Sermão para o 1º Domingo da Paixão
13.03.2016
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Nós entramos nesse domingo no Tempo da Paixão, que são essas duas últimas semanas da Quaresma. A Igreja quer colocar diante de nós a paixão de Nosso Senhor Jesus, para que nos concentremos realmente naquilo que é o centro da obra da redenção. Na paixão e morte de Cristo, vemos todos os seus sofrimentos, vemos Nosso Senhor suando sangue em sua agonia, batido, flagelado, coroado de espinhos, zombado, carregando a cruz, pregado na cruz, abandonado por quase todos os discípulos. Mas sabemos que o principal motivo de seus sofrimentos são os pecados. Em particular, os nossos pecados, os pecados daqueles que confessam que Cristo é homem e Deus, que fazem profissão de segui-lo, mas o ofendem. Nosso Senhor sofreu pelos nossos pecados para nos salvar. Sendo completamente inocente, Ele quis sofrer para nos salvar. Quis sofrer para reparar à Santíssima Trindade pelos nossos pecados e para nos demonstrar toda a sua caridade infinita para conosco, a fim de que pudéssemos responder com semelhante caridade. Nosso Senhor sofreu mais do que qualquer homem e mais do que todos os homens juntos. Nós mal podemos começar a imaginar a profundidade e a intensidade dos sofrimentos de Nosso Senhor, sobretudo os sofrimentos de sua alma, ao contemplar o desprezo com que tantas vezes respondemos ao seu amor. O seu sofrimento ao ver que respondemos ao seu amor com nossos pecados, ofendendo-O. Nosso Senhor, sendo Deus e homem, sendo a própria santidade, sem mancha alguma, sofreu imensamente.
E nós não queremos sofrer. Nós, sendo pecadores, queremos nos assemelhar a Cristo sem passar pelo sofrimento. Queremos chegar à glória celeste, à vida bem-aventurada no céu sem passar pelo sofrimento ou querendo escolher o sofrimento que queremos aceitar. No fundo, queremos ser santos à nossa maneira. Quero ser santo como eu quero. Isso não é possível. É Deus quem nos mostra como Ele quer que sejamos santos. Nosso Senhor Jesus Cristo nos disse: aquele que quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Devemos renunciar a nós mesmos, à nossa vontade própria para sermos santos, claro, sempre na Igreja Católica, sempre com a fé e cumprindo os mandamentos.
Alguns querem ser santos como idealizaram: sofrendo as tribulações que são honrosas, que trazem reconhecimento. Isso não é amar a cruz, mas a honra e o reconhecimento. Outros estariam dispostos a suportar o mal, desde que não fossem incomodados em seus desígnios ou desde que não atingissem tal ponto. Diante do mal, diz São Francisco de Sales, devemos opor os remédios que forem possíveis e conformes à vontade de Deus. Feito isto, devemos esperar com inteira resignação o que Deus achar melhor. Se lhe agrada que os remédios afastem o mal, devemos agradecer-lhe com humildade. Mas se lhe agrada que a provação perdure, devemos bendizê-lo e louvá-lo com paciência. Nossa cruz nunca é maior que as nossas forças sustentadas pela graça divina.
O caminho para atingir a santidade vai sendo traçado por Deus ao longo de nossa vida. Jamais seremos santos como queremos, ou segundo o modo que nos agrada ser santos. Para sermos santos, é preciso que renunciemos a nós mesmos, e tomemos a nossa cruz e sigamos a Cristo.
A terra é um lugar de merecimentos, e por isso é, também, um lugar de sofrimentos. O Céu é nossa pátria, lá Deus nos preparou o repouso numa eterna felicidade. Passamos pouco tempo neste mundo, mas neste pouco tempo temos muitas dores a sofrer. “O homem nascido de mulher vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias”. (Jó 14,1). É preciso sofrer e todos têm de sofrer; seja justo ou pecador, cada um deve carregar sua Cruz. Quem a carrega com paciência se salva; quem a carrega com impaciência se perde. As mesmas misérias, diz Santo Agostinho, levam alguns para o Céu, e outros para o inferno. Com a prova do sofrimento se distingue a palha do trigo na Igreja de Deus: quem se humilha nos sofrimentos e se submete à vontade de Deus é trigo destinado ao Céu; quem é soberbo e fica impaciente, a ponto de voltar as costas para Deus, é palha que é destinada ao inferno.
O Verbo Eterno desceu à terra para nos ensinar, com Seu exemplo, a carregar com paciência as cruzes que Deus nos manda. “Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os Seus passos”. (1 Pd 2,21). Jesus Cristo quis sofrer para nos encorajar no sofrimento. Qual foi a vida de Jesus Cristo? Foi uma vida de humilhações e sofrimentos: “Desprezado, último dos homens, homem das dores!” (Is 53,3). Sim, a vida de Jesus Cristo foi toda cheia de trabalhos e dores.
Como Deus tratou seu Filho predileto, do mesmo modo trata a todos aqueles que Ele ama e recebe como filhos. Santa Teresa diz que sentiu na sua alma como se Deus lhe falasse: “Fica sabendo que as pessoas mais queridas de Meu Pai são as que são mais afligidas com os maiores sofrimentos.” Por esta razão, quando ela se via nos sofrimentos, dizia que não os trocaria por todos os tesouros do mundo.
Conta-se que, depois de sua morte, ela apareceu a uma de suas companheiras e lhe revelou que recebera um grande prêmio no Céu. Tinha recebido este prêmio, não tanto por suas boas obras, como pelos sofrimentos suportados em sua vida, de boa vontade e por amor a Deus. E se desejasse por algum motivo voltar à terra, seria unicamente para poder ainda sofrer mais alguma coisa por Deus.
São Vicente de Paulo afirmava que se deve considerar como grande desgraça nesta vida o não ter nada a sofrer; e acrescentava que uma congregação Religiosa ou uma pessoa que não sofre e a quem todos aplaudem, está próxima de uma queda. Quando São Francisco de Assis passava um dia sem nada sofrer por Deus, temia que Deus tivesse se esquecido dele.
E São João Crisóstomo escreve: Quando o Senhor concede a alguém a graça de sofrer, faz-lhe um bem maior do que se lhe desse o poder de ressuscitar os mortos. Isto por que o homem que faz milagres se torna devedor a Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor ao homem. Quem padece alguma coisa por Deus, se não tivesse outra graça senão a de poder sofrer por amor a Deus, já deveria considerar-se muito recompensado. Por isso, dizia ele, São Paulo apreciava mais a graça de ser preso por Jesus Cristo do que a de ser arrebatado ao terceiro Céu.
“A Paciência produz uma obra perfeita.” (Tg 1,4). Isso quer dizer que não existe coisa mais agradável a Deus do que sofrer com paciência e paz todas as cruzes por Ele enviadas. É próprio do amor, fazer a pessoa que ama semelhante à pessoa amada. Dizia São Francisco de Sales: “Todas as chagas do redentor são outras tantas palavras que nos ensinam como devemos sofrer por Ele. Esta é a sabedoria dos santos, sofrer constantemente por Jesus; assim ficaremos logo santos.” Quem ama o Salvador deseja ser como Ele, pobre, sofredor e desprezado.
São João viu todos os santos vestidos de branco, segurando palmas nas mãos. (Ap 7,9). A palma é o símbolo do martírio; mas nem todos os santos foram martirizados. Por que então todos seguram palmas? Responde São Gregório que todos os Santos foram mártires ou pela espada ou pela paciência. E acrescenta: “Nós podemos ser mártires sem a espada, se guardamos a paciência.”
O mérito de uma pessoa que ama Jesus Cristo consiste em amar e sofrer. Eis o que Deus fez Santa Teresa entender: “Pensa, minha filha, que o mérito consiste nos prazeres? Não, o mérito consiste em sofrer e amar. Veja minha vida cheia de dores. Acredite, minha filha, aquele que é mais amado por meu Pai recebe dEle cruzes maiores; ao sofrimento corresponde o amor. Veja estas minhas chagas, as suas dores nunca chegarão a tanto. Pensar que Meu Pai admite alguém na sua amizade sem o sofrimento é um absurdo”… Mas acrescenta Santa Teresa: Deus não manda nenhum sofrimento sem pagá-lo imediatamente com algum favor. Com o sofrimento, Deus manda as graças para podermos suportá-lo com paciência e mérito. Devemos ser fiéis a essas graças.
São três as principais graças que Jesus faz às pessoas amadas por Ele: a primeira, não pecar; a segunda, que é maior, o fazer boas obras; a terceira, que é a maior de todas, sofrer por seu amor. Dizia Santa Teresa que quando alguém faz algum bem a Deus, o Senhor lhe paga com alguma Cruz. Eis por que os santos agradeciam a Deus ao receberem os sofrimentos.
São Luiz, Rei de França, falando da escravidão que sofreu, diz: “Eu me alegro e fico muito agradecido a Deus mais pela paciência que me concedeu na minha prisão do que se tivesse conquistado a terra inteira”. Santa Isabel, rainha da Hungria, tendo perdido seu esposo, foi expulsa do lugar onde morava com seu filho. Sem abrigo e abandonada por todos, dirigiu-se a um convento dos franciscanos e mandou cantar um hino de ação de graças a Deus pelo favor que Ele lhe concedia ao fazê-la sofrer por Seu amor.
Dizia São José Calazans: “Para ganhar o Céu, todo sofrimento é pouco.” E São Paulo: “Os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória futura.” Devemos, então, abraçar as nossas cruzes, sabendo que os sofrimentos desta vida curta nos farão conquistar uma felicidade eterna. “As nossas tribulações do momento são leves e nos preparam um peso de glória eterna.” (2 Cor 4,17).
Santo Agapito, mocinho de poucos anos, quando foi ameaçado de morte, respondeu: “Que maior felicidade posso eu ter, do que a de perder a minha cabeça para vê-la depois coroada no Céu?” São Francisco costumava sempre dizer: “O bem que espero é tão grande que todo sofrimento é uma satisfação para mim.” Para obter o paraíso é preciso lutar e sofrer. “Se sofremos com Cristo, com Ele reinaremos.”
Não pode haver prêmio sem merecimento, nem merecimento sem paciência. “Não recebe a coroa, senão aquele que lutou segundo as regras do jogo.” (2 Tm 2,12; 2,5). Terá maior coroa quem combate com maior paciência.
Coisa admirável! Quando se trata dos bens temporais desta terra os mundanos procuram conquistar o máximo de coisas possíveis. Quando se trata dos bens eternos dizem que basta um cantinho no Paraíso. Esse não foi o comportamento dos santos. Nesta vida, os santos contentaram-se com qualquer coisa e se desapegaram dos bens terrenos. Tratando-se dos bens eternos eles procuraram ganhar o mais possível. Agora eu lhes pergunto quem age com mais sabedoria e prudência? Os santos, claro.
Falando desta vida, é certo que quem padece com mais paciência vive com maior paz. Dizia São Felipe Neri que neste mundo não há Purgatório: ou é Paraíso ou é um Inferno. Os que suportam com paciência os sofrimentos desta vida estão como que no Paraíso. Quem assim não suporta os sofrimentos dessa vida com paciência, faz da própria vida um Inferno! Sim, porque como escreve Santa Teresa: quem abraça as cruzes que Deus lhe manda não as sente ou as carrega com suavidade e doçura, mesmo quando as cruzes são grandes.
São Francisco de Sales, achando-se uma vez cercado de sofrimentos, disse: “De algum tempo para cá as grandes tribulações e oposições que sinto me trazem uma paz tão grande e me predizem a união próxima e estável de minha alma com Deus; sinceramente falando, é a única ambição e o único desejo de meu coração.” Na verdade, não há paz para aqueles que levam uma vida errada, mas só para quem vive unido com Deus e com sua santa vontade.
Um missionário religioso, nas Índias, assistia uma vez à execução de um condenado. Este, antes de morrer, chamou-o e lhe disse: “Sabe Padre, eu fui de sua congregação Religiosa. Enquanto observava o regulamento de vida, eu era muito feliz. Mas desde que comecei a relaxar, achei tudo difícil e passei a me aborrecer com tudo. Abandonei a vida religiosa para me entregar aos vícios; eles finalmente me trouxeram a este fim desgraçado que agora o senhor está vendo. Digo-lhe isto para que o meu exemplo possa servir a outros.” A recusa do sofrimento vai gerando a revolta, que gera o afastamento de Deus, que leva à perda da fé.
Dizia o Padre Luís da Ponte: “Considere como amargas as coisas doces desta vida e como doces as amargas; assim terá sempre paz.” Isso é verdade, por que os prazeres ainda que agradáveis à natureza, deixam sempre o amargor do remorso da consciência devido ao apego desordenado que, no mais das vezes, colocamos neles. Mas as amarguras desta vida, aceitas das mãos de Deus com resignação, tornam-se suaves e queridas às pessoas que amam o Senhor.
Essas palavras acima, sobre o sofrimento, São de Santo Afonso, que cita inúmeros santos. E ele poderia citar todos, pois todos os santos disseram ou viveram a mesma coisa. Parece loucura e, de fato, é loucura para o mundo. Mas é a sabedoria do cristão. Não pode haver caminho para o céu e para a santidade que não passe pelas cruzes e sofrimentos. O sofrimento bem suportado por Deus é o segredo da vida. É a chave da vida cristã.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Publicação original: Missa Tridentina em Brasília — [Sermão] O sofrimento: segredo da vida cristã