quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Emprestar-se a Maria!

 


Pe. Júlio Maria de Lombaerde

Entre amigos, que vivem juntos, formando um só coração, uma só alma, há uma coisa que mostra a afeição mútua ao mesmo tempo em que a sustenta e alimenta; é emprestar uns aos outros diversos pequenos objetos, de que se precisa, às vezes, inesperadamente, sem tê-los à mão. E o outro é feliz em emprestar este objeto. Será talvez um livro, um canivete, um instrumento qualquer. E nós, que vivemos perto da Santíssima Virgem, nessa comunhão de todo instante, não nos seria possível emprestar-lhe, às vezes, qualquer coisa?

Delicioso e doce pensamento! Vou emprestar-me a Maria Santíssima.

Ó minha Mãe, eu te empresto as minhas mãos. Digna-te servir-te delas para socorrer todos aqueles que precisarem. Com minhas mãos tu darás, tu guiarás, tu aliviarás.

Eu serei o criado, o escravo, dando, guiando, aliviando com estas mãos, que eu te emprestei.

Querida Mãe, eu te empresto minha língua, serve-te dela para consolar, aconselhar, animar e rezar. Serás tu que farás tudo isso, por minha língua; e eu ainda serei criado, agindo para Ti e sob a tua influência.

Ó Maria, eu te dou minha inteligência. Toma-a e dela te serve para instruir, iluminar; para falar de Ti e a Ti. E eu sempre pobre criado não deixarei entrar nessa inteligência nada, que não seja de Ti e para Ti.

Ó Maria, eu te dou a minha vontade. Ela é fraca, vacilante, inconstante, inclinada ao mal..., mas, pouco importa, eu te empresto esta vontade, para que tu dela aproveites para a maior glória de Deus.

Ó Maria, eu te empresto o meu coração. Tu queres ainda viver entre nós para amar, compadecer, para enxugar as lágrimas. E para assim amar, precisas de um coração, aqui na terra. Toma o meu e nele coloca a tua bondade, tua ternura, tua dedicação e que, em todas as almas, com que tratarei, possa eu derramar um pouco de tua bondade e de teu amor de Mãe.

Ó Maria, eu te empresto o meu ser inteiro, meu corpo, minha alma, minhas faculdades, meus bens espirituais e temporais. Toma tudo, tudo, e serve-te desse tudo, para prestar serviço, para socorrer, para abrigar o pobre, para acalmar as queixas da desgraça e fazer-te conhecer das crianças, às quais não se fala bastante de Ti.

Totus tuus sum ego et omnia mea tua sunt. – Eu te pertenço inteiramente com tudo que é meu.

As conclusões práticas deste empréstimo são das mais consoladoras.

Quando o mundo convidar-nos para participar de seus passageiros e vãos gozos, fiquemos fiéis ao nosso contrato com a doce Virgem e respondamo-lhe: “Não posso; não sou mais senhor de mim; emprestei-me à Mãe de Deus; é a ela, pois que se deve dirigir o convite.”

Quando o demônio nos importunar com suas tentações, digamos-lhe sem hesitação: “Vai, miserável; tens de haver-te com um mais forte do que tu. Não é a mim, mas a Virgem Imaculada, a qual uma vez primeira te esmagou a cabeça e que ainda saberá descobrir e aniquilar tuas armadilhas.”

Quando a carne corrupta e corruptora, excitar em nós suas paixões ardentes, fitemos a Virgem Pura e protestemos altamente que não queremos retomar o que lhe temos emprestado.

Quando, enfim, o desânimo infiltrar-se em nossas veias e ameaçar o vigor de nosso corpo, saibamos levantar a cabeça e o coração para lutar ainda, para sempre lutar, visto ser a Virgem que luta conosco e em nós. E a Virgem é invencível!

Porque desanimar! A vitória é, pois, certa. Pouco importa que a luta seja árdua e os inimigos experimentados.

Mundo, demônio e carne podem nos assaltar, mas só vence, quem quer ser vencido. Aqueles que oram e que se emprestam a Maria, são invencíveis, porque participam das prerrogativas da divina Mãe de Jesus.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Por que tem sempre água benta nas portas das Igrejas?

 

Muitas vezes as pessoas se queixam de que se distraem muito na igreja, sobretudo durante as leituras na Missa. O demônio tem grande interesse em nos distrair justamente quando vamos estar em contato com as realidades sagradas. Por isso é tão útil a Água Benta na entrada das igrejas e capelas. Mesmo usando a Água Benta pode acontecer que nos distraiamos, porém teremos a segurança de que as distrações procedem de nós mesmos e não do demônio.

Se uma pessoa se bendize com Água Benta com devoção, isso produz três efeitos: atrai a graça divina, purifica a alma e afasta ao demônio. Este gesto de persignar-se com esta água nos atrai as graças divinas pela oração da Igreja. A Igreja rezou sobre essa água com o poder da Cruz de Cristo. O poder sacerdotal deixou uma influência sobre essa água. Ao mesmo tempo purifica parte de nossos pecados, tanto os veniais, como o reato que tenha permanecido em nossas almas. O terceiro poder da Água Benta é afastar o demônio. O Maligno pode entrar perfeitamente em uma igreja, seus muros e paredes não o impedem, o solo sagrado não o freia. Sem embargo, a Água Benta o afasta. 

Ainda que nós com os olhos do corpo não alcancemos ver a cruz que forma a Água Benta em nosso corpo ao nos persignar com ela, o demônio a vê perfeitamente. Para ele essa cruz é de fogo, é uma couraça que não consegue ultrapassar. Insisto em que persignar-se com a Água Benta ao entrar em uma igreja não é um mero símbolo. É um símbolo, porém esta água tem um poder, um poder que Cristo ganhou com os sofrimentos na Cruz e que o Sacerdote administra com toda facilidade.

Fonte: Padre José Antonio Fortea, Suma daemoniaca. Tratado de demonología y manual de exorcistas.

domingo, 27 de novembro de 2022

Das Adversidades - De como são úteis aos justos e necessárias aos pecadores

 Retirado do livro

Pe. de La Colombière
Excertos
 Livro de 1934 - 54 páginas

(Em breve este livro estará no Alexandria Católica)

Para conhecer a vida de São Cláudio de La Colombière CLIQUE AQUI


Das Adversidades
(De como são úteis aos justos e necessárias aos pecadores)
Vede essa terna mãe que por mil carícias trata de acalmar os gritos do filho, que o rega com suas lágrimas, enquanto lhe aplicam o ferro e o fogo; desde que aquela dolorosa operação se faz a seus olhos e por sua ordem, quem pode duvidar de que aquele remédio violento não deva ser extremamente útil àquela criança, e que ela não deva encontrar nele uma saúde perfeita, ou ao menos o alívio duma dor mais viva e mais longa?
Faço o mesmo raciocínio quando vos vejo na adversidade. Vós vos queixais de que vos maltratam, de que vos ultrajam, de que vos mortificam por calúnias, de que vos despojam injustamente dos vossos bens: o vosso Redentor (este nome é ainda mais terno do que o nome de pai e de mãe), o vosso Redentor é testemunha de tudo o que sofreis; Ele que vos traz no seio, Ele que declarou altamente que quem quer que vos toca o toca na pupila dos olhos, Ele próprio, não obstante, permite que sejais atribulados, embora pudesse impedi-lo, e duvidais de que essa provação passageira vos deva proporcionar as mais sólidas vantagens?

Acrescentai a isso que, quando se tratou de nos poupar penas que visivelmente nos teriam sido inúteis, Ele nada esqueceu, forçou as leis da natureza para nos garantir contra elas. Tudo quanto se atura após a morte, seja nas chamas do purgatório, tudo isso é computado como nada; não se pode esperar daí nem glória nem recompensa; só se sofre então por sofrer. Que não fez Jesus Cristo para nos preservar desses tormentos infrutíferos? Pôs tudo em uso, até o atraí-los sobre sua pessoa inocente. Foi neste intuito que ele derramou todo o seu sangue e expirou na cruz. Sim, Jesus Cristo abandonou-se a si próprio à cólera de seu Pai e à fúria dos judeus, para impedir não só que fôssemos entregues ao fogo eterno, mas ainda que fôssemos um só momento detidos no purgatório; satisfez por nossas culpas as mais leves, não deixou nada por pagar; muito mais, deixou um tesouro inesgotável de méritos à sua Igreja para os novos crimes em que incidimos todos os dias. Esta razão única me faz às vezes de mil demonstrações. Quando o Espírito Santo não tivesse chamado bem-aventurados aos que sofrem neste mundo, quando todas as páginas da escritura não falassem em favor das adversidades, quando não víssemos que elas são o quinhão mais comum dos amigos de Deus, eu não deixaria de crer que nos são infinitamente vantajosas; para me persuadir disto basta eu saber que um Deus que preferiu sofrer tudo o que a sanha dos homens pode inventar de mais horríveis torturas, a me ver condenar aos mais leves suplícios da outra vida; basta-me, digo, que saber que é esse Deus que me prepara, que me apresenta o cálice de amargura que eu devo beber neste mundo. Um Deus que sofreu tanto para me impedir de sofrer, não me faria sofrer hoje para dar A si um prazer cruel e inútil.
Quanto a mim, senhores, quando vejo um cristão abandonar-se à dor nas penas que Deus lhe envia, eu digo primeiro: Aí está um homem que se aflige com a sua felicidade; pede a Deus que o livre da indigência em que se acha, e deveria dar-lhe graças de o haver reduzido a ela. Estou certo de que nada lhe podia suceder de mais vantajoso do que isso que faz o motivo da sua desolação; tenho para o crer mil razões sem réplica. Mas se eu visse tudo o que Deus vê, se eu pudesse ler no futuro as consequências felizes com que Ele coroará essas tristes aventuras, quanto mais confirmado me sentiria no meu pensamento.
Com efeito, se pudéssemos descobrir quais são os desígnios da Providência, é certo que desejaríamos com ardor os males que sofremos com tanta repugnância. Toda gente sabe a história célebre de José. Quando os irmãos o despojaram; quando, para se desfazerem dele, o venderam aos ismaelitas, quem poderia dizer quantas lágrimas derramou ele, quantas súplicas fez para curvar os irmãos desnaturados, quantas vezes lhes abraçou os joelhos, com que dor desaprovou tudo o que os pudesse ter desgostado no seu proceder? Pode-se duvidar de que ao mesmo tempo ele tivesse feito mil votos para obter algum socorro do céu num extremo tão premente? Filho da Providência, inocente vítima, como Deus vos amaria pouco se vos escutasse! Como faríeis votos bem diversos se ele vos fizesse conhecer aonde vos devem conduzir o exílio e a servidão que temeis! O acontecimento fez ver, cristãos ouvintes, que ele tinha mais motivo de se alegrar do que de se queixar do indigno tratamento que recebia. Sabeis que Deus o levava ao trono por esse caminho. Meu Deus, se tivéssemos um pouco de fé, se soubéssemos quanto nos amais, quanto tendes a peito os nossos interesses, com que olhos encararíamos as adversidades? Ir-lhes-íamos ao encontro com solicitude, bendiríamos mil vezes a mão que nos ferisse.
Que bem me pode, pois, advir dessa moléstia que me obriga a interromper todos os meus exercícios de piedade? Dirá talvez alguém; que vantagem posso esperar dessa perda de todos os meus bens que me lança no desespero, dessa confusão que me abate a coragem e me traz a perturbação ao espírito? É verdade que esses golpes imprevistos, no momento que ferem, acabrunham às vezes aqueles sobre quem caem, e os põem fora de estado de aproveitar na mesma hora da sua desdita; esperai porém, e logo vereis que é por esse meio que Deus vos dispõe a receber os mais insignes favores. Se não fosse aquele acidente, não vos teríeis tornado mais mau, porém nunca teríeis sido tão santo. E não é verdade que, desde que vos havíeis dado a Deus, ainda vos não tínheis podido resolver a desprezar não sei que glória fundada em algum agrado do corpo, ou qualquer talento do espírito, que vos atraía a estima dos homens? Não é verdade que ainda vos restava algum amor ao jogo, à vaidade, ao luxo? Não é verdade que o desejo de adquirir riquezas, de elevar vossos filhos às honras do mundo, ainda não vos havia abandonado inteiramente? Talvez mesmo que algum apego, alguma amizade pouco espiritual, disputava ainda o vosso coração a Deus? Não vos era preciso mais que aquilo para entrardes numa liberdade perfeita; é pouco, mas afinal ainda não tínheis podido fazer esse sacrifício; a quantas graças, entretanto, esse obstáculo detinha o curso. Era pouco, mas não há nada que custe tanto à alma cristã quanto romper esse derradeiro laço que a prende ao mundo e a si mesma. Não é que nessa situação ela não sinta uma parte da sua enfermidade; mas o só pensamento do remédio a espanta, porque o mal está tão perto do coração que, sem o socorro duma operação violenta e dolorosa, não se pode curá-lo; foi por isto que se tornou mister surpreender-vos, que se fez preciso que uma mão hábil, quando menos o pensáveis, tenha levado o ferro bem a dentro na carne viva, para furar essa úlcera oculta no fundo das entranhas; não fora esse golpe, e o vosso langor duraria ainda. Essa moléstia que vos detém, essa bancarrota que vos arruína, essa afronta que vos cobre de vergonha, a morte daquela pessoa que chorais, todas essas desditas farão em breve aquilo que todas as vossas meditações não terão podido fazer, o que todos os vossos diretores teriam tentado inutilmente.
E, se a adversidade em que estais tiver o efeito que Deus pretende, se vos desgostar inteiramente das criaturas, se vos obrigar a vos dardes sem reserva ao vosso Criador, certo estou que de que lhe dareis mais agradecimentos por aquilo que Ele vos houver infligido, do que lhe oferecestes de votos para desviar a aflição: todos os demais benefícios que haveis recebido Dele, todos esses benefícios comparados àquela desdita não passarão aos vossos olhos de favores ligeiros. Havíeis sempre considerado as bênçãos temporais que até aqui Ele derramara sobre vossa família com os efeitos da sua bondade para convosco; mas então vereis claramente, sentireis no fundo d’alma que Ele nunca vos amou tanto como quando derribou tudo o que tinha feito pela vossa prosperidade, e que, se Ele tinha sido liberal dando-vos riquezas, honra, filhos, saúde, foi pródigo retirando-vos todos esses bens.
Não falo dos méritos que a gente adquire pela paciência; é certo que, geralmente, a gente ganha mais para o céu num dia de adversidade do que durante vários anos passados na alegria, por mais santo o uso que deles se faça; e para acabar de vos dizer francamente o meu pensamento, eu desconfio extremamente de todo bem que fazemos na prosperidade, e não creio que a gente se deva ficar lá muito nas virtudes que nela se praticam.
O grande apóstolo só se glorifica das suas cadeias, dos seus naufrágios e dos injustos suplícios a que o condenaram. Não faz menção alguma nem das suas orações nem das suas pregações apostólicas, porque, nessa espécie de ubras santas, raramente a gente se defende das surpresas do amor próprio sem o socorro de um longo estudo, duma extrema vigilância, duma graça extraordinária.
Todos sabemos que a prosperidade nos amolenta, e muito é quando um homem feliz segundo o mundo se dá o trabalho de pensar no Senhor uma ou duas vezes por dia: as ideias dos bens sensíveis que o rodeiam ocupam-lhe tão agradavelmente o espírito, que ele se esquece facilmente de tudo o mais. A adversidade, ao contrário, só dando por si mesma pensamentos tristes, leva-nos como naturalmente a levantar os olhos para o céu, para amenizar por essa vista a impressão amarga dos nossos males. Sei que se pode glorificar a Deus em toda a sorte de estados, e que a vida dum cristão que o serve numa fortuna risonha, não deixa de lhe fazer honra; bem longe, porém, que esse homem o honre tanto como o homem que o bendiz nos sofrimentos! Pode-se dizer que o primeiro é semelhante a um cortesão assíduo e regular que não abandona o seu príncipe, que o segue ao conselho, que é de todos os seus prazeres, que lhe faz honra a todas as festas; mas que o segundo é como um valente capitão que toma cidades para seu rei, que lhe ganha batalhas através de mil perigos e à custa do seu sangue, que leva bem longe a glória das armas de seu amo e os limites do seu império.
Assim, senhores, um homem que goza de saúde robusta, que possui grandes riquezas, que vive na honra, que tem a estima do mundo, esse homem, se usa como deve das suas vantagens, se as recebe com gratidão, se as refere a Deus que lhes é a fonte, certamente não se pode duvidar de que glorifique seu divino Mestre por um procedimento tão cristão: mas se a Providência o destitui de todos esses bens, se o cobre de dores e de misérias, e se, no meio de tantos males, ele persevera nos mesmos sentimentos, nas mesmas ações de graças, se segue o Senhor com a mesma prontidão, com a mesma docilidade, por uma senda tão difícil, tão oposta às suas inclinações, é então que ele publica a grandeza de Deus e a eficiência da sua graça, da maneira a mais generosa e a mais retumbante.
Daí, cristãos ouvintes, julgai que glória não devem esperar de Jesus Cristo as pessoas que o tiverem glorificado em trilha tão espinhosa; julgai com que aplausos não há de ser recebido no céu um cristão cuja vida não tiver passado de uma série de desventuras, de um exercício contínuo de paciência; um cristão que se apresentar, por assim dizer, coberto de sangue e de feridas, que tiver seguido seu Mestre em todas as suas penosas empresas, que lhe tiver sido o companheiro fiel dos sofrimentos. Será então, cristãos ouvintes, que havemos de reconhecer o quanto Deus nos terá amado dando-nos as ocasiões de merecer recompensa tão abundante; será então que censuraremos a nós mesmos o nos termos queixado daquilo que nos devia aumentar a felicidade, de havermos gemido, de termos suspirado quando tínhamos motivo para nos alegrarmos, de termos duvidado da bondade de Deus, quando Ele nos dava dessa bondade as mais sólidas provas. Se tais devem ser um dia os nossos sentimentos, por que não entrarmos desde hoje em tão feliz disposição? Por que desde esta vida não bendizermos a Deus no meio dos males, pelos quais estou certo de lhe render um dia no céu eternas ações de graças? Por que hei de invejar a sorte dos que vivem na prosperidade, quando eles próprios me invejarão um dia as adversidades que eu tiver padecido?
Santo Agostinho não pode admirar bastante que um senhor tão poderoso como nosso Deus, tão feliz, tão independente das suas criaturas, tenha querido obrigá-las, por um mandamento expresso, a lhe terem amor, isto é, a proporcionarem a si próprias a vantagem maior que possam fruir. Eis aqui, porém, a meu ver, um traço de bondade ainda mais admirável: e é que Ele não se contente de impor aos seus inimigos obrigação tão vantajosa para eles, e os force de alguma sorte a cumprir essa feliz obrigação.
É pela adversidade, cristãos ouvintes, que Ele coage os homens mais perversos a reentrarem nas suas boas graças; e que outra via mais eficaz para os levar a isso? A palavra de Deus, o uso dos sacramentos, as graças comuns podem manter na prática do bem os que se obrigam a eles, mas um homem sobrecarregado do peso dos negócios públicos e domésticos, uma mulher que vive nos prazeres, que é escrava da vaidade, um cristão, numa palavra, que envelheceu na sua impiedade e nas suas desordens, é mister, senhores, é mister que sofra ou que pereça.
Sei o quanto a palavra de Deus é eficaz, sei que ela é mais penetrante do que uma espada de dois gumes; mas todos os dias não vemos senão sobejamente que os homens lhe resistem e que ela não pode atingir até os corações empedernidos. Que não se há dito contra esse luxo espantoso que devora a substância assim dos pobres como dos ricos, contra esse jogo que consome impiedosamente um bem com que se poderia comprar o céu, esse jogo que nos arrebata um tempo que nos fora dado para ganharmos a eternidade? Que se não diz ainda hoje em dia contra esses desregramentos? Ai! Mas que é que produzem os nossos discursos no espírito dos jogadores de profissão, desses que gastam o mais possível em roupas? Uns esquecem-no um momento após, outros só se lembram deles para escarniçá-los; alguns até se ofendem com eles, e creem ter motivo para se queixar do pregador, porque ele disse da parte de Deus o que não podia calar sem trair a própria consciência e sem se tornar réu de perfídia. Que cumpre então faça o Senhor para fazer essas pessoas tornarem ao dever? Não há outro meio senão a indigência; há que reduzi-las à necessidade de trabalhar para fazer subsistir a família, e de revender, para viverem, aquilo que compraram para se enfeitar. Ide falar de oração e de retiro àquela mulher enamorada da própria beleza, tão vaidosa das atenções que se tem com ela no mundo; acreditais que ela seja capaz de apreciar os vossos conselhos ou sequer de ouvi-los? Para salvá-la, faz-se mister que uma moléstia a desfigure, ou que uma esmagadora confusão a faça banir para sempre das companhias.
Que tempo escolhereis para exortar aquele rico, aquele voluptuoso, a se converter? Não está ele disposto a ouvir a palavra de Deus, e muito menos ainda a vos chamar a casa para tomar junto a vós conselhos salutares. E quando o estivesse, como haveria um pensamento santo de encontrar lugar naquele espírito abarrotado dos seus negócios temporais? A própria graça, por insinuante que seja não acha abertura para lhe passar até o coração. Oh! Como há então, ó meu Deus, que desesperar daquela alma? A vossa sabedoria não tem então meio para retirá-la do precipício? O Senhor tem um meio, cristãos ouvintes, e este meio é o que ele se serve sempre para reconduzir os eleitos seus que a prosperidade lhe arrebatou; esse meio é a adversidade, é a perda daquele processo, a morte daquele marido, daquele filho único, uma paralisia, uma gota violenta, uma febre maligna, um langor incurável, uma afronta insigne. Qual será o efeito dessa desgraça? Disporá aqueles homens à compunção por uma dor mortal, dar-lhe-á desgosto dos prazeres com que estava encantado, levá-lo-á a fazer reflexões sobre os desregramentos da sua vida que lhe atraíram a cólera de Deus; sofrerá que a gente de bem se lhe achegue, quando menos para consolá-lo. E como procurará por toda parte remédios para o seu mal, far-lhe-ão conhecer a causa deste, prepará-lo-ão para receber os remédios convenientes à moléstia de sua alma. Enfim, ver-se-á ele felizmente forçado a mudar de vida, ou pela impotência de perseverar no pecado, ou pelo desejo de deter o braço do Onipotente que pesa sobre ele.
Tudo isto nos faz ver suficientemente que, de qualquer modo que vivamos, deveríamos sempre receber a adversidade com alegria. Se somos bons, a adversidade nos purifica e nos faz melhores; enche- nos de virtudes e de méritos; se somos maus, se somos viciosos, ela nos corrige, força-nos a nos tornarmos virtuosos. Se em algum de nós não tem ela este feliz efeito, se há alguém que ela não transforme ou que torne ainda pior, é esse coração endurecido que tem razão de se afligir; essa resistência inflexível é de todos os indícios de reprovação o mais certo e o mais visível. Um cristão que vive mal e que Deus não castiga, deve tremer; e, se lhe resta ainda algum sentimento, deverá fremir; mas um pecador que Deus castiga e que não verga aos seus golpes, pode-se ousadamente arrolá-lo entre os réprobos e desesperar da sua salvação.

sábado, 26 de novembro de 2022

Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão?

 

Excerto retirado do
Manual da Almas Interiores
Compêndio de Opúsculos Inéditos
Pe. Grou
Livro de 1932 - 428 páginas


Do Mundo
Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão? Duas questões bem interessantes para todos quantos desejam pertencer inteiramente a Deus e assegurar a salvação.
 Que é o mundo? É o inimigo de Jesus Cristo, o inimigo do Evangelho. É esse conjunto de pessoas que, presas às coisas sensíveis, fazendo consistir nelas a felicidade, têm horror aos sofrimentos, à pobreza, as humilhações e consideram estas e aqueles, como verdadeiros males de que cumpre fugir e contra os quais de deve estar garantido, custe o que custar; que, em contraposição ligam o maior apreço aos prazeres, as riquezas e as honrarias; reputam umas e outras, verdadeiros bens; os desejam e buscam portanto, com ardor extremo e sem escolherem os meios; os disputam, invejam e arrebatam uns e outros; só se estima ou desprezam-se mutuamente, na medida em que os possuem; em suma, fundam na aquisição e no gozo desses bens todos os seus princípios toda a sua moral, todo o plano de sua conduta.
 O espírito do mundo é, pois, evidentemente oposto ao espírito de Jesus Cristo e do Evangelho. Jesus Cristo, na oração por Seuseleitos, declara não orar pelo mundo; anuncia, aos Apóstolos e, nas pessoas destes, a todos os cristãos, que o mundo os há de odiar e perseguir, como a Ele próprio odiou e perseguiu. Quer que a seu turno façam eles contínua guerra ao mundo.
 Nos primeiros séculos da Igreja, quando quase todos os cristãos eram santos e a parte restante da humanidade achava-se abismada na idolatria, fácil tornava-se discernir o mundo, conhecer a gente que se podia frequentar e a que se devia evitar.
 O mundo, então desencadeado contra Jesus Cristo, distinguia-se por sinais inequívocos. Depois que nações inteiras abraçaram o Evangelho e o relaxamento se introduziu entre os cristãos, formou-se pouco a pouco no meio deles um mundo no qual reinam todos os vícios da idolatria, um mundo ávido de honras, prazeres e riquezas, um mundo cujas máximas combatem diretamente as máximas de Jesus Cristo.
 Mas, como esse mundo professa exteriormente o cristianismo, hoje é mais difícil discerni-lo. A sua frequentação também se tornou mais perigosa porque ele disfarça sua má doutrina com mais habilidade, propaga-a com mais tento, emprega toda a sua sutileza para conciliá-la com a doutrina cristã e, nesse intuito, enfraquece, suaviza tanto quanto pode o santo rigor do Evangelho escondendo cuidadosamente, por outro lado, todo o veneno da sua moral.
 Daí um perigo de sedução tanto maior porquanto não se percebe e contra ele não se está em guarda; daí certo espírito de transigência e adaptação, pelo qual procura-se conciliar a severidade cristã com as máximas do século sobre a ambição, a cobiça, o gozo dos prazeres; acordo impossível, condescendências ou atenuações que tendem a lisonjear a natureza, alterar a santidade cristã e formar consciências falsas. É incrível a que ponto chega o desconcerto, mesmo entre pessoas que se prezam de ser piedosas e devotas: desvario num sentido mais difícil de reprimir do que o resultante de uma conduta abertamente mundana e criminosa, porque não querem reconhecê-lo e a seu respeito se iludem.
 Se quisermos viver nesta terra sem participar da corrupção do século, só temos um partido a tomar, o de rompermos absolutamente com o mundo pelo coração e entrarmos a sentir com São Paulo, quando exclamava: O mundo está crucificado para mim, e eu estou crucificado para o mundo.
 Oh! que belas palavras, e quão profundo o sentido que encerram!
 A cruz era outrora o suplício mais infame, o suplício dos escravos.
 Dizendo o Apóstolo que o mundo está crucificado para ele, é como dissesse: Tenho pelo mundo o mesmo desprezo, a mesma aversão, o mesmo horror que por um vil escravo crucificado pelos seus crimes: não posso suportar-lhe a vista, ele é para mim objeto de maldição, com o qual toda ligação em todo trato e toda relação me são interditos.
 Nada de exagerado tem, ao invés, apenas justo e legítimo é esse sentimento de São Paulo, que deve ser o de todo cristão e a razão é evidente: o mundo crucificou Jesus Cristo, depois de havê-lO caluniado, insultado, ultrajado; crucifica-O ainda todos os dias: é, pois, justo que o mundo, por sua vez, esteja crucificado para o discípulo de Jesus Cristo; é justo ter o discípulo horror ao inimigo capital do Mestre, do seu Salvador, do seu Deus. Assim a renúncia ao mundo é uma das promessas mais solenes do batismo, uma condição essencial, sem a qual a Igreja não nos teria admitido entre seus filhos.
 Pensamos nessa promessa?
 Pensamos nas obrigações que ela acarreta?
 Examinamos até onde deve chegar a nossa renúncia?
 A renúncia do cristão a respeito do mundo deve ir tão longe quanto a renúncia do mundo a respeito de Jesus Cristo.
 Esta regra é clara e em face da sua precisão fora impossível nos enganarmos. Só nos resta aplicá-la em toda a extensão. O mundo tem o seu evangelho: só temos que tomá-lo numa das mãos e o Evangelho de Jesus Cristo na outra; só temos que comparar, sobre os mesmos objetos, a doutrina e os exemplos de um e de outro,  só temos que opor Jesus Cristo na Cruz, no sofrimento, no opróbrio e na nudez, ao mundo cercado e embriagado de honras, riquezas e prazeres, e dizer a nós mesmos: A quem desejo pertencer?
 Eis aí dois inimigos irreconciliáveis, fazendo-se reciprocamente a guerra mais cruel. A favor de qual deles desejo declarar-me? É-me impossível ficar neutro, ou tomar o partido de ambos. Se escolho Jesus Cristo e a Sua Cruz, o mundo me reprova; se me prendo ao mundo e às suas pompas, Jesus Cristo me rejeita e condena: poderei hesitar? É cristão aquele que hesita sequer um instante?
 Mas, se uma vez nos alistamos sob o estandarte da Cruz, não é evidente que desde esse momento o mundo se torna inimigo com o qual não há mais a fazer pazes nem lhe dar tréguas?
 Como isso vai longe, ainda uma vez! e como os cristãos seriam santos se da grandeza de seus compromissos bem se compenetrassem.
 Não basta estar o mundo crucificado para nós, é preciso que consintamos estar também crucificados para o mundo, isto é, que o mundo nos crucifique como crucificou a Jesus Cristo; nos guerreie do mesmo modo que guerreou a Jesus Cristo; nos persiga, calunie e ultraje com igual furor; nos arrebate, finalmente, os bens, a honra, a própria vida.
 É mister não só consentirmos em todos esses sacrifícios de preferência a renunciarmos à santidade cristã, mas também fazer disso motivo de alegria e triunfo. O discípulo deve gloriar-se de ser tratado como o Mestre: Se eles me perseguiram, dizia Jesus Cristo a Seus Apóstolos, também vos perseguirão: é coisa infalível. O mundo não seria o que é, ou os cristãos não seriam o que devem ser, se escapassem à perseguição do mundo.
 Procuramos muitas vezes certificar-nos do nosso estado; quiséramos saber se somos agradáveis a Deus, se Jesus Cristo nos reconhece como pertencentes a Ele. Eis um meio bem próprio para esclarecer-nos e dissipar todas as nossas inquietações: indaguemos se o mundo nos estima e considera, se fala bem de nós e nos procura. Neste caso não pertencermos a Jesus Cristo. Pelo contrário, se ele nos censura e ridiculariza, se nos calunia foge de nós, nos despreza e odeia, oh! que grande motivo de consolação, oh! que poderosa razão para crermos que pertencemos a Jesus Cristo!
 Vejamos, pois, seriamente diante de Deus, o que o mundo é para nós e o que somos para o mundo. Sondemos as nossas disposições interiores, estudemos os sentimentos mais profundos do nosso coração: acharemos por certo, motivo para nossa confusão e humilhação; verificaremos haverem as máximas do mundo deixado profundos vestígios em nosso espírito e que em muitas circunstâncias delicadas os nossos juízos se aproximam ainda dos seus; verificaremos que somos ciosos de sua estima e temeremos seus desprezos; que gostamos de cultivar e entreter certas relações e veríamos com desprazer os outros afastarem-se de nós; que temos, em várias ocasiões, condescendências, atenções, respeitos humanos que nos incomodam peiam e conservam numa espécie de constrangimento e dissimulação. Veremos, numa palavra, que não somos bem claramente a favor de Jesus Cristo e contra o mundo.
 Mas não desanimemos: triunfar plenamente do mundo, afrontá-lo, desprezá-lo, achar bom que por sua vez ele nos afronte e despreze, não é obra de um momento. Exerçamo-nos nas pequenas ocasiões que se apresentam: se Deus nos ama, jamais deixará de no-las proporcionar e pelas pequenas vitórias reparemo-nos aos grandes combates. Lembremo-nos, sendo preciso, das palavras de Jesus Cristo: Tende confiança, eu venci o mundo. Supliquemo-Lhe que nos ajude a vencer, ou antes, que Ele mesmo vença em nós o mundo e destrua em nossos corações o reino deste para aí estabelecer o Seu.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Obrigação de vários estados

 


OBRIGAÇÕES DOS CHEFES DE FAMÍLIA

1- Sustentar a família conforme o próprio estado.
2- Não dissipar os bens da família em jogos nem em vaidades.
3- Pagar pontualmente o ordenado aos criados, jornaleiros.
4- Vigiar sobre os costumes de seus filhos e dependentes.
5- Procurar que frequentem a palavra de Deus e os santos Sacramentos.
6- Corrigi-los com prudência.
7- Castigá-los sem paixão de ira etc.
8- Tratá-los com benevolência.
9- Tê-los ocupados.
10- Assisti-los em suas doenças.
11- Edificá-los com o bom exemplo.
12- Encomendá-los a Deus, e proporcionar-lhes bons mestres, patrões etc.
13- Procurar a devida separação entre filhos e filhas, e pessoas de diferente sexo.
14- Não admitir pessoa alguma que possa, com suas conversações, ou de qualquer outra maneira, ser motivo de escândalo à família.

OBRIGAÇÕES DOS FILHOS E DEPENDENTES

1- Olhar e considerar os pais e patrões como representantes de Deus.
2- Amá-los de coração.
3- Respeitá-los devidamente e falar bem deles, tanto em sua presença como em sua ausência.
4- Obedecer-lhes com prontidão.
5- Servi-los com fidelidade.
6- Socorrê-los em suas necessidades.
7- Sofrer seus defeitos, calando sempre.
8- Rogar a Deus por eles.
9- Ter cuidado das coisas de casa.

OBRIGAÇÕES DOS MARIDOS

1- Amar a sua mulher, como Jesus Cristo a Igreja.
2- Não desprezá-la, porque é companheira inseparável.
3- Dirigi-la como inferior.
4- Ter cuidado dela, como guarda de sua pessoa.
5- Sustentá-la com decência .
6- Sofrê-la com toda paciência.
7- Assisti-la com caridade.
8- Corrigi-la com benevolência.
9- Não maltratá-la com palavras nem obras.
10- Não fazer nem dizer coisa alguma diante dos filhos , ainda que pequenos, que possa ser para eles motivo de escândalo. 

OBRIGAÇÕES DAS ESPOSAS

1- Estimar o marido.
2- Respeitá-lo como a sua cabeça.
3- Obedecer-lhe como a seu superior.
4- Assisti-lo com toda a diligência.
5- Ajudá-lo com reverência.
6- Responder-lhe com mansidão.
7- Calar quando estiver zangado e enquanto durar a zanga.
8- Suportar com paciência seus defeitos.
9- Repelir toda a familiaridade.
10- Cooperar com o marido na educação dos filhos.
11- Não desperdiçar as coisas e os bens da casa.
12- Respeitar os sogros como pais.
13- Ser humilde com as cunhadas.
14 -Conservar boa harmonia com todas as pessoas da casa.

OBRIGAÇÕES DOS JOVENS

1- Assistir ao catecismo.
2- Respeitar os anciãos.
3- Evitar as diversões perigosas.
4- Fugir da ociosidade e de companhias suspeitas.
5- De noite não voltar tarde para casa.
6- Mortificar o próprio corpo.
7- Evitar namoros, cantigas profanas etc.
8- Não tomar ocultamente nenhuma coisa, nem que seja da própria casa.
9- Rogar a Deus e tomar conselho de homens prudentes, para acertar na eleição do estado que deve tomar.

OBRIGAÇÃO DAS DONZELAS

1- Em todas as ações guardar suma modéstia.
2- Ser mui considerada nas palavras.
3- Não desejar ver nem ser vista.
4- Não vestir com vaidade.
5- Fugir de conversas a sós com homens.
6- Abominar os namoros, bailes, teatros e etc.
7- Amar os exercícios de piedade.
8- Fazer alguma discreta mortificação.

OBRIGAÇÕES DAS VIÚVAS

1- Ser modelo de virtudes para as donzelas e casadas.
2- Amiga de retiro.
3- Inimiga da ociosidade.
4- Amante da mortificação.
5- Dada à oração.
6- Zelosa de seu bom nome.

OBRIGAÇÕES DOS RICOS

1- Agradecer a Deus os bens recebidos.
2- Não pôr sua confiança neles.
3- Não acrescentá-los com usuras.
4- Não conservá-los com injustiças.
5- Não se servir deles para fomentar nenhuma paixão.
6- Ser caridoso com os pobres e com a Igreja.
7- Pensar amiúdo que os ricos estão em muito perigo de condenar-se pelo mau uso que fazem das riquezas.

OBRIGAÇÕES DOS POBRES

1- Resignar-se à vontade de Deus em sua pobreza.
2- Não apropriar-se de coisas alheias nem mesmo sob o pretexto de necessidade.
3- Industriar-se para adquirir um honesto bem-estar.
4- Procurar enriquecer-se em bens eternos.
5- Lembrar-se que Jesus Cristo e Maria Santíssima foram pobres.

OBRIGAÇÕES DOS NEGOCIANTES

1- Contentar-se com um ganho moderado.
2- Dar a todos o justo no peso e na medida.
3- Não falsificar os gêneros.
4- Não apoderar-se de todo um gênero ocasionando a miséria ao povo.
5- Guardar-se de toda a classe de fraude ou engano.
6- Ter caridade com os pobres.

OBRIGAÇÕES DOS ARTÍFICES E JORNALEIROS

1- Oferecer a Deus com frequência todas as privações e fadigas.
2- Trabalhar com toda a diligencia e exatidão.
3- Não trabalhar em dia santo, não enfadar-se nem blasfemar.
4- Não reter as coisas alheias.
5- Não ocasionar gastos, nem causar prejuízos a seus próprios patrões.
6- Não perder tempo.
7- Não faltar à palavra dada.
8- No trabalho não murmurar, nem ter conversações livres etc.

Livro: O CAMINHO RETO
- Obrigação de vários estados , Pág. 53
(St Antônio M. Claret)

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O valor do tempo

 


 O valor do tempo

"Só o não fazer bem nenhum é já um grande mal" (S. Francisco de Sales)."

Se observamos atentamente a vida de muitos cristãos, acharemos que eles não parecem estar no mundo para mais nada senão para não fazerem coisa alguma, ou, ao menos, coisas de proveito. Todas as horas do dia e da noite são gastas em atender ao corpo, à sua pessoa, à sua comodidade e bem-estar, sem as empregarem nalguma ocupação útil, sem terem um ideal digno e elevado, sem trabalharem nem pouco nem muito por Deus, pela sua alma, nem pelo bem do próximo. A cama, a mesa, o jogo, a conversa, o passeio, o café, o teatro, as excursões recreativas..., eis aqui o único campo que estes personagens inúteis cultivam; eis aqui os ídolos a quem eles prestam culto. Estão inteiramente dominados pelo vício da ociosidade; levam uma vida só de gozo e moleza; de cristãos não têm senão o nome. 

Sem chegar ao extremo destes, há outra classe de pessoas, principalmente entre as senhoras e moças de certa classe, que passam por boas porque ‘não fazem mal a ninguém’; que praticam, em pequeno grau, a piedade; que ouvem a Missa nos dias de festa (geralmente a que se celebra a hora adiantada, porque costumam levantar-se muito pouco tempo antes dessa hora); que rezam algumas orações que sabem de cor, ao levantar e ao deitar, e poucas mais durante o dia; que pertencem, talvez, a alguma confraria piedosa, a cujos exercícios de regra assistem raras vezes e para passar o tempo; que se confessam e comungam de vez em quando; que acodem a ouvir alguns sermões, se o pregador tem fama e é do seu agrado, ou a alguma grande solenidade religiosa, onde se possam mostrar piedosas e, ao mesmo tempo, satisfazer em parte, o seu desejo de exibição...; mas, afora isto (que, afinal, é tudo muito superficial) não fazem mais. 

Adotar uma vida de piedade sóbria e regrada; abraçar aquelas práticas ascéticas que exigem alguma mortificação ou vencimento de si mesmo; privar-se dos seus gostos, dos seus caprichos, dos seus divertimentos favoritos, das imodéstias e das modas, dos espetáculos profanos, sempre frívolos, frequentemente perigosos, às vezes abertamente imorais; dedicar-se a algum trabalho sério, em que empregar o tempo proveitosamente; impor-se algum sacrifício a favor do próximo; tomar parte nalguma obra de caridade ou de zelo, como, por exemplo, visitar os pobres, ajudar na catequese, atender a alguma outra necessidade espiritual ou temporal da sua paróquia, etc., tudo isto é completamente alheio ao plano de vida que levam as pessoas de que vimos falando. 

Entre o espelho, o passeio, as visitas, alguns entretenimentos levianos, a leitura de romances, a assistência a espetáculos..., entre estas, digo, e outras frivolidades semelhantes, empregam as horas do dia, as de todos os dias, e assim passam as semanas, os meses e os anos, como se vê, numa completa ociosidade; porque esta não consiste só em não fazer nada, mas também em fazer coisas inúteis ou pueris, que não trazem benefício nenhum nem a si nem aos demais, como são todos os passatempos que acabamos de enumerar e outros deste teor. 

Finalmente, entre as pessoas verdadeiramente virtuosas, pode dar-se também, e tem-se dado (se bem que muitíssimo menos acentuado, menos grosseira e mais sutil), certa espécie de ociosidade; pois é tal a índole deste vício, que como filho da preguiça, ataca em menor ou maior grau todos os homens, mesmo os mais espirituais, sendo poucos os que não sintam alguma vez a sua influência perniciosa.

E assim, são efeitos desta ociosidade ou preguiça espiritual essa inapetência, esse tédio que de vez em quando experimentam estas almas no cumprimento das suas próprias obrigações, ou no exercício das práticas de piedade, e que faz com que omitam ou que encurtem ou que vão deixando para depois, ou que executem com frouxidão e negligência o trabalho, a meditação, a recitação do Ofício Divino, o exame particular, a leitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., ocupando-se, entretanto, de outras coisas que são mais do seu agrado, ou em recreação mais do seu agrado, ou em leitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., espirituais, sendo poucos os que são excessivamente prolongadas, ou em conversas e visitas inúteis, ou talvez em divagações da imaginação e do espírito, pensando em coisas quiméricas e inoportunas, e comprazendo-se em fazer castelos no ar, em vez de se aplicarem em coisas de mais próxima realização e em cumprirem com fiel exatidão o plano de vida que costumam ter estabelecida para o devido emprego do tempo. 

Examina-te, querido leitor, e vêm em que grau e proporção pagas tributa à ociosidade pra que resolvas fazer um esforço generoso para a combater e evitar, se queres agradar ao Senhor e adiantar no caminho da perfeição; pois é um dos vícios que mais retardam o progresso na vida espiritual. 'Se entre todas as graças - escreve o preclaríssimo padre Faber - a maior é a perseverança, porque é a que dá às outras um valor durável, a preguiça ou ociosidade espiritual é, pelo contrário, entre todos os vícios que atacam a vida espiritual, o mais pernicioso, porque é a antítese da perseverança' ('O Progresso da Vida Espiritual', cap. XIV).

Certamente, santidade e ociosidade são duas coisas incompatíveis. Se os Santos chegaram ao grau de perfeição que admiramos neles, foi porque nunca estiveram ociosos. Santo Afonso Maria de Ligório fez o voto de não desperdiçar um momento de tempo.

'Compreendemos - escreve por este mesmo motivo o mesmo padre Faber - que um homem como esse, que com toda a sua discrição e humildade, se atreveu a fazer um voto de tal natureza, devia levar uma vida que não podia ter outro fim o de o porém nos altares' (Idem). 

A nós não se nos pede tanto, nem seria prudente que sem uma inspiração muito particular do alto e o conselho de um diretor experimentado, fizéssemos um voto semelhante; mas o que nos exige Nosso Senhor é que evitemos a ociosidade não demos motivos para que possam dizer a nós como aos obreiros da parábola da vinha: 'Como estais aqui ociosos todo o dia?' (Mt XX, 6). 

Que grande pena e que cegueira tão deplorável inutilizar em bagatelas o tempo que Deus nos concede para negociarmos com Ele a nossa salvação e irmos acrescentando o cabedal dos nossos merecimentos, aos quais há de corresponder depois o grau de glória de que gozaremos no Céu! E que linguagem tão insensata a daquelas pessoas que, deixando deslizar a sua vida na ociosidade, se expressam nestes ou em termos semelhantes: 'Vamos a tal ou tal divertimento, a fazer esta ou aquela visita, a ver tal ou tal espetáculo... para evitar o aborrecimento e passar o tempo'. São Bernardo não suportava esta expressão. 'Oh! - exclamava o santo - para passar o tempo que a Misericórdia do Criador te concedeu benignamente para fazeres penitência, para obteres o perdão dos teus pecados, para adquirires a graça, para mereceres a glória!'

Oh! Para 'passar o tempo, em que devias trabalhar com toda a tua diligência para atraíres sobre ti a piedade divina, aspirares à companhia dos anjos e bem-aventurados do Céu, suspirares pela herança divina e chorares tuas iniquidades passadas' (De Diversis, Serm.17). 

A perda de tempo é um grande mal, e um mal irreparável. O tempo que deixamos correr na ociosidade, já não voltará mais. Podemos empregar proveitosamente o tempo presente, único de que dispomos, e o tempo vindouro, que o Senhor se digne conceder-nos; e faremos bem nisso, sem dúvida, para compensarmos de alguma maneira a nossa preguiça e inação passadas; mas fazer que volte o tempo passado, para o empregarmos melhor, isso é já um impossível. 

Pensa nisso, amadíssimo leitor, e pensa além disso, nos graves perigos que traz consigo a perda de tempo, quer dizer, a ociosidade. As Sagradas Escrituras assinalam esta como fonte e mãe de muitos pecados, resumindo a gravidade deste vício nestas palavras do Eclesiástico: 'Muitas são as maldades que a ociosidade ensinou' (Ecl XXXIII, 29). Os mesmos Livros Santos chamam estultíssimo ao homem que entrega ao ócio (Prov XII, 11). E o profeta Ezequiel enumera a ociosidade dos habitantes de Sodoma entre as causas principais da sua depravação e iniquidade (Ez XVI, 49). 

São Bernardo chama à ociosidade 'mãe das frivolidades, madrasta das virtudes, sentina de todas as tentações e maus pensamentos', e acrescenta que 'a luxúria aflige mais e seduz mais o homem quando está ocioso' (De modo bene vivendiSerm. 51). Santo Agostinho, depois de evocar a triste queda de três personagens do Antigo Testamento: Davi, Salomão e Sansão, diz a propósito disto: 'Enquanto estiveram entregues às suas ocupações mantiveram-se santos; mas na ociosidade pereceram' (Ad. Frat. in erem., Serm. 17).'Sempre se viu - escreve um escritor ascético - correr claro e cristalino o arroio pelo declive de uma colina; mas, parando na planície, torna-se limoso; e, mais tarde, agitando-se as suas águas, que encontra nela? Inúmeros répteis: Reptilia quorum non est numerus.Eis aqui o coração do homem que dorme na inércia e na ociosidade' (Pe. Chaignon, Meditações Sacerdotais). 

Alma devota que lês isto, evita a ociosidade com todo o empenho e diligência (não a confundas com o divertimento moderado e honesto); e ainda que em ti não se ache muito acentuada essa ociosidade e não te julgues em ocasião próxima de te veres induzido por ela às graves desordens que acabamos de apontar, tem presente que, se não aproveitas bem o tempo, se és mais ou menos preguiçosa e negligente no cumprimento dos teus deveres, nas práticas de piedade ou de zelo, que a tua situação e circunstâncias te permitam realizar, não adiantarás na virtude, estarás sempre estacionada e envolta nos mesmos defeitos, e não corresponderás aos desígnios de Deus, que te quer mais trabalhadora, mais diligente no Seu serviço, mais perfeita, mais santa. E no fim da vida te encontrarás muito vazia de merecimentos. 

Resolve-te, pois, a empregar bem o tempo que o Senhor te oferece para te santificares cada dia mais e mais; crescer em graça, em virtude, em méritos e depois na glória por toda a eternidade. 

Se perguntássemos aos bem-aventurados do Céu, que estão agora a desfrutar do Sumo Bem, quanto lhes custou ganhar essa coroa imortal de glória e de felicidade, responder-nos-iam que a tinham conquistado por baixo preço com um curto espaço de tempo, com alguns poucos anos empregados santamente aqui nesta vida. Isto fez dizer a São Bernardino de Sena que, num certo sentido, o tempo é o Céu, visto que com ele se pode comprar o Céu; mais ainda, que o tempo vale tanto como Deus, já que empregar bem o tempo equivale a permutá-lo com a posse eterna de Deus (Serm. 18). 

Procuremos, caríssimo leitor, seguir nisto, como em tudo, os ensinamentos e os exemplos dos Santos, inimigos declarados da ociosidade. Interrogada, um dia, Santa Joana Francisca de Chantal, por que não queria descansar nenhum momento e por que era tão avara do tempo, respondeu: 'Porque já não é meu: consagrei-o ao Senhor, e não posso tirar dele nenhum só instante, sem que cometa uma injustiça contra Aquele a quem pertence'. E São Francisco de Sales, aquele varão apostólico, que tão bem soube empregar os dias todos de sua vida, fecundíssima certamente, em obras de caridade e de zelo pela glória divina e pela salvação das almas, costumava dizer com a mais profunda humildade: 'Quando reflito sobre o emprego que fiz do tempo de Deus, temo que não me queira dar a Sua eternidade, reservada somente aos que fazem bom uso dele'.

Tempo de Deus!

diz o santo. Verdadeiramente, é de Deus e não nosso, porque Ele é que no-lo concede na Sua amorosa Providência para que o consagremos inteiramente a Ele e o empreguemos no Seu divino serviço. Ditosos nós, se assim o fizermos! Que paz interior teríamos durante a nossa vida; que esperança tão doce e consoladora na hora da nossa morte; que galardão tão grande por toda a eternidade!" 

(Da obra: A perfeição cristã, segundo o espírito de São Francisco de Sales)

SEJA UM BENFEITOR!