homem e à grandeza da tentação que o obrigou a cair. Viu que toda raça humana morreria pela culpa de um só e por estas razões olhou com piedade para nossa natureza e resolveu perdoar-lhe. O demônio tinha-nos roubado ao nosso natural Senhor, e embora não tivesse nenhum direito sobre nós, no entanto Jesus Cristo comprou-nos e remiu o que era seu, afim de sermos mais seus, se mais seus podíamos ser. São Paulo diz: "Fostes comprados por alto preço, e que preço?" Remiu-nos com o sangue do Cordeiro; Deus não perdoou a seu próprio Filho; mas entregou-o à morte por todos nós. Para que a doçura da sua misericórdia fosse adornada com a beleza da sua justiça, deliberou salvar o homem por meio da redenção rigorosa, a qual, não se podendo efetuar senão por seu Filho, resolveu remir os homens, não só por uma das suas ações amorosas, que era o bastante para remir milhões de mundos, mas ainda pelas inumeráveis ações amorosas e paixões dolorosas que faria e sofreria até a morte e morte na cruz, à qual o destinou, querendo que assim se tornasse companheiro das nossas misérias, para nos  tornar companheiros da sua glória, mostrando dessa forma as riquezas de sua bondade por esta redenção copiosa, abundante, superabundante, magnífica e excessiva, a qual nos conquistou todas as graças e meios necessários para chegarmos à glória; de maneira que ninguém se pode queixar de que lhe tivesse faltado a misericórdia divina.

 A menor gota de sangue de Nosso Senhor valia infinitamente mais do que nós, e contudo, para nos tornar mais seus, quis dá-lo todo. Quem duvidará da multiplicidade dos meios de Salvação tendo um grande Salvador, em consideração do qual fomos criados e pelos merecimentos do qual fomos remidos? Porque morreu por todos, porque todos estavam mortos e a sua misericórdia foi mais salutar para remir a raça humana, do que a miséria de Adão foi venenosa para a perder. E o pecado de Adão não só não venceu a bondade divina, que até a excitou e provocou pois que se avigorou pela presença do seu adversário, e reunindo as forças para vencer, fez abundar a graça onde superabundava a culpa; da mesma maneira que a Santa Igreja, por um excesso de admiração, exclama, na véspera da Páscoa: "O pecado de Adão! na verdade necessário, que foi apagado pela morte de Jesus Cristo! oh! culpa ditosa, que mereceu ter um tal Redentor"! Certamente poderíamos dizer como outrora: "Estaríamos perdidos se nós não perdêssemos; isto é, aproveitou-nos a nossa perda, pois que com efeito a natureza humana recebeu maiores graças pela redenção do seu Salvador do que teria recebido pela inocência de Adão, se nunca tivesse pecado". 

Embora a Providência divina tivesse deixado no homem grandes sinais de sua severidade entre as graças da sua misericórdia como por exemplo: a necessidade de morrer, as doenças, os trabalhos, a rebelião da sensualidade, parece que o favor celeste, vencendo tudo isto, tem gosto em converter todas estas misérias para maior proveito dos que o amam, fazendo nascer a paciência dos trabalhos, o desprezo do mundo, a necessidade de morrer e mil vitórias da concupiscência, e, assim como a flor do arco iris, tocando-a o espinho do aspálato, se torna mais odorífera do que o lírio, assim a redenção de Nosso Senhor, tocando as nossas misérias, as torna mais úteis e amáveis do que a inocência original. "Os anjos têm mais alegria no Céu, diz o Salvador, por um pecador penitente do que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência". 

E, da mesma maneira, o estado da redenção vale cem vezes mais  do que o da inocência. Com efeito, pela aspersão do sangue de Nosso Senhor, praticado com o híssope  da cruz, fomos remidos com uma candura incomparavelmente mais excelente do que a neve da inocência, saindo como Naamam, do rio da salvação tão puros e limpos como se nunca nos tivéssemos manchado, para que a divina Majestade não fosse "vencida pelo mal, mas o vencesse pelo bem; porque a sua misericórdia, como um óleo sagrado, sobrenada ao juízo, e para que as suas misericórdias ultrapassem as suas obras".

Pensamentos Consoladores

São Francisco de Sales

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