Curou Deus a alguns de repente, sem lhes deixar vestígios das enfermidades passadas, como o fez a respeito de Madalena, a qual, em um instante, de um enxurro de água corrompida, foi transformada em fonte de água perfeita e límpida, e nunca mais, desde aquele momento, foi turbada. Mas também este mesmo Deus deixou em muitos de seus caros discípulos não poucos vestígios de más inclinações algum tempo depois de convertidos, para a maior utilidade deles, como testemunha São Pedro, o qual, depois da sua primeira vocação, muitas vezes tropeçou em imperfeições e até uma vez caiu de todo e tão miseravelmente, quando negou o seu divino Mestre.
Diz Salomão que é insolente uma escrava que de súbito se faz senhora de casa (Prov. 30,23). Se a alma, que por muito tempo foi escrava das paixões, se tornasse de um momento para outro perfeita senhora de si mesma, correria o perigo de se tornar orgulhosa e vaidosa. Há de ser pouco a pouco, palmo a palmo, que devemos adquirir este domínio, em cuja conquista santos e santas gastaram muitas dezenas de anos.
Ficai em paz e suportai com paciência as vossas pequenas misérias. Sois de Deus sem reserva; Ele vos conduzirá bem. Se vos não livra tão depressa de vossas imperfeições, é para o fazer com mais utilidade para vós e exercitar-vos por mais tempo na humildade, a fim de que fique esta querida virtude bem arraigada em vossa alma.
Sabeis que já muitas vezes vos disse que devíeis ser igualmente afeiçoados à prática da fidelidade para com Deus e à humildade; da fidelidade, para renovardes as resoluções de servir à bondade divina tantas vezes quantas as violardes, apesar de toda a vossa cautela em não as transgredir; da humildade, para, no caso de as violardes, reconhecerdes a vossa miséria e abjeção.
Aqueles que aspiram a ter um amor puro a Deus não tem tanta necessidade da paciência para com os outros quanto consigo mesmos. Para sermos perfeitos, precisamos suportar as nossas próprias imperfeições. Eu digo suportar com paciência e não amar nem acariciar. Desde sentimento é ue se alimenta a humildade.
São Francisco de Sales em A Arte de aproveitar as próprias faltas.
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