quinta-feira, 31 de outubro de 2024

SATANÁS, ONDE TE ESCONDES?

 Demónio – Wikipédia, a enciclopédia livre

Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX

No alvorecer do dia 13 de outubro de 1884, enquanto fazia a sua ação de graças, Leão XIII viu o diabo sendo desacorrentado no nosso mundo contemporâneo. Como age hoje em dia o anjo caído para atrair as almas? É o que veremos no presente artigo.

Por modo de ausência

Um espião invisível é bem mais poderoso do que um inimigo descoberto. Eis a razão do demônio gostar de ser esquecido: quanto menos se fala dele, menos é notado e denunciado, tornando-se mais poderoso e satisfeito. Pois, desse modo, os homens não se previnem.

É o que ocorreu no fim do século XX. O diabo se esconde por detrás de todos os erros que promovem o homem. Poderíamos pensar, inicialmente, no ceticismo. Realmente, o racionalismo e, sobretudo, o cientificismo, são engenhosos esconderijos para o príncipe deste mundo. O cientismo particularmente, que busca demonstrar tudo por meio da ciência moderna postulando a inutilidade de Deus, o poderio do homem e, portanto, a ausência do demônio. Auguste Comte o formulou muito bem, ele, que chegou a inventar a religião cientista, na qual o gênero humano seria o sacerdote da natureza.

Infelizmente, a igreja conciliar tomou a frente desse mecanismo diabólico. O ecumenismo, cujo fundamento é a relativização de toda verdade, tem por sucedâneo uma tamanha tolerância que tudo se torna verdadeiro desde que os homens assim o pretendam. O mal não existe mais, as forças diabólicas não têm razão de ser. Como disse recentemente o Papa Francisco a propósito do vírus universal: o homem agrediu a natureza e ela lhe deu o troco com esta doença.

Exit Deus da vida do homem. Exit portanto o demônio, que reina melhor quanto mais escondido está.

Por modo de sugestão

O fato de ser ignorado não significa que ele não age, muito ao contrário. E seu modo de agir é velho como o mundo. Desde Eva e até o final dos tempos, a estratégia é a mesma. A tentação passa pelos sentidos exteriores, penetra a imaginação para excitá-la antes de se propagar mais profundamente na alma, com o intuito de arrancar da vontade o consentimento.

O ponto de partida não é difícil de se conhecer: são as três concupiscências. O amor dos prazeres sensuais e grosseiros, a posse imoderada de riquezas e bens desse mundo, o desejo de poder e o orgulho, tais são, infelizmente, as tristes engrenagens de toda alma humana manchada pelo pecado original. Não há nada de novo, a tática é sempre a mesma, mas funciona.

No tocante ao católico que combate e faz sacrifícios, o demônio percebe logo que as sugestões grosseiras tem menos influência. É por isso que, antes de tentá-lo no sentidos, obceca a imaginação ao ponto de perturbar a sua inteligência. Ele quer que o vejamos por toda parte, que sua presença assombre a tal ponto a alma que o pobre católico creia que atua de modo universal em todos os acontecimentos da sua vida. Essa obsessão engendra a necessidade impulsiva de falar do diabo a todo tempo, chegando ao ponto de pedir um exorcismo. Sugestão terrível e diabólica que nos faz pensar no gato que brinca sem parar com uma bola de meia.

Por modo de temor

Para além da sugestão a se mostrar por toda parte, o diabo concentra a alma do infeliz homem. Então, a alma vive no temor, enxerga pecado em tudo, dá à vida humana um aspecto pessimista e sombrio, em seguida engendra o descorajamento interior.

Nisso, o demônio é fortíssimo. Ele insiste em uma verdade essencial: é preciso combater o pecado e não abandonar a nossa alma no mal. Mas, insiste a tal ponto nessa verdade, que nos faz esquecer o correlativo necessário e redentor: a luta contra o pecado passa primeiro pelo amor de Deus. Assim, a alma humana, ao invés de se entregar à confiança e à esperança teologal, fecha-se num temor desmedido do demônio.

O mundo moderno que tanto escraviza os homens estimula o medo nas almas humanas. O demônio se aproveita desse temor onipotente, aguça-o para afastar as almas de Deus. O medo do demônio domina a alma e faz com que se dê ao demônio demasiada importância. Quanto mais nos ocupamos dele e nos concentramos na sua presença, mais nos esquecemos de que a alma é feita para Deus e que, pela graça divina, ela está nas mãos do seu Criador.

Por modo divino

Finalmente, excetuando-se os católicos que conhecem o demônio, obcecam-se por ele e caem nas suas redes, há ainda outros homens que o conhecem bem. Infelizmente, não são católicos. Estes votam-lhe um verdadeiro culto.

Essa é a vitória mais terrível do demônio, na qual toma o lugar de Deus para ser honrado. Pense-se nos sacrifícios humanos, bem mais numerosos do que parece. Pensem nas missas negras e comércios de crianças para cumprir esses ritos. Pense-se finalmente como os príncipes da igreja conciliar se entregam agora ao jogo do globalismo e da maçonaria, tornando o príncipe desse mundo mestre do universo inteiro.

Um brilho sublime de esperança

Em vista desse quadro, haveria motivo para se desesperar ou, ao menos, para desanimar. Mas isso seria esquecer duas coisas:

A primeira, que nós não pertencemos àquela raça de fariseus que procuravam a felicidade aqui embaixo. Os sequazes de Satanás podem fazer o que querem, mas não podem nos fechar o Céu. Antes, é o Céu que se fecha para eles.

A segunda é a palavra de Nosso Senhor aos seus apóstolos: “tende confiança, eu venci o mundo”, subentende-se aqui o império de Satanás. E acrescenta: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.

Se Nosso Senhor está conosco, quem será contra nós?

(Tradução: Permanência. Le Chardonnet, nov/2020)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

“MEU DEUS, EU ESPERO…”

 

Nossos filhos podem se sentirem esmagados pela quantidade de informações deprimentes que matam toda a Esperança. Como podemos fazer crescer neles essa bela virtude?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

A água escorre pela testa da pequena Éléonore, enquanto o padre pronuncia as palavras sacramentais que a tornam filha do bom Deus. A Santíssima Trindade habita agora na alma dessa linda menina que, depois das emoções da cerimônia, retomou o seu doce sono! Com a sua vida, Deus deu-lhe também três grandes virtudes, as virtudes teologais: a Fé, a Esperança e a Caridade. Se a Fé e a Caridade nos são bem familiares, a Esperança é, muitas vezes, esquecida. No entanto, devemos nos preparar para o crescimento de Deus através dos atos da nossa vida diária.

O ato de Esperança, que as crianças vão aprendendo à medida que crescem e que é bom repetir todos os dias, ensina-nos isto: esperamos de Deus, com uma Esperança firme, o Céu e a sua graça nessa terra para alcançá-Lo. É essa a atitude de uma criança: confiar em Deus para ir até ele e receber dele o que necessitamos. Para a criança educada numa família cristã autêntica, essa virtude será mais facilmente compreendida: não se apoia no pai e na mãe para progredir em todos os domínios e assim agradar-lhes? Não precisa deles para tudo?

Os obstáculos

À medida que as crianças crescem, há dois defeitos que se opõem ao desenvolvimento da Esperança. Alguns tenderão a ser demasiado confiantes. É essencial que as crianças tomem gradualmente a iniciativa, mas na dependência de Deus e dos seus pais. Sem essa disposição, reina a presunção e até a preguiça. “Por que aprender essa lição? Eu já a conheço e já a compreendi! Não preciso recitá-la.” Por vezes, a criança terá de experimentar um pouco para compreender o seu erro com os pais: “Sabe, Tomás, você acreditou que poderia fazer isso sozinho e não conseguiu. Agora, você terá que lembrar que precisa da ajuda do papai: ele está aqui para isso!”

Outras crianças serão tentadas pelo desânimo: “Não sirvo para nada, não vou conseguir nada”. Queridas mães, o vosso sorriso e a vossa bondade serão o primeiro remédio para esse terrível mal que pode causar tantos estragos. O vosso encorajamento apoiará os primeiros esforços do vosso filho, os seus primeiros passos e progressos. As palavras usadas e a expressão do seu rosto contribuirão muito para isso: as crianças são muito sensíveis, mesmo aos nove ou dez anos. Depois de uma observação, não se esqueça de pôr um pouco de unguento no coração dorido: “Tudo está acabado, esquecido e abandonado no coração de Jesus. Vamos pedir-Lhe ajuda, e tenho a certeza de que farás melhor da próxima vez.”

O mundo de hoje é duro, não faltam dificuldades os meios de comunicação social estão empenhados em transmitir todas a escuridão desse mundo sem Deus e, assim, matar o espírito cristão.  Cuidemos para que as preocupações, os problemas políticos ou econômicos, as desavenças entre os pais, as críticas, não invadam o ambiente dos nossos lares. É claro que não devemos viver de ilusões, mas os nossos filhos podem se sentirem esmagados por essa quantidade de informações deprimentes que matam toda a Esperança. Pouco a pouco, com a ajuda dos pais, aprenderão a olhar para isso com espírito cristão que considera menos o número, a quantidade do desastre ou todas as outras circunstâncias em que habitualmente nos deixamos impressionar, do que a ajuda infalível de Deus à sua criatura. A beleza e a grandeza de uma alma em estado de graça, que ama o seu Criador e Pai e quer servi-Lo, não se comparam a todos os problemas desse mundo passageiro.

Felicidade eterna

A virtude da Esperança faz-nos desejar o Céu, bem misterioso para nós que somos apenas peregrinos nessa terra e a quem ainda não foi dada a oportunidade de contemplar essa felicidade. Como então apresentar o Céu a Éléonore e a fazemos ansiar por ele? Se desde cedo a sua mãe lhe ensinou a amar Jesus, a agradá-lo, o paraíso será o lugar onde encontraremos Jesus para estar sempre com ele. “Com Jesus, és sempre feliz; já não podes sofrer: só podes amá-Lo.” Essa alegria pode ser comparada àquela vivida quando se encontra o pai, depois de uma ausência mais ou menos longa. No fundo, o Céu e a vida cristã são sobretudo uma questão de amor, e os vossos pequeninos, queridas mães, estão muito abertos a isso, por vezes até mais do que poderíamos imaginar! Por ocasião de uma morte na família, a questão da vida após a morte também pode ser levantada. “O vovô nunca mais virá sentar-se à lareira! Mas o seu lugar é melhor no Céu do que na terra: ele só nos deixou para ir ter com Deus”, diz o poeta Louis Tournier, com toda a razão.

Se a Esperança florescer nas nossas famílias, nesses tempos conturbados, terreno fértil para essa bela virtude, os vossos pequenos tornar-se-ão cristãos zelosos, apóstolos felizes e empreendedores. Como não o ser, quando sabemos que o nosso Pai do Céu tudo sabe, tudo pode e nos ama?

Irmãs da FSSPX

Extraído da Revista Fideliter n° 247 – janeiro-fevereiro de 2019

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

COM QUE FREQUÊNCIA DEVO ME CONFESSAR?

 

Qual é a matéria do sacramento da Confissão?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Em consonância com a lei divina, a Igreja enfatiza a necessidade de confessar todo e cada pecado mortal de que se lembre após exame diligente e adequado, com todas as circunstâncias que podem alterar a espécie do pecado. Nos tempos presentes, como consequência da obrigação de receber comunhão ao menos uma vez por ano, temos, também, por preceito eclesiástico, a obrigação grave de confessar, ao menos uma vez por ano, quaisquer pecados mortais ainda não acusados em confissão válida.

A Igreja não exige nada mais — nem uma frequência maior, nem a confissão dos pecados veniais — mas tanto a Igreja quanto todos os autores espirituais aconselham e encorajam-nos a duas coisas adicionais. Em primeiro lugar, buscar a absolvição dos nossos pecados mortais o quanto antes e tão frequentemente quanto preciso.

Em segundo lugar, também somos aconselhados e encorajados à confissão devocional mesmo de nossos pecados veniais. Como o Concílio de Trento estabelece:

“Pecados veniais, que não nos privam da graça de Deus, e nos quais caímos com maior frequência, podem retamente e com benefício ser acusados na confissão, como torna clara a prática das pessoas devotas. [Também] podem não ser declarados sem [que configure] qualquer falta, e podem ser expiados de várias outras formas”.

A prática piedosa da confissão frequente assegura um progresso mais rápido no caminho da perfeição. Por exigir um exame frequente da consciência e o conhecimento de nossas fraquezas, aumenta o autoconhecimento e o crescimento na humildade; “nossos maus hábitos são corrigidos, a negligência e a tibieza encontram resistência, a consciência é purificada, a vontade fortalecida, um salutar autocontrole é atingido, e a graça é aumentada em razão do sacramento em si” (Pio XII, Mystici Corporis).

Se para os religiosos a lei canônica requer a confissão semanal, e para os sacerdotes, ao menos a cada duas semanas, para leigos, confissão “frequente” geralmente significa mensal, de acordo com as possibilidades e as necessidades dos indivíduos.

Para avançar na perfeição espiritual, a confissão frequente, ordinariamente, exige um confessor regular. Ele será a pessoa mais qualificada para sugerir a frequência adequada ao desenvolvimento espiritual e às possibilidades físicas e morais do penitente.


FONTE:

https://catolicosribeiraopreto.com/

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

REZAR O TERÇO EM FAMÍLIA

 

Respostas a duas objeções comuns: Por que repetir a Ave Maria 50 vezes? E é realmente possível recitar e meditar o Terço ao mesmo tempo?

Fonte: Lou Pescadou n° 247 – Tradução: Dominus Est

Um dia, uma jovem chegou a Le Pointet para um Retiro de Santo Inácio. Ela não era uma de nossas fiéis. Era, como se diz, uma conciliar. No entanto, ela seguiu os exercícios espirituais corretamente. Ela disse que ficou “encantada” com esses cinco dias. Mas o que a levou ao Retiro? Talvez… o terço: ela explicou aos pregadores que o recita todos os dias há dez anos! Ao iniciarmos o mês do Terço, estejamos cada vez mais conscientes do poder dessa oração e decidamos ser fiéis a ela. Para isso, precisamos responder a duas objeções clássicas ao Terço: por que repetir a Ave Maria 50 vezes? E podemos realmente recitar e meditar o Terço ao mesmo tempo?

Quanto à primeira objeção, é preciso dizer que a qualidade da oração é melhor do que a quantidade.  São Luís-Maria Grignion de Montfort, na sua obra O Admirável Segredo do Terço, escreve: “Uma única Ave-Maria bem rezada tem maior mérito do que cento e cinquenta mal rezadas. (…) Muitos rezam o terço, mas por que tão poucos corrigem os seus pecados e avançam na virtude, senão porque não rezam estas orações adequadamente.” Mas este método de oração, que pode até nos fazer repetir a Ave Maria 153 vezes, vem da Santíssima Virgem Maria, que inspirou a São Domingos. E há uma boa razão para essas repetições.

Se pensarmos bem, perceberemos que a vida é feita de repetições. Todos os dias fazemos as mesmas ações, as mesmas saudações com as mesmas fórmulas. Há ainda a mesma repetição de batimentos cardíacos nos seres humanos, sem a qual não haveria vida… Portanto, é precisamente a repetição das Ave-Marias que dá vida e atmosfera à oração. Esta repetição criará um hábito, uma facilidade, um ritmo também, que nos permitirá nos elevar em direção a Deus. Assim, naturalmente, depois de estarmos atentos às palavras durante um certo tempo, estaremos atentos aos mistérios, depois a Deus. Santo Tomás de Aquino fala destes três graus da oração: atenção às palavras, depois aos mistérios, finalmente a Deus. É como um violino de três cordas: você começa usando apenas uma corda. Mas o ideal é tocar as três ao mesmo tempo. Chegamos lá com o tempo. É isso que a repetição das Ave-Marias traz: um meio de unir-se mais intimamente a Deus por pelo menos 20 minutos.

Do que acabamos de dizer segue-se a resposta à segunda objeção: sim, podemos recitar e meditar ao mesmo tempo. Graças à repetição, recitamos com facilidade, sem tensão, e assim ficamos muito mais livres internamente para meditar. Sobre o que meditar? A oração da Missa de Nossa Senhora do Terço nos diz: a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Filho único de Deus. E acrescenta: imitar estes mistérios e obter o que eles prometem. São Luís-Maria Grignion de Montfort escreve ainda: “Os mistérios do Terço são obras de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem; estão repletos de maravilhas, de perfeição e de instruções profundas e sublimes, que o Espírito Santo revela às almas humildes e simples que os honram.”

Portanto, não tenhamos medo de repetir essas Ave-Marias. Sejamos fiéis na recitação e meditação do nosso terço. E procuremos, como aconselha o Padre de Montfort, recitá-lo em comum, em família e até mesmo em dois coros. “De todas as maneiras de recitar o Terço, fazê-lo publicamente em dois coros é o caminho mais glorioso para Deus, o mais salutar para a alma, o mais terrível para o demônio. Deus ama as assembleias. Nosso Senhor aconselhou expressamente essa prática aos seus apóstolos e discípulos, e prometeu-lhes que sempre que dois ou três se reunissem em seu nome, ele seria encontrado no meio deles. Que alegria ter Jesus Cristo em sua companhia! Para possuí-lo basta reunir-se para rezar o terço.” Note que Nosso Senhor fala de dois ou três reunidos em (seu) nome (Mt 18,20). É, portanto, a menor sociedade possível, mas deve ser unida em nome de Jesus Cristo. Nesta condição, ele promete estar presente no meio dela, e a sua presença tornará a oração irresistível diante de Deus. É por isso que, nos primeiros tempos da Igreja, os cristãos reuniam-se com tanta frequencia para rezar apesar das ameaças.

O Padre de Montfort enumera várias vantagens de rezar em dois coros. Primeiro, a mente fica mais atenta. Em segundo lugar, quando rezamos em comum, apenas uma voz se eleva. Assim, se alguém em particular não reza tão bem, outro membro da assembleia que reza melhor compensa a sua deficiência. O santo chega mesmo a dizer: uma pessoa que reza seu terço sozinha tem o mérito de apenas um terço; se o reza com trinta pessoas, tem o mérito de trinta terços!  Por fim, o Padre de Montfort salienta que a Igreja, guiada pelo Espírito Santofez uso de orações públicas em todos os momentos de calamidade.  E cita o exemplo de Gregório XIII que declara, na sua Bula, que devemos acreditar piamente que as orações públicas e as procissões dos confrades do Santo Terço contribuíram muito para obter de Deus a grande vitória de Lepanto sobre os turcos, no primeiro domingo de outubro de 1571.

Rezemos o terço juntos, em família. O Papa Pio XII tem algumas reflexões muito boas sobre o assunto. Ele disse aos pregadores da Quaresma em 1943: “Despertai nas almas dos fiéis o sentimento do antigo e piedoso costume da oração familiar em comum. (…) E tal como a vida pública, cheia de distrações e armadilhas, muitas vezes em vez de promover os bens mais preciosos da família – a fidelidade conjugal, a fé, a virtude e a inocência dos filhos – os coloca em perigo, a oração no lar doméstico é hoje quase mais necessário do que em tempos passados.” São Pio X escreveu em seu testamento: “Se quereis que a paz reine em vossas famílias e em seu país, rezem o terço todos os dias com seus entes queridos”.

Um conselho: ao rezar em família, devemos levar em conta a capacidade das crianças. O Papa Pio XII, no mesmo discurso de 1943, disse: “Que a oração seja feita de tal maneira que as crianças não se sintam cansadas ou repugnadas com ela, mas antes se sintam atraídas a intensificá-la.” Podemos, portanto, com crianças pequenas, começar por dizer uma ou duas dezenas em comum e depois aumentar com o tempo.

Por fim, é preciso dizer uma palavra sobre as distrações que podem nos dominar durante o terço. O Padre de Montfort faz distinção entre distrações voluntárias e involuntárias.  As primeiras constituem uma grande irreverência, “que tornaria infrutíferos os nossos terços e nos encheria de pecados. Como ousamos pedir a Deus que nos ouça se não ouvimos a nós mesmos?” As distrações involuntárias são quase inevitáveis, diz o santo. Mas devemos usar todos os meios para reduzi-las e fixar a nossa imaginação. Devemos lembrar-nos de nos colocar na presença de Deus, de acreditar que Deus e a sua santa Mãe olham para nós. Podemos imaginar Nosso Senhor e Sua Mãe Santíssima no mistério que honramos. O santo ainda aconselha ter intenções de oração, e porque não a cada dezena. E diz que se tivermos muitas distrações, mas nos esforçarmos, nosso terço será ainda mais fecundo. “O vosso terço é ainda melhor por ser mais meritório; é ainda mais meritório por ser mais difícil.”

Duas palavras da Santíssima Virgem nos convencerão a rezar nosso terço, sozinhos ou com nossa família. Em Fátima, no dia 13 de outubro de 1917, ela disse: “Eu sou Nossa Senhora do Terço. Recitem o terço todos os dias.” Cinco séculos antes, ela havia dito ao Beato Alain de La Roche: “Quem perseverar na recitação do meu Terço receberá todas as graças que pedir.”

Pe. Vincent Grave, FSSPX

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

NADA PODEMOS SEM CRISTO

Sermão proferido pelo Revmo. Pe. Carlos Mestre, no Priorado S. Pio X de Lisboa, no XXII Domingo depois de Pentecostes.


terça-feira, 22 de outubro de 2024

A FORMAÇÃO DA VONTADE: O BOM CARÁTER

 

Resultado de imagem para MOÇO CATÓLICOO que é o bom caráter?

“É esta disposição natural e adquirida, feita de afabilidade, de doçura e de complacência, que impõe a lei de nunca ofender pessoa alguma voluntariamente, que, depois de haver enfraquecido as tendências más da natureza, dá a preponderância às inclinações nobres; e que põe nas nossas mãos todas as nossas energias morais, como soldados à disposição do capitão, que os disciplinou para a luta.”

(Segundo J.Guibert, O caráter, p.24-25).

Quais são as vantagens do bom caráter?

Aqueles que possuem um bom caráter são felizes e fazem outras pessoas felizes.

Quais são os incovenientes do mau caráter?

Aqueles que tem um mau caráter são infelizes e tornam infelizes outras pessoas. Fénelon escrevia para o duque de Borgonha:

Acautelai-vos sobretudo do vosso mau humor: É um inimigo que levais para toda a parte convosco até à morte: encontrará nos vossos conselhos e vos trairá, se o escutardes. O mau humor faz perder as ocasiões mais importantes; dá caprichos e aversões de crianças, com prejuízo dos mais valiosos interesses; faz resolver os casos mais graves pelas razões mais leves ou mesquinhas; obscurece todos os talentos, deprime a coragem, torna o homem desequilibrado, fraco, arrebatado e insuportável. Desconfiai deste inimigo.”

(Citado por Mons. Dupanloup, ob. cit., t. I, p. XXI)

Quais são os meios a seguir para formar um bom caráter?

São de duas espécies:

1º – Meios negativos, que consistem em suprimir tudo o que predispõe para o mau caráter: os excitantes, os choros fingidos e os amuos.

2º – Há um meio positivo: o desafogo na educação.

Quais são os excitantes que é preciso suprimir?

1º – A alimentação excitante;

2º – As palavras maldosas ou perturbadoras;

3º – Os exemplos de descontentamento, de aspereza, de rancor, de vingança ou de cólera.

Como se pode impedir uma criança de se tornar choramingas?

Não atendendo nunca a lágrimas sem motivo.

Se sofrer, é preciso curá-la; se está triste, consolá-se, pelo menos algumas vezes, porque muitas vezes a criança não tem desgostos senão na medida da importância que os pais ligam a esses pesares. Se chora para que lhe façam a vontade (pois essa é para ela a forma de mandar) não se deixar comover pelas suas lágrimas; se persistir, compreenderá que nada tem a ganhar, e calar-se-á“.

(Abade Simão, A arte de educar as crianças, p. 104 e 207)

O amuo é nocivo ao caráter da criança?

Enormemente.

Nicolay chega a dizer que “uma hora de amuo faz mais mal do que o bem que lhe fariam os bons exemplos de toda uma semana“.

O amuo não será antes um efeito do que a causa do mau caráter?

É uma e outra coisa.

efeito. – Quando se manifesta, revela o orgulho ofendido de um mau caráter.

causa. – Se não é combatido, radica e desenvolve os sentimentos que lhe deram origem.

Como proceder quando a criança tem amuos?

É preciso parecer que não se notou essa má disposição da criança. Depois procurar-se-á despertar o brio da criança, lembrar-se-lhe-ão os seus deveres religiosos; mostrar-se-lhe-á o ridículo da sua atitude. Por vezes, uma leve troça pode dar resultado.

Qual é o melhor meio a empregar para fazer tomar ás crianças o hábito do bom caráter?

É fazer a educação numa atmosfera desafogada e afetuosa.

1º – Os pais esforçar-se-ão por ser alegres.

Notai que é essencial para as crianças ter pais alegres, que compreendem a alegria, e não se incomodem com a expansão natural da infância, mas, pelo contrário, tomem parte no contentamento dos filhos, e até o animem. Os homens de bom caráter são aqueles que tiveram pais alegres; os neurastênicos são aqueles que tiveram pais tristes – cui non ridere parentes. – Quase não há pais alegres: é que têm de quarenta a cinquenta anos. É um desastre para uma geração ter pais que são como folhas secas.”

(Faguet, Da família, p. 91)

2º – Ao menos os pais darão o exemplo de bom humor, duma disposição de espírito sempre equilibrada e senhora das suas impressões.

3º – Os pais observarão o que é de natureza a despertar o riso nas crianças, e utilizar-se-ão desse meio, discreta e inteligentemente.

4º – Os pais concederão a seus filhos uma expansão conveniente.

“Um santo triste, é um triste santo”, declarava São Francisco de Sales, que se insurgia contra esses homens “rigorosos, agrestes e selvagens, que não querem para si, nem permitem aos outros nenhuma recriação“.

O bom rei São Luís entendia as coisas como o bispo de Génova, pois costumava dizer, quando os religiosos lhe queriam falar de coisas transcendentes, depois do jantar: ‘Agora não é ocasião de conversarmos acerca disso, mas sim de nos entretermos com histórias alegres; e cada um conte o que lhe agradar, mas sem ofensa da honestidade’“.

(Bauchesne, Educação, p. 178)

5º- Evitarão os arrebatamentos e excessos que aterrorizam, tornam as fisionomias carregadas e fecham os corações.

6º – Tornarão tão curtos quanto possível os momentos de severidade e, uma vez feita a correção, devem esquecê-la por completo, nunca mais falando dela.

Catecismo da Educação – Abade René de Bethléem

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Se eu não fosse católico…

 

Se eu não fosse católico e estivesse à procura da verdadeira Igreja no mundo de hoje, iria em busca da única Igreja que não se dá bem com o mundo. Por outras palavras, procuraria uma Igreja que o mundo odiasse. Faria isto porque se Cristo ainda está presente em qualquer uma das igrejas do mundo de hoje, Ele deve ainda ser odiado como o era quando estava na Terra, vivendo na carne.

Se quiser encontrar Cristo hoje procure uma Igreja que não se dá bem com o mundo. Procure uma Igreja que é odiada pelo mundo, como Cristo foi odiado pelo mundo. Procure pela Igreja que é acusada de estar desactualizada com os tempos modernos, como Nosso Senhor foi acusado de ser ignorante e nunca ter aprendido. Procure pela Igreja que os homens de hoje zombam e acusam de ser socialmente inferior, assim como zombaram de Nosso Senhor porque Ele veio de Nazaré. Procure pela Igreja que é acusada de estar com o diabo, assim como Nosso Senhor foi acusado de estar possuído por Belzebu, príncipe dos demónios .

Procure a Igreja que em tempos de intolerância (contra a sã doutrina) os homens dizem que deve ser destruída em nome de Deus, do mesmo modo que os que crucificaram Cristo julgavam estar prestando serviço a Deus.

Procure a Igreja que o mundo rejeita porque ela se proclama infalível, pois foi pela mesma razão que Pilatos rejeitou Cristo: por Ele se ter proclamado como A VERDADE. Procure a Igreja que é rejeitada pelo mundo, assim como Nosso Senhor foi rejeitado pelos homens. Procure a Igreja que, no meio das confusões de opiniões, os seus membros a amem do mesmo modo que amam a Cristo e respeitem a sua voz como a voz do seu Fundador.

E aí começará a suspeitar que se essa Igreja é impopular com o espírito do mundo é porque ela não pertence a este mundo. E, uma vez que pertence a outro mundo, será infinitamente amada e infinitamente odiada como foi o próprio Cristo. Pois só aquilo que é de origem divina pode ser infinitamente odiado e infinitamente amado. Portanto, essa Igreja é divina .

Arcebispo Fulton J. Sheen in Radio Replies, Vol. 1

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

11 DE OUTUBRO: FESTA DA MATERNIDADE DE NOSSA SENHORA

 

Ao exaltar a maternidade divina da Santíssima Virgem, a Igreja celebra a Mãe por excelência e o modelo de todas as mães.

Fonte: DICI – Tradução: Dominus Est

Esta festa foi instituída em 1931 pelo Papa Pio XI por ocasião do 15° centenário do Concílio de Éfeso, onde foi proclamado o dogma da maternidade divina de Maria.
 
Nos textos da liturgia, a Igreja expressa como Maria é Mãe de Jesus, mas também nossa Mãe, uma vez que é por sua intercessão que ela obtém para nós a graça que nos une sobrenaturalmente ao seu Filho divino. A maternidade virginal de Maria estende-se desde Cristo, que ela realmente gerou na sua carne, a todos os membros do Corpo místico do Filho de Deus.
 
Este ensinamento é exposto por São Pio X na encíclica Ad diem illum (1904):
 
“Não é Maria a Mãe de Deus? Portanto é Mãe nossa também. Todos, portanto, que, unidos a Cristo, somos, consoante as palavras do Apóstolo, “membros do seu corpo, de sua carne e de seus ossos” (Ef 5, 30), devemos crer-nos nascidos do seio da Virgem, donde um dia saímos qual um corpo unido à sua cabeça. É por isso que somos chamados, num sentido espiritual e místico, filhos de Maria, e ela é, por sua vez, nossa Mãe comum. Mãe espiritual, contudo verdadeira mãe dos membros de Jesus Cristo…”

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

POR QUE REZAR À SANTÍSSIMA VIRGEM?

 

Tão familiar a todo cristão digno desse nome, a devoção à Bem-Aventurada Virgem Maria é uma interrogação àqueles que, recentemente, entraram pela porta de uma igreja, ainda habitado por uma confusa sede de Deus. Por que, pergunta ele, rezar assim à Santíssima Virgem?

Fonte: Lou Pescadou n° 247 – Tradução: Dominus Est

A história da Anunciação (Lc 1, 26-38) descreve, por si só, a missão principal da Santíssima Virgem e, assim, o motivo principal de nossas orações a ela: cabe a Maria apresentar Deus ao mundo. O anjo Gabriel, mensageiro divino, não lhe pede nada mais que isso! Ele lhe anuncia o plano divino da salvação, como Deus quer tomar a carne dela, para expiar em sua carne os pecados do mundo. Nesse momento, o Céu e a terra pareciam expectar a aceitação de Maria. E eis que seu sim ressoa em magníficas palavras: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. Ela, imediatamente, torna-se a mãe de Deus, gerando, por assim dizer, Deus no mundo.

Longe de ser um evento simples e pontual, sua missão de trazer Deus ao mundo se perpetua ao longo dos séculos. Aos pés da cruz, Maria vê a sua missão maternal estender-se a todos os homens que são objeto da boa vontade (cf. Lc 2,13). Com efeito, Cristo, apontando o discípulo que amava – e, portanto, cada um de nós – disse-lhe: Eis o teu filho (Jo 19,26). Desde aquele dia, a Santíssima Virgem tem sido nossa Mãe Celestial. Cabe a ela, portanto, como mãe, trazer Deus para nossas vidas e nos aprofundar cada vez mais na vida de Deus. Uma criança não descobre o mundo através dos olhos de sua mãe? Eis então o primeiro e fundamental motivo da nossa oração à Virgem Maria: por meio de sua intercessão, Deus se entrega a nós, enquanto ela nos ensina a nos entregarmos a Deus.

O segundo motivo da nossa devoção mariana encontra seu fundamento nas primeiras páginas do Gênesis. Através dos seus pecados, Adão e Eva foram derrotados pelo demônio, estabelecido agora como “príncipe deste mundo”. Adão, por ser o princípio da humanidade, havia, de fato, arrastado esta última em sua escravidão ao mal do qual, espantado, ele descobriu a realidade.  Foi então que Deus prometeu, em sua misericórdia, que essa mesma humanidade, longe de permanecer escravizada pelo pecado, seria um dia vitoriosa sobre o demônio, precisamente por meio de uma mulher e de um homem: “Porei inimizades entre ti e a mulher”, disse ele ao demônio, “entre a tua posteridade e a posteridade dela” (Gn 3,15). E Deus acrescenta imediatamente que essa restauração de uma parte da humanidade exigiria batalhas terríveis: ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar (Gn 3,15). Nessas batalhas, que devemos travar todos os dias para sermos contados, em Cristo, entre a raça de Deus, a Santíssima Virgem tem, portanto, um lugar muito especial, em união com o seu divino Filho: ela esmagará a cabeça do demônio! Precisamente por ser nossa mãe, a Santíssima Virgem é a nossa força nessa batalha cristã: não é responsabilidade de uma mãe proteger o seu filho contra todos os perigos? São Bernardo não hesitou em dizer, falando da Santíssima Virgem: “Se ela segurar a tua mão, não cairás. Se ela te proteger, você não terá medo. Se ela estiver com você, você certamente alcançará seu objetivo.

Que possamos, neste mês de outubro que lhe é consagrado, fazer crescer uma devoção mariana que seja tão verdadeira quanto eficaz.

Pe. Patrick de La Rocque, FSSPX

REZAI O TERÇO EM FAMÍLIA

 


Sermão proferido pelo Revmo. Pe. Carlos Mestre, no Priorado S. Pio X de Lisboa, no XIX Domingo depois de Pentecostes, com uma homília acerca da importância do Rosário.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

A BATALHA DE LEPANTO E O ROSÁRIO

 

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”Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes,
mas a Virgem Maria do Rosário foi quem nos deu a vitória”
 

Fonte: Hojitas de Fe, 216, Seminário Nossa Senhora Corredentora, FSSPX
Tradução: 
Dominus Est

São Pio V, eleito Papa em 1566, teve o desejo de convocar a Cristandade para um duplo combate: contra o protestantismo e contra o Islã. Contra este último convidou os príncipes católicos a contrair uma aliança, mas todos eles, ocupados por seus problemas internos, não responderam à iniciativa. Em 1569 os otomanos souberam que o arsenal veneziano havia sido destruído pelo fogo, e que além disso toda a península itálica estava ameaçada pela fome devido a uma má colheita. Selim II aproveitou a ocasião para romper a trégua com Veneza e enviou um ultimato: ou entregaria a preciosa posse de Chipre, ou lhe declararia guerra. Veneza pediu auxílio, mas não queria fazer aliança com a Espanha, nem a Espanha com Veneza, pois Veneza várias vezes fizera aliança com os turcos. São Pio V interveio exortando a Espanha a enviar uma armada para proteger Malta e garantir a rota que levaria auxílio até a Ilha de Chipre.

Felipe II aceitou e enviou seus embaixadores, diante do qual Sua Santidade nomeou Marco Antonio Colonna, bem visto por Filipe II e Veneza, como chefe da armada pontifícia. Sob o comando e mediação do Supremo Pontífice tiveram início as negociações entre a Espanha e Veneza, mas desconfiança mútua e os interesses de ambas as partes, influenciara na demora dos acordos. São Pio V mediou nas discussões com paciência heroica e cordura, e sugeriu a Dom João da Áustria, bastardo irmão de Felipe II, então jovem de 24 anos, como generalíssimo dos exércitos cristãos.

Durante as negociações, uma peste dizimou a esquadra veneziana, e os turcos conquistaram a ilha de Chipre, após 48 dias de resistência heroica. A perda de Chipre desanimou toda a Cristandade. São Pio V culpou os príncipes católicos por aquela perda, que deveriam abandonar suas atitudes antes que fosse tarde demais, e só expiariam suas culpas se resolvessem se unir em defesa da Cristandade.

Em março de 1571 chegaram a Roma as respostas afirmativas do Rei da Espanha e do Doge de Veneza. Superadas as divergências, formou-se uma Liga entre ambas as potências com caráter defensivo e ofensivo para agir contra o Sultão e seus estados tributários, Argel, Tunísia e Trípoli. A Liga contaria com 200 galés, 1.000 transportes, 50.000 infantes espanhóis, italianos e alemães, 4.500 de cavalaria ligeira e o número necessário de canhões.

1º Preparativos para a batalha.

Sua Santidade enviou à Liga um estandarte de damasco de seda azul com a imagem do Crucificado, tendo a seus pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de Dom João da Áustria. Dom João da Áustria recebeu o estandarte das mãos do cardeal Granvela, que lhe disse:

“Toma, ditoso Príncipe, a insígnia do Verbo Humanado; tem o vívido sinal da Santa Fé, da qual és defensor nesta empresa. Ele te dará uma gloriosa vitória sobre o inimigo ímpio, e por tua mão será abatida a soberba. “

Preocupado com as notícias do avanço turco, São Pio V enviou uma carta a Dom João, exortando-o a zarpar o mais depressa possível para Messina, prometendo-lhe pouco depois, através de seu núncio Odescalchi, a vitória acima de todos os cálculos humanos. Encorajado por essas palavras, Dom João agiu rapidamente. Para preservar o caráter sagrado da empresa, proibiu as mulheres a bordo, ditou a pena de morte contra os blasfemos e impôs um jejum de três dias. Nenhum dos 81 mil marinheiros e soldados ficou sem confessar e receber a comunhão, até mesmo os galeotes.

2º Em formação para a batalha.

Nos dias 16 e 17 de setembro a frota cristã partiu do porto de Messina. A frota turca estava localizada em Lepanto, um porto localizado ao sul do estreito que une o Golfo de Patras com o Golfo de Corinto. Em 6 de outubro, o vento deteve os católicos e empurrou os otomanos para fora do estreito de Lepanto, facilitando assim o combate. No domingo, 7 de outubro, antes do amanhecer, os navios católicos levantaram âncoras e adentraram o Estreito de Lepanto. Um canhão ordenou o início da batalha e o estandarte da Liga foi hasteado no principal mastro da nau capitânia. Dom João, da Áustria, exclamou: “Aqui venceremos ou morremos”.

Dom João comandou o centro, flanqueado por Colonna e Veniero; os Requesens catalães vinham um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 navios, formava a ala direita em direção ao alto mar. Os 35 navios do Marquês de Santa Cruz aguardavam ordens na retaguarda para sua eventual intervenção.

Ali Paxá, o almirante otomano, também dispôs sua frota de combate. O generalíssimo turco parecia querer atacar pelo centro e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se de sua superioridade numérica de 286 navios contra 208. O vento soprava do leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos se aproximavam do inimigo pela força dos remos. Quando as esquadras estavam à vista, o vento diminuiu.

Na praça católica Andrea Doria propôs um conselho de guerra para discutir se convinha ou não combater um inimigo numericamente superior; mas Dom João da Áustria contestou: “Não é hora de falar, mas de lutar”. Andrea Doria aconselhou então a cortar os enormes esporões das galés católicas, para ter uma linha de fogo mais poderosa.

O comandante supremo, Dom João de Áustria, passou em revista todas as naves de crucifixo em mãos e arengando com ardor para a luta iminente: “Este é o dia em que a Cristandade deve mostrar seu poder, para  aniquilar esta seita amaldiçoada e obter uma vitória sem precedentes… Estais aqui por vontade de Deus, para castigar o furor e a maldade desses cães bárbaros; depositai vossa esperança unicamente no Deus dos exércitos, que reina e governa o universo… Recordai que combatereis pela Fé; nenhum covarde ganhará o Céu”. Então ele se ajoelhou em La Real e rezou, fazendo o mesmo todos os seus homens. Em meio a um imponente silêncio, os religiosos deram a última bênção e a absolvição geral àqueles que se expunham a morrer pela Fé.

Enquanto isso, o inimigo cortava o silêncio com suas cornetas, blasfêmias, zombarias e imprecações, e dizia: “Esses cristãos vieram como um rebanho de ovelhas para que nós os degolemos “. A ordem de Ali Paxá era não fazer prisioneiros.

3º A batalha.

Ali Paxá deu um tiro de canhão para chamar os cristãos para a luta. Dom João aceitou o desafio, respondendo com outro tiro de canhão. Naquele momento, o vento mudou inesperadamente em favor dos cristãos.

Os turcos procuravam dar maior amplitude ao seu movimento, para envolver um dos os flancos do adversário. Doria tentava impedir a manobra, mas afastou-se muito da área designada, abrindo uma brecha perigosa entre a ala de seu comando e o centro da esquadra. O apóstata italiano Uluch Ali entrou pelo espaço vazio deixado por Doria. Com seus melhores navios, ele se lançou em combate para o centro dos cristãos, e com algumas galeras pesadas manteve Doria longe. Nesta manobra, as tropas de Doria quase foram aniquiladas, e a reserva do marquês de Santa Cruz não pôde socorrê-lo, pois estava empenhado em ajudar os venezianos na ala esquerda ao longo da costa.

Ali Paxá, conhecendo pelos santos estandartes a galera de Dom João, investiu pela proa de La Real, e lançou sobre ela uma horda de janízaros selecionados. Naquele momento, o conselho dado por Doria provou sua eficácia: desembaraçado do peso representado pelo esporão, a artilharia do navio católico dizimou a tripulação de La Sultana, o navio de Ali Paxá. Em socorro desta chegaram 7 galeras turcas, que lançaram mais janízaros à luta sobre a ensanguentada ponte da nave capitã de Dom João.

Por duas vezes a horda turca penetrou no mastro principal de La Real, mas os bravos veteranos espanhóis forçaram-nos a retroceder. Os galeotes, armados com espadas, abandonavam os remos quando havia abordagens e lutavam bravamente contra os turcos. Mesmo assim, a situação estava se tornando mais perigosa: Dom João contava apenas com dois barcos de reserva, sua tropa sofrera muitas baixas e ele próprio fora ferido em um pé. Foi então quando o marquês de Santa Cruz, depois de libertar os venezianos, veio em socorro de Dom João, e este foi capaz de rechaçar os janízaros.

Quando o momento era mais crítico, Ali Paxá, defendendo La Sultana de outro ataque cristão, caiu morto por um tiro de arcabuz espanhol. Eram 4 da tarde. O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado aos pés de Dom João; um soldado espanhol cortou sua cabeça, que por ordem de Dom João foi enfiada na ponta de uma lança para todos verem. Um clamor de alegria vitoriosa surgiu da nave capitã. Os turcos estavam derrotados, e o pânico rapidamente apoderou-se de suas hostes desde que o estandarte de Cristo começou a flamejar na Sultana.

As perdas dos infiéis eram enormes: 30.000 mortos, 10.000 prisioneiros, 120 galeras capturadas e 50 afundadas ou incendiadas, tomadas numerosas bandeiras e grande parte da artilharia. 12.000 cristãos escravizados pelos mouros ganharam a liberdade. O resto da esquadra inimiga bateu em retirada, enquanto as trombetas católicas proclamavam aos quatro ventos a vitória da Santa Liga na maior batalha naval registrada pela história. Soube-se mais tarde que, no calor da batalha, os soldados de Maomé viram sobre os principais mastros da esquadra católica uma Senhora que os aterrorizava com seu aspecto majestoso e ameaçador.

4º Notícias da vitória chegam em Roma.

Enquanto isso, em Roma, o Papa jejuava e redobrava suas orações pela vitória, exortando cardeais, monges e fiéis a fazer o mesmo, confiando na eficácia do Santo Rosário. No dia 7 de outubro, enquanto trabalhava com seu tesoureiro Donato Cesi, o Papa de repente deixou seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase; e, voltando-se para o seu tesoureiro, disse: “Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer”; e dirigiu-se para a sua capela.

Na noite de 21 a 22 de outubro, o Cardeal Rusticucci despertou o Papa para confirmar a visão que ele tivera. Em um pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: “Agora, Senhor, já podes deixar o teu servo ir em paz” (Lc 2 29). Na manhã seguinte, a feliz notícia foi proclamada em São Pedro, após uma procissão e um solene Te Deum.

Desde então, o dia 7 de outubro foi consagrado a Nossa Senhora das Vitórias, e mais tarde ao Santo Rosário; e a invocação “Auxílio dos Cristãos” foi adicionada nas Litanias Lauretanas. O senado veneziano, agradecido, fez pintar um quadro retratando a batalha, com a inscrição: “Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário foi quem nos deu a vitória.” Gênova e outras cidades mandaram pintar a imagem da Virgem do Rosário em suas portas. Em toda parte, na Espanha e na Itália, foram erigidas capelas em homenagem a Nossa Senhora das Vitórias;

A história testemunha que o lento declínio do poder naval dos otomanos começou com a jornada de Lepanto.

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