quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

JESUS NA CASA DE NAZARÉ

 




Descendit (Iesus) cum eis, et venit Nazareth, et erat subditus illis — “Desceu (Jesus) com eles, e veio para Nazaré e lhes estava sujeito” (Luc. 2, 51).

Sumário. De volta do Egito, São José foi para a Galiléia e fixou a sua morada na pobre casa de Nazaré. Foi portanto ali que o Filho de Deus passou na obscuridade e no desprezo o resto de sua infância e mocidade, até a idade de trinta anos, a fim de nos ensinar a vida humilde, recolhida e oculta. E apesar disso há tantos cristãos tão orgulhosos, que só ambicionam ser vistos e honrados!… Examinemo-nos, se por ventura somos do número desses ambiciosos.

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Quando São José voltou para a Palestina, soube que Arquelau reinava na Judéia, no lugar de seu pai Herodes. Teve, pois, medo de ir para lá, e avisado em sonho, retirou-se para Nazaré, cidade da Galiléia, onde fixou sua morada numa pobre casa. Ó ditosa casa de Nazaré, eu te saúdo e te venero! Há de chegar um tempo em que serás visitada pelas primeiras grandezas da terra. Quando os romeiros se virem dentro de ti, não se saciarão de derramar lágrimas de ternura, lembrando-se que é dentro das tuas pobres paredes que o Rei do céu passou quase toda a sua vida.

É naquela casa que o Verbo Encarnado viveu o resto de sua infância e da sua mocidade. E como viveu? Viveu pobre e desprezado pelos homens, qual simples oficial e obedecendo a Maria e José: et erat subditus illis — “e lhes estava sujeito”. Ó Deus! Que ternura se experimenta em pensar que naquela pobre casa o Filho de Deus faz o ofício de criado! Ora vai buscar água, ora abre ou fecha a loja, ora varre a casa, ora ajunta as achas para o fogo, ora afadiga-se ajudando José em seus trabalhos. Ó assombro! Ver um Deus que varre a casa! Um Deus que faz o ofício de servente! Ó pensamento que devia abrasar a todos em santo amor para com um Redentor que tanto se abaixou para se fazer amar por nós!

Adoremos todas essas ações humildes de Jesus, porquanto foram todas divinas. Adoremos sobretudo a vida oculta e desprezada que Jesus Cristo levou na casa de Nazaré. Ó homens orgulhosos, como podeis ter a ambição de serdes vistos e honrados vendo o vosso Deus que passa trinta anos de sua vida em pobreza, oculto e ignorado, para vos ensinar o recolhimento e a vida humilde e oculta?

Ó Menino adorado! Eu Vos vejo, qual humilde operário, trabalhar e suar numa pobre oficina. Já entendo: é para mim que Vos abateis e fatigais de tal sorte. Assim como empregastes toda a vossa vida por amor de mim, fazei, ó meu amado Senhor, que eu empregue também por vosso amor o que ainda me resta de vida. Não considereis a minha vida passada, que tanto para mim como para Vós tem sido uma vida de dor e de lágrimas, uma vida desregrada, uma vida de pecados. Permiti, ó Jesus, que a Vós me associe nos dias que ainda me restam, deixai-me trabalhar e sofrer convosco na oficina de Nazaré e depois morrer convosco no Calvário, abraçando a morte que me destinastes.

Ó meu amadíssimo Jesus, meu amor, não permitais que eu Vos deixe e Vos abandone novamente, como fiz outrora. Vós, ó meu Deus, vivestes oculto, ignorado e desprezado, e sofrestes numa oficina em tão grande pobreza, e eu, verme desprezível, andei atrás das honras e prazeres, e por eles me separei de Vós, Bem supremo! Agora, porém, ó meu Jesus, eu Vos amo; e porque Vos amo, não quero mais viver longe de Vós. Renuncio a tudo o mais para unir-me a Vós, ó meu Redentor, oculto e humilhado por mim. Com a vossa graça me dais mais contentamento do que jamais me têm dado todas as vaidades e prazeres da terra, pelos quais tive a desgraça de Vos deixar.

Ó Virgem Santíssima, que ditosa sois por haverdes acompanhado vosso Filho na sua vida pobre e oculta, e vos terdes assim feito semelhante ao vosso Jesus. Minha Mãe, fazei que eu também, ao menos pelo pouco tempo de vida que me resta, me torne semelhante a vós e a meu Redentor. — “E Vós, ó Pai Eterno, que pelo mistério da Encarnação do Verbo consagrastes misericordiosamente a casa da Bem-aventurada Virgem Maria, e a colocastes maravilhosamente no seio da vossa Igreja, concedei-nos que, afastados dos tabernáculos dos pecadores, mereçamos habitar em vossa santa Casa, pelo mesmo nosso Senhor Jesus Cristo.” (1) (II 383.)

1. Or. Eccl.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

QUANTO É CARA A DEUS A ALMA QUE SE LHE ENTREGA TODA

Ego dilecto meo, et ad me conversio eius — “Eu sou para o meu amado e Ele para mim se volta” (Cant. 7, 10).

Sumário. Meu irmão, cuida em expulsar do teu coração tudo que não seja Deus, ou não conduza ao seu amor e consagra-te a Ele inteiramente e sem reserva. Não será justo por ventura que sejas todo daquele que se fez todo teu? Além disso lembra-te de que Jesus Cristo ama mais uma alma que inteiramente se Lhe consagra do que mil almas tíbias e imperfeitas. São as almas generosas e todas de Deus que estão destinadas a preencher o coro dos Serafins.

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Deus ama todos aqueles que O amam (1). Muitos, porém, consagram-se a Deus, mas conservam ainda no coração alguma afeição às criaturas, a qual os impede de serem inteiramente de Deus. Ora, como é que Deus se quererá dar todo à alma que juntamente com Ele ama as criaturas? Com razão usará Deus de reserva para com a alma que se mostra reservada para com Ele. Ao contrário, Deus se dá todo às almas que expulsam do coração tudo que não seja Deus ou não conduza ao amor de Deus, e que, consagrando-se a Deus sem reserva, dizem com todas as veras:Deus meus et omnia– meu Deus e meu tudo.

Enquanto Santa Teresa nutria na alma um afeto desordenado, embora não pecaminoso, a certa pessoa, não lhe foi dado ouvir Jesus Cristo dizer-lhe, como depois lhe foi concedido, quando, tendo-se ela desprendido de qualquer afeto terrestre e entregue sem reserva ao amor divino, o Senhor lhe disse: “Já que és toda minha, eu sou todo teu.” Pelo amor que nos tem, o Filho de Deus se deu todo a nós: Dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis (2) – “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós”. Se pois, diz São João Crisóstomo, se deu a ti sem reserva, é de justiça que também te dês inteiro a Deus e Lhe digas de hoje em diante: Dilectus meus mihi et ego illi (3) — “O meu amado é para mim e eu sou para Ele”.

Revelou Santa Teresa a uma sua religiosa, à qual apareceu depois da morte, que Deus ama com mais amor uma alma, sua esposa, que se Lhe dá toda inteira, do que mil outras tíbias e imperfeitas. Com almas generosas e todas de Deus é que se preenche o coro dos Serafins. Diz o mesmo Senhor que ama tanto uma alma que aspira à perfeição, como se amasse somente a ela: Una est columba mea, perfecta mea (4). Por isso, o Bem-aventurado Egídio fazia esta exortação: Una uni — A única para o único. Com o que queria dizer que a única alma que nós temos, devemos dá-la, toda e não dividida, àquele que só merece o nosso amor, de quem depende todo o nosso bem e que mais do que ninguém nos ama. É o que repetia também São Bernardo: Sola esto, uto soli te serves. Ó alma, dizia, conserva-te só, não te dividas no afeto às criaturas, a fim de seres toda somente daquele que só merece um amor infinito e a quem somente deves amar.

Dilectus meus mihi, et ego illi— “O meu amado é para mim, e eu sou para Ele”. Ó meu Deus, já que Vós Vos destes todo a mim, eu seria demasiadamente ingrato se não me desse todo a Vós. Visto que me quereis todo para Vós, eis-me aqui, meu Senhor; eu me dou todo a Vós. Aceitai-me pela vossa misericórdia, não me desprezeis. Fazei com que o meu coração, que algum tempo amou as criaturas, agora se dê todo a amar a vossa bondade infinita. “Morra de uma vez este eu”, dizia Santa Teresa, “e viva em mim outro que não eu. Viva em mim Deus e me dê vida. Reine Ele, e seja eu escrava; a minha alma já não quer mais outra liberdade.” É muito pequeno o meu coração, ó Senhor meu amabilíssimo e pouco suficiente para Vos amar, porque Vós sois digno de um amor infinito. Muito grande injustiça, pois, Vos faria, se ainda quisesse dividi-lo e amar outra coisa que não a Vós.

Eu Vos amo, meu Deus, sobre todas as coisas, e só a Vós. Renuncio a todas as criaturas e me dou inteiramente a Vós, meu Jesus, meu Salvador, meu Amor, meu tudo. Digo e quero dizer sempre: Quid mihi est in coelo? Et a te quid volui super terram?… Deus cordis mei, et pars mea Deus in aeternum (5). Nada mais desejo, nesta vida nem na outra, senão possuir o tesouro do vosso amor. Ó Deus de meu coração, não quero que as criaturas ainda ocupem lugar em meu coração; só Vós sereis o meu Senhor, só a Vós quero pertencer para o futuro, só Vós sereis o meu bem, o meu repouso, o meu desejo, todo o meu amor. Com Santo Inácio, só uma coisa Vos peço e de Vós espero: Dai-me o vosso amor e a vossa graça, e serei bastante rico. — Santíssima Virgem Maria, fazei com que eu seja fiel a Deus e nunca mais revoque a doação de mim mesmo, que fiz ao meu Senhor. (IV 122.)

Prov. 8, 17.
2. Eph. 5, 2.
3. Cant. 2, 16.
4. Cant. 6, 8.
5. Ps. 72, 25 – 26.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso



 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

VINDA DO DIVINO JUIZ E EXAME NO JUÍZO FINAL

 


Videbunt Filium hominis venientem in nubibus coeli, cum virtute multa et maiestate — “Eles verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade”(Mt.  24, 30).

Sumário. Eis que se abrem os céus e os anjos vêm assistir ao juízo trazendo as insígnias da Paixão de Jesus Cristo, e especialmente a Cruz. Vêm depois os santos apóstolos e todos os seus imitadores; vem a Rainha dos Santos, Maria Santíssima, e por fim o eterno Juiz mesmo, que, sentado num trono de majestade e de luz, procederá ao exame. Reflitamos aqui: O que será de nós nesse dia? Que desculpas poderemos alegar, se por ventura formos condenados?

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Considera como a divina Justiça julgará todos os povos no vale de Josafá, quando, no fim do mundo, ressuscitarem os corpos para receberem, juntamente com a alma, a recompensa ou o castigo, segundo as suas obras. Eis que já se abrem os céus, e os anjos vêm assistir ao juízo, trazendo as insígnias da Paixão de Jesus Cristo, segundo Santo Tomás. Aparecerá sobretudo a Cruz:E então aparecerá o sinal do Filho do homem, e todos os povos da terra se lastimarão em pranto(1). Diz Cornélio a Lapide: Ao verem a Cruz, como chorarão nesse dia os pecadores, que em vida não cuidaram da sua salvação eterna, que tanto custou ao filho de Deus! Assistirão também, na qualidade de assessores, os santos apóstolos e todos os seus imitadores, que juntamente com Jesus Cristo julgarão as nações. Fulgebunt iusti, indicabunt nationes (2) — “Os justos refulgirão e julgarão as nações”. Virá assistir igualmente a Rainha dos Santos e dos Anjos, Maria Santíssima.

Aparecerá enfim o eterno Juiz, num trono de majestade e de glória: Et videbunt Filium hominis venientem in nubibus coeli, cum virtute multa et maiestate — “Eles verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade.” A vista de Jesus regozijará os eleitos, mas para os réprobos será maior tormento que o inferno mesmo, diz São Jerônimo. Por isso exclamava Santa Teresa: Meu Jesus, infligi-me qualquer outro castigo, mas não me deixeis ver nesse dia a vossa face indignado contra mim. E São Basílio acrescenta: Superat omnem poenam confusio ista: esta vista será o mais horrível de todos os tormentos. Então cumprir-se-á a profecia de São João: os condenados rogarão às montanhas que caiam sobre eles e os livrem da vista do Juiz irritado. Abscondite nos a facie sedentis super thronum et ab ira Agni (3).

Principia o julgamento. Manuseiam-se os processos, isto é, põe-se a descoberto a consciência de cada um:Iudicium sedit et libri aperti sunt(4) — “Assentou-se o juízo e abriram-se os livros”. As primeiras testemunhas chamadas a depor contra os réprobos, serão os demônios, que (segundo Santo Agostinho) dirão: “Deus de justiça, mandai que seja nosso aquele que de nenhum modo quis ser vosso.” Testemunhas serão em segundo lugar as próprias consciências: dando-lhes testemunho a própria consciência (5). Outras testemunhas, a clamarem vingança, serão as paredes da casa onde Deus foi ofendido pelos pecadores: Lapis de pariete clamabit (6).

Virá afinal o testemunho do próprio Juiz, que esteve presente a todas as ofensas que lhe foram feitas. Diz São Paulo que então o Senhor manifestará o que se acha escondido nas trevas (7); isto é, descobrirá então aos olhos de todos os homens os mais recônditos e vergonhosos pecados dos réprobos, que eles em vida ocultaram aos próprios confessores: Revelabo pudenda tua in facie tua (8). Os pecados dos eleitos, segundo o Mestre das Sentenças e outros teólogos, não serão manifestados, mas ficarão encobertos, conforme estas palavras de Davi: Bem-aventurados aqueles cujas iniqüidades são perdoadas e cujos pecados são encobertos (9). Pelo contrário, os dos réprobos, diz São Basílio, serão vistos de todo o mundo num relance de olhos, como num quadro.

Considera agora, meu irmão: o que será de ti nesse dia?… quão grande será a tua confusão se por desgraça te perderes?… que desculpas poderás alegar? Eia pois, faze penitência, muda de vida, dá-te inteiramente a Deus e começa a amá-Lo devéras.

Sim, meu Jesus, já Vos ofendi bastante; não quero empregar a vida que ainda me resta, em dar-Vos novos desgostos. Não é isso o que Vós mereceis. Quero empregá-la somente em amar-Vos e em chorar os meus pecados, que agora detesto de todo o meu coração.

† Ó dulcíssimo Jesus, não sejais meu juiz, senão meu Salvador (10). — E vós, ó minha Mãe Maria, rogai a vosso divino Filho por mim. (*II 115.)

Matth. 24, 30.
2. Sap. 3, 7.
3. Apoc. 6, 16.
4. Dan. 7, 10.
5. Rom. 2, 15.
6. Habac. 2, 11.
7. 1 Cor. 4, 5.
8. Nah. 3, 5.
9. Ps. 31, 1.
10. Indul. de 50 dias de cada vez.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ELES TREMIAM DE MEDO ONDE NÃO HAVIA NADA A TEMER

 

medo

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Pe. Frédéric Weil, FSSPX

Os tempos não são mais de festa. Há alguns anos, o medo invadiu nossas sociedades. A esperança está desaparecendo do nossos horizontes em favor de um mundo de incertezas. O católico deve se juntar ao terror que o cerca?

Terror ambiente

Terrorismo, aquecimento global, tensões sociais e raciais, censura, confrontos urbanos, fluxos migratórios e ainda por cima o famoso vírus: estes são os novos avatares do terror contemporâneo que pairam sobre este mundo como pássaros de mau agouro. De novembro de 2015 a 2017, a França passou 2 anos em “estado de emergência” através de 6 prorrogações devido aos atentados. Em janeiro de 2019, a jovem Greta Thunberg falou na cúpula de Davos sobre o aquecimento global: “Quero que entrem em pânico, quero que sintam o medo que sinto todos os dias“, como uma profetisa de um apocalipse sem revelação divina. Mais recentemente o jornal Liberation, em sua edição de 4 de outubro de 2020, publicou um artigo sobre o perigo dos “tranquilizadores” que erraram ao quebrar o consenso do medo. “Eles me assustam muito“, disse um médico sobre essas pessoas. Era preciso temer quem tranquilizava.

As posições se invertem quando se fala em vacina. O campo do medo então se torna o de “tranquilidade” e vice-versa, de modo que não podemos designar de maneira unívoca um campo do medo. Um medo é correlativo a um outro: uma pessoa que não teme o vírus pode temer medidas governamentais, anátemas jornalísticos, crítica de colegas, discussões acaloradas, denúncias da vizinhança, multa ou mesmo a perda de um trabalho.

O que varia é o que tememos: o objeto de nossos medos é um indicativo de quem somos.

Devemos banir o medo?

O Antigo Testamento não tem o monopólio do medo. Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo conheceu o medo no Jardim das Oliveiras: Ele começou a ser tomado de medo e angústia (Mc 14, 33) Mais tarde, os Atos dos Apóstolos nos ensinam sobre a fraude de Safira e Ananias que São Pedro reprovou duramente. Então: Ananias, ao ouvir essas palavras, caiu e expirou. Infundiu-se um grande temor em todos os que o ouviram isto (At 5, 5). São Paulo também diz que devemos trabalhar em nossa salvação com temor e tremor (Fl, 2, 12).

O medo é útil. É bom que a criança tenha medo de fogo. Isso a mantém fora de perigo. Quando ela não o teme, é a mãe que teme pelo filho. Santo Tomás de Aquino observa que as paixões – e, então, o medo – só são ruins “quando escapam ao governo da razão” [1] . O medo é ruim quando não é regulado pela razão: seja pelo excesso ou pela omissão.

Em excesso, existem medos infundados como a lepidofobia: trata-se do medo de borboletas … Também existem medos bem fundamentados, mas excessivos: é preciso ter medo do fogo, certamente, mas não se pode entrar em pânico. O pânico precipita más decisões, muitas vezes piores do que o temido mal. A razão, ao contrário, tem seu tempo.

Por omissão, também é possível não ter medo: “Não temes a Deus?”(Lc, 23, 40) perguntou acertadamente o bom ladrão ao seu comparsa que atacava Nosso Senhor na Cruz. Muitos homens caminham com imprudência em relação à sua perdição eterna.

O salmista denuncia tanto o excesso quanto a falta do insensato que não acredita em Deus: “O temor de Deus não está diante de seus olhos. […] Eles não invocaram o Senhor; tempo virá em que tremerão de temor. “(Sl 14, 3 e 5)

temor de Deus ocupa um lugar importante nas Escrituras. Ele é o “princípio da Sabedoria” (Sl 110, 10). O salmista nos diz que ele é “santo” e “permanece para todo o sempre” (Sl 18,10), mesmo na bem-aventurada eternidade. É até um dom do Espírito Santo (Is, 11, 3).

Gênese do medo

Longe da opinião moderna que opõe o amor ao medo, Santo Tomás de Aquino coloca o amor na origem de toda paixão e, então, do medo [2] . Com efeito, tememos que um mal atinja um ente querido. Quem não ama não teme. Quanto menos nos apegamos ao dinheiro, menos tememos sua perda inesperada. É assim que Santo Agostinho afirma que “as paixões são boas ou más, dependendo se o amor é bom ou mau.” [3]

Um pouco mais adiante, Santo Agostinho enuncia a conhecida fórmula: “DOIS AMORES ERIGIRAM DUAS CIDADES:  o amor de si até o desprezo de Deus, a cidade terrena, e o amor de Deus até o desprezo a si mesmo, a cidade celestial.” [4] Se existem dois amores, então também existem dois medos: um mundano e um outro divino. Um entre o mundo e nosso corpo, o outro entre Deus e nossa alma.

Mas na origem do amor está o conhecimento. Santo Tomás de Aquino observa que nada é amado que não seja primeiro conhecido [5]. Devemos conhecer o bem para amá-lo e devemos conhecer o mal para temê-lo. Devemos ao menos supor conhecer porque o erro também alimenta o amor e o medo.

Assim, existem também diferentes medos, dependendo do que alimenta nossa inteligência: a mídia ou o sermão. O temor de Deus desaparece quando deixamos de ouvir a pregação das verdades divinas ou de fazer leituras piedosas. Sem dúvida, é útil informar-se com certa medida nos meios de comunicação, mas é justo dar a melhor parte à pregação que nos inspira temor pela nossa eternidade e não pelo que se passa (nesse mundo).

Portanto, o medo se extingue quando a tela é desligada. Às vezes é necessário desligar para não cair na espiral do medo: a informação fomenta o medo e o medo faz com que se busque mais informação. Tanto mais que aquele que teme “acredita que as coisas são mais terríveis do que são” [6]. Os filmes de terror nos provam que existe um desejo mórbido de se ter medo, e esse desejo não afeta apenas a ficção. Sabemos que às vezes que o perigo deve ser silenciado para não causar pânico.

Medo e Providência

Santo Tomás mostra que só tememos o que escapa ao nosso poder [7]. O medroso, portanto, procurará recuperar o controle sobre o mal ou confiar em alguém que o controle.

É natural que o homem busque controlar o que está em seu poder. Deus conferiu ele um poder sobre o mundo que desenvolve por meio da tecnologia, especialmente da medicina. Mas aconteça o que acontecer, sempre haverá uma parte das coisas que estará além de seu conhecimento ou poder: “Quem dentre vos pode acrescentar um côvado à sua estrutura?”(Mt, 6, 27)

A partir de então, devemos reconhecer nossos limites e confiar no Pai Eterno que pode fazer tudo. Com medo, a criança é tranqüilizada por seu pai e o cristão se confia a Deus:

Não vos preocupeis [8] com vossa vida […] olhai as aves do céu […] vosso Pai Celeste as sustenta. Porventura não sois vós muito mais do que elas?(Mt, 6, 25-26)

Essa ideia de abandono a Deus se tornou insuportável para o homem moderno que quer acreditar que pode saber tudo e dominar tudo. Estamos acostumados a um mundo asséptico, onde nada vai além de um quadro estabelecido; tudo é suavizado com a ajuda de tecnologias avançadas, de seguros de todos os tipos e de uma administração poderosa, se não invasiva. Armados com o princípio da precaução, procuramos garantir que nada escape ao controle do homem no estado social paternalista, semelhante a Deus Pai.

Nessa perspectiva, não é mais contraditório expulsar alguns promovendo a eutanásia e proibir outros de morrer, mesmo que isso signifique privá-las de toda liberdade. Esses são apenas dois aspectos de um desejo de controlar o que pertence ao único poder soberano de Deus: a vida e a morte.

Mas quando se torna evidente que o homem é mais hábil em restringir a vida do que evitar a morte, quando ele se mostra impotente para conter um vírus mil vezes menor do que um cabelo, tudo o que resta é cair mais violentamente no medo.

Medo de Deus, medo dos homens

E não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; mas temei antes aquele que pode lançar no inferno a alma e o corpo. (Mt, 10, 28)

A mesma frase de Nosso Senhor contém as duas injunções contrárias. Não há apenas o famoso “não tenha medo” [9], mas também o “tenha medo”: é um mandamento de Deus. Nosso Senhor nos tranquiliza contra a tanatofobia: o medo de perder nossa vida corporal. Ele nos ordena temer por nossa alma.

O mundo hoje não tem medo de promover e desenvolver o assassinato de bebês durante a gestação, enquanto teme por golfinhos, ursos polares e afins. O medo de revelar o corpo, que se chama de modéstia, desaparece deste mundo enquanto as pessoas se ofendem com qualquer coisa que vá além dos padrões das redes sociais.

Ao contrário, o católico deveria ter menos medo do aquecimento global do que do resfriamento das almas. A descristianização deve preocupá-lo mais do que as tensões sociais ou raciais. Ele deve temer o esgotamento das vocações sacerdotais e religiosas, e não a tirania da opinião e do modo de vida dominante. O católico não deve ter medo de afirmar sua fé por palavras e obras, para que Deus não o reprove por sua fraqueza: “quem se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos”(Mc, 8, 38). Acima de tudo, ele deve temer a lepra do pecado muito além das doenças físicas.

Nosso tempo está longe da audácia de um São Paulo enfrentando perigos pelo amor das almas: “muitas vezes em viagens, entre perigos de rios, perigos de ladrões, perigos dos da minha nação, perigos dos Gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos dos falsos irmãos, no trabalho e na fadiga, em muitas vigílias, na fome e na sede, em muitos jejuns, no frio e na nudez.“(2 Cor 11,26-27)

Em 1905, ano de combate, o Pe. Janvier OP pregou em Notre-Dame de Paris palavras que parecem ser ditas para o nosso tempo:

[…] O medo dos homens age sobre nossa conduta, impondo-nos atitudes que nossa consciência reprova, a omissão de atos que nossas convicções exigem.

[…] Penetrai nos grupos de nossa sociedade, vereis homens serem obrigados a abandonar seus deveres, a negar sua educação, suas tradições, seus senhores, permanecerem escravos de um punhado de desgraçados dos quais temem. O que a odiosa seita dos maçons não consegue alcançar em nossa geração?

[…] eles temem a crítica de um boletim ruim, a desaprovação de seus eleitores, o que eu sei? A personalidade, a liberdade abandonam-se sob a influência desse sentimento que é decorado com o nome de prudência, que leva à traição, que se chama na psicologia, medo e na moralidade, covardia.

(Pe. Janvier, OP, Exposição da Moral Catolica III – As Paixões, Edição Lethielleux.)

Portanto, não procuremos banir todo o medo, mas busquemos o verdadeiro temor a Deus. O que mais se deve temer é o que um dia Deus dirá de nós: “o temor de Deus não está diante de seus olhos. […] Eles tremiam de medo onde não havia nada a temer.” (Sl 14).

NOTAS:

  1. ST Ia IIæ, q. 24, a. 2
  2. ST Ia IIæ, q. 25, a. 1 e 2.
  3. A Cidade de Deus , l. XIV, ch. 7.
  4. A Cidade de Deus , l. XIV, ch. 28.
  5. Non postest amari nisi cognitum. Ia IIæ, q. 27, a. 2. Santo Tomás retoma Santo Agostinho, citado no mesmo artigo: nullus potest amare aliquid incognitum.
  6. ST Ia IIæ, q. 44, s. 2. corpus.
  7. ST Ia IIæ, q. 42, a. 3: A rigor, não podemos temer o pecado porque ele está em nosso poder, mas devemos temer a tentação.
  8. A exortação para deixar de lado as preocupações é repetida 3 vezes nesta bela passagem do Sermão da Montanha.
  9. “Não tenha medo”, frequentemente aparece na boca do Verbo que se fez carne: quase 12 vezes. Nosso Senhor dá repetidamente a razão para que não haja medo: “Sou Eu“, disse ele.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

VOLTA DE JESUS DO EGITO

 



Consurgens (Ioseph), accepit puerum et matrem eius, et venit in terram Israel — “José, levantando-se, tomou o Menino e sua Mãe e veio para a terra de Israel” (Matth. 2, 21).

Sumário. Depois de um exílio de sete anos, a sagrada Família recebeu afinal ordem de voltar para a Palestina. José toma a ferramenta de seu ofício, Maria a trouxa de roupa e se põem prestes em caminho com Jesus, ora carregando-O alternadamente nos braços, ora conduzindo-O pela mão. Quanto não devem ter sofrido os santos viajantes naquela jornada! Unamo-nos com eles na viagem que estamos fazendo para a eternidade.

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Depois da morte de Herodes e depois de um exílio de sete anos, que na opinião de Santa Madalena de Pazzi Jesus passou no Egito, aparece novamente o Anjo a São José e manda-lhe que tome o santo Menino e a Mãe, e volte para a Palestina. Com grande satisfação pela notícia recebida, São José vai comunicá-la a Maria. Antes de partirem, os santos esposos vão levar as despedidas aos amigos que tinham granjeado naquela terra. Depois, José ajunta de novo a pouca ferramenta do seu ofício, Maria faz uma trouxa da roupa que possui e tomando o divino Menino pela mão, empreendem, com Jesus no meio, a viagem da volta.

Reflete São Boaventura que esta viagem foi mais penosa para Jesus do que a da fuga; porquanto já estava mais crescido, pelo que Maria e José não podiam carregá-Lo longo tempo nos braços; por outro lado, o santo Menino pela sua idade não podia ainda fazer tão grande viagem a pé; de sorte que Jesus se via obrigado muitas vezes a parar e a descansar por falta de forças. Mas, quer caminhem, quer descansem, José e Maria têm sempre os olhos e os pensamentos fitos no Menino amado, que era todo o objeto do seu amor. Ah, com que recolhimento anda por esta vida a alma feliz que tem sempre diante dos olhos o amor e os exemplos de Jesus Cristo!

Na viagem, os santos peregrinos quebram de quando em vez o silêncio com alguma conversação santa; mas com quem e de que é que falam? Não falam senão com Jesus e de Jesus. Quem tem Jesus no coração, não fala senão com Jesus, nem de outra coisa senão de Jesus.

Pondera ainda São Boaventura a pena que sofreu, durante a viagem, o nosso pequeno Salvador, quando, de noite, não tinha mais o colo de Maria para descansar, como na ida, mas sim a terra nua. Para alimentação também não tinha mais leite, mas um bocado de pão duro, duro demais para a sua tenra idade. É bem provável que sofresse também sede naquele deserto onde os Hebreus experimentaram tamanha penúria de água, que foi preciso um milagre de Deus para a remediar. Contemplemos e adoremos com amor todos esses sofrimentos de Jesus Menino.

Meu amado e adorado Redentor, voltais para vossa pátria; mas, ó Deus, para onde voltais? Ides ao lugar onde vossos conterrâneos vos preparam desprezos durante a vossa vida e depois açoites, espinhos, ignomínias e a cruz para a vossa morte. Tudo isso, ó meu Jesus, estava presente aos vossos olhos divinos, e Vós de boa vontade ides de encontro à paixão que os homens vos preparam. Mas, Senhor meu, se Vós não tivésseis vindo a morrer por mim, eu não poderia ir amar-Vos nos paraíso e deveria estar para sempre longe de Vós. A vossa morte é a minha salvação. — Como foi possível, ó Senhor, que eu pelo desprezo de vossa graça me condenasse outra vez ao inferno, mesmo depois da vossa morte por meio da qual me haveis libertado dele? Reconheço que um inferno é pouco para mim.

Todavia, Vós me esperastes para me perdoar. Graças Vos sejam dadas, meu Redentor, e arrependido como estou, detesto todos os desgostos que Vos tenho dado. Por piedade, ó Senhor, livrai-me do inferno. Se por minha desgraça tivesse um dia de condenar-me, o meu inferno mais doloroso seria o remorso de ter conhecido em vida o amor que me tendes havido. Não tanto o fogo infernal, como a falta de vosso amor, ó Jesus meu, seria o meu inferno. Vós viestes ao mundo a fim de acender o fogo de vosso amor; é neste fogo que quero abrasar-me e não naquele que me havia de separar para sempre de Vós. Repito, pois, ó meu Jesus, livrai-me do inferno, porque no inferno não Vos poderia amar. — Ó Maria, minha Mãe, ouço que todos dizem e publicam que aqueles que vos amam e em vós confiam, não irão ao inferno, contanto que se queiram emendar. Amo-vos, Senhora minha, e confio em vós; quero emendar-me; ó Maria, encarregai-vos de livrar-me do inferno. (II 382.)

Meditações para todos os dias e festas do ano – Tomo I – Santo Afonso


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

AS CRIANÇAS SÃO O REFLEXO DE SEUS PAIS

 

Fonte: FSSPX México – Tradução: Dominus Est

Todos os pais têm uma ideia preconcebida de como seus filhos serão ou de como gostariam que fossem. Muitas vezes exigem que se comportem como eles mesmos não se comportam, sem perceberem que os pais são, para seus filhos, os primeiros modelos a serem seguidos…

AMOR E LIMITES

Os pais são os primeiros e mais importantes modelos para os filhos seguirem. E até atinjam uma certa idade, veem os pais como heróis, pensam que são os mais fortes, os melhores e os mais bonitos, entre tantas outras virtudes. Desde muito cedo as crianças brincam de imitar os mais velhos com jogos nos quais trocam papéis (mães e pais, médicos, balconistas …). Assim não só se divertem, mas também aprendem valores, comportamentos e tudo o que precisam para se abrirem ao mundo.

Os pais são a referência emocional de seus filhos. Manter um ambiente saudável em casa trará grandes benefícios à educação de uma criança. O ambiente familiar que goza de harmonia, paz, amor, carinho e respeito, faz com que os filhos cresçam seguros de si mesmos e com boa autoestima.

Também é importante saber respeitar seus direitos, necessidades e interesses, sem permitir que as crianças façam tudo o que quiserem, transformando-as em verdadeiros tiranos. Os filhos precisam do carinho dos pais, mas também de limites firmes. Só assim podem orientar-se no seu meio e ter uma visão real do mundo, da sociedade a que pertencem.

SER UM EXEMPLO

Se desejam transmitir padrões de comportamento corretos a seus filhos, para que ajam com responsabilidade, antes de tudo, devem ser um bom exemplo.

Há um conhecido anúncio de televisão que promovia a leitura infantil com o slogan “Se você lê, eles leem“. Pois bem, esse slogan pode ser aplicado a tudo: se for ordenado, seu filho será ordenado, se for colaborador, seu filho também será, se for correto, ele também será. Por outro lado, se você está acostumado a gritar, seu filho também gritará, se você for descuidado, seu filho também será, se você não for pontual, seu filho tampouco será…

Os filhos sempre querem fazer o que seus pais fazem, querem agradar-lhes e que estes possam os elogiar. Por essa razão, os filhos, desde pequenos, começam a copiar seus pais – deixem que copiem e façam o que querem que eles façam, e comportem -se como querem que eles se comportem.

Os pais devem ser um exemplo firme. Os pais são os primeiros e mais importantes professores de seus filhos: suas decisões, reações, conversas, ações, costumes, comentários, hábitos, etc. As crianças aprendem tudo com seus pais e também com o ambiente ao seu redor (escola, amigos, colegas, família). Então o que os pais fazem e como o fazem no dia a dia serão lições que seus filhos aprenderão, de forma sutil, sem perceberem, mas que no final marcarão sua personalidade.

AVALIAÇÃO DA CONDUTA DOS PAIS

Sejam sinceros consigo mesmos e analisem todas as ações de um determinado dia. Quantas vezes disseram uma mentirinha para evitar ir a um encontro, criticou seu vizinho, saiu rapidamente de uma loja da qual foi cobrado a menos, etc.? Mas, em vez disso, repreendem os filhos quando ouvem uma mentira, quando zombam de um colega de classe ou enganam seu irmão mais novo. Todos esses comportamentos: falta de sinceridade, respeito, justiça e tolerância são defeitos que seus filhos vão adquirindo porque os observam em seu ambiente. Pensem que suas ações podem ser muito mais influentes do que suas palavras e ajam de acordo.

É importante fazer uma revisão ou uma lista de todas as coisas que fazemos ou dizemos que não queremos que nosso filho faça ou diga e, definitivamente, eliminá-las de nossa conduta. As crianças nos observam muito, mais do que imaginamos, e o que muitas vezes veem não é o que queremos que vejam: assistimos televisão mais do que o necessário, passamos horas intermináveis ​​em aparelhos eletrônicos, gritamos e xingamos quando estamos dirigindo, conversamos pouco, criticamos os outros, reagimos com violência às ofensas do próximo, não compartilhamos coisas … Observem a si mesmos todos os dias e ajam como querem que eles ajam no futuro. A melhor maneira de ensinar-lhes bons valores é fazer que os filhos vejam seus pais colocando-os em prática, porque o exemplo é a melhor escola.

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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

REMORSOS E DESEJOS DE UM PECADOR MORIBUNDO

 




Angustia superveniente, requirent pacem, et non erit — “Ao sobrevir-lhes de repente a angústia, eles buscarão a paz e não a haverá” (Ezech. 7, 25).

Sumário. Consideremos o estado infeliz de um moribundo que viveu mal, especialmente se era pessoa consagrada a Deus. Que remorso lhe causará o pensamento de que, com os meios que o Senhor lhe proporcionou, até um pagão se faria santo! Desejará então um instante daquele tempo que agora se perde, ou é empregado no pecado, mas em vão. Irmão meu, a fim de que não tenhamos tal desgraça, tomemos agora as resoluções que então havíamos de tomar. Talvez seja esta a última vez que Deus nos chama.

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Como se deixam bem conhecer no momento da morte as verdades da fé, mas para maior tormento do moribundo que viveu mal, especialmente se era pessoa consagrada a Deus, já que, para o servir, tinha mais facilidade, mais exemplos, mais inspirações. Ó Deus, que pena será para essa pessoa pensar e dizer: “Repreendi os outros e fiz pior do que eles! Deixei o mundo e vivi ligado aos gozos, às vaidades e às afeições do mundo!” Que remorso lhe causará o pensamento de que, com as luzes que recebeu de Deus, até um pagão se teria feito santo! Que dor não sofrerá, lembrando-se de ter ridicularizado as práticas de piedade dos outros como fraquezas de espírito e de ter louvado certas máximas do mundo, de estima ou de amor próprio!

Desiderium peccatorum peribit (1) — “O desejo dos pecadores perecerá”. Quanto será desejado na morte o tempo que se perde agora! Conta São Gregório, nos seus Diálogos, que um homem rico, mas de maus costumes, chamado Crisâncio, estando a ponto de morrer, gritava aos demônios que lhe apareciam visivelmente para se apoderar de sua alma: “Dai-me tempo, dai-me tempo até amanhã.” Respondiam os demônios: “Ó insensato, é nesta hora que pedes tempo? Tiveste tanto tempo e perdeste-o, empregaste-o a pecar, e agora é que pedes tempo? Já não há mais tempo.” O desgraçado continuava a gritar e a pedir socorro. Próximo dele achava-se um seu filho chamado Maximo, que era monge. Dizia-lhe o moribundo: “Socorre-me, filho, meu caro Maximo, socorre-me!” No entanto, com o rosto chamejante, volvia-se de um para outro lado do leito, e nesta agitação e gritos de desespero, expirou desgraçadamente.

Ó céus! Durante a vida, aqueles desgraçados comprazem-se na sua loucura, mas na morte abrem os olhos e reconhecem quanto foram insensatos; mas isto então lhes serve tão somente para aumentar o seu desespero de remediarem o mal que fizeram. — Meu irmão, penso que ao leres estas reflexões, dirás: É verdade; é mesmo assim. Mas se é verdade, muito maior seria a tua loucura e a tua desgraça, se, reconhecendo a verdade na vida, não te aproveitasses dela a tempo. Esta mesma leitura, que acabas de fazer, ser-te-á no momento da morte uma espada de dor.

Eia pois, já que te é dado tempo de evitar tão deplorável morte, dá-te pressa em aproveitá-lo: não demores até que venha o tempo em que não poderá remediar o mal. Não demores sequer um mês, nem sequer uma semana. Quem sabe se a luz que Deus te dá agora na sua misericórdia, não é a última graça e a última exortação que te faz? É loucura não querer pensar na morte, que é certa e da qual depende a eternidade; mas maior loucura ainda é pensar nela e não se preparar. Faze agora as reflexões e resoluções que farás então; agora com fruto, então sem fruto; agora com a confiança de te salvar, então com grande desconfiança de tua salvação. — A um fidalgo, que se despedia da corte de Carlos V, a fim de viver unicamente para Deus, perguntou o imperador, porque deixava a corte. “Porque é necessário”, respondeu ele, “que exista um intervalo de penitência entre uma vida desordenada e a morte.”

Não, meu Jesus, não quero continuar a abusar da vossa misericórdia. Agradeço-Vos a luz que hoje me dais, e prometo-Vos mudar de vida. Quanto me consola o que dissestes: Convertimini ad me, et convertar ad vos (2) — “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós”. Afastei-me de Vós por amor das criaturas e das minhas miseráveis satisfações; agora deixo tudo e converto-me a Vós. Estou certo de que não me repulsareis, se eu quiser amar-Vos, porquanto me dizeis que estais pronto para me acolher em vossos braços. Convertar ad vos — “me converterei a vós”. Recebei-me na vossa graça, fazei-me conhecer o grande bem que em Vós possuo e o amor que tivestes para comigo, a fim de que não torne a deixar-Vos. — Perdoai-me, ó meu amado Jesus, perdoai-me; meu Amor, perdoai-me todos os desgostos que Vos tenho causado. Dai-me o vosso amor e fazei de mim o que quiserdes. Castigai-me, como entenderdes; privai-me de tudo, mas não me priveis da vossa graça. Venha o mundo todo a oferecer-me todos os seus bens; protesto que só Vos quero a Vós e nada mais. — Ó Maria, recomendai-me a vosso Filho; Ele vos concede tudo quanto pedis; em vós confio. (II 33.)

  1. Ps. 111, 10.
    2. Zach. 1, 3.

Meditações para todos os dias e festas do ano – Tomo I – Santo Afonso

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O Amor Vence Tudo

 


Fortis est ut mors dilectio – “O amor é forte como a morte” (Ct 8, 6)

Sumário. Assim como a morte nos desprende de todos os bens terrestres, das riquezas, das dignidades, dos parentes e amigos e de todos os prazeres do mundo; assim o amor de Deus, quando reina num coração, desprende-o do afeto a todos os bens caducos. Queremos, pois, saber se amamos a Deus e se somos inteiramente d’Ele? Examinemos se estamos desapegados de todas as coisas terrestres. Vejamos sobretudo se já estamos desapegados de nós mesmos, pela morte do maldito amor próprio, que quer intrometer-se mesmo nas ações mais santas.

I. Assim como a morte nos desprende de todos os bens terrestres, das riquezas, das dignidades, dos parentes e amigos e de todos os prazeres mundanos: assim o amor de Deus, quando reina num coração, desprende-o do afeto a todos estes bens terrestres. Por isso vemos os Santos desfazerem-se de tudo quanto o mundo lhes oferecia, renunciarem às suas posses, às mais altas dignidades e retirarem-se para os desertos ou claustros, para pensarem somente em amar o seu Deus. — A alma não pode deixar de amar, ou seu Criador, ou as criaturas. Desfaça-se uma alma de todo o afeto terrestre e achá-la-eis cheia do amor divino. Queremos saber se pertencemos inteiramente a Deus? Examinemo-nos se estamos desapegados de todas as coisas da terra.

Queixam-se alguns de que em todas as suas devoções, orações, comunhões, visitas ao Santíssimo Sacramento não acham Deus. Responde-lhes Santa Teresa: desprende o coração das criaturas e então busca Deus e achá-Lo-ás. Não acharás sempre doçuras espirituais, mas o Senhor te fará gozar aquela paz interior que sobrepuja todas as delícias sensitivas. Que delícia maior pode experimentar uma alma abrasada no amor divino do que em dizer: Deus meus et omnia — “Meu Deus e meu tudo”?

Fortis ut mors dilectio — “O amor é forte como a morte”. Enquanto virmos um moribundo interessado por alguma coisa terrestre, teremos a prova mais certa de que não está ainda morto, visto que a morte nos tira tudo. Quem quiser ser todo de Deus deve deixar tudo: a reserva feita de qualquer coisa prova que o amor de Deus não é perfeito, mas fraco. — O amor divino, diz o P. Segneri Júnior, é um amável ladrão que nos tira todas as coisas terrestres. A outro servo de Deus, que tinha distribuído todos os seus bens entre os pobres, perguntou-se o que o reduzira a tal estado de pobreza. Tirou da algibeira o livro dos Evangelhos e disse: Eis aí quem me despojou de tudo. Em uma palavra, Jesus Cristo quer possuir o nosso coração todo inteiro e não sofre competidores.

II. Diz São Francisco de Sales que o puro amor divino consome tudo quanto não é Deus. Portanto, quando nasce em nosso coração qualquer afeto a alguma coisa que não seja Deus nem por Deus, preciso é arrancá-lo logo, dizendo: Vai-te, pois para ti não há aqui lugar. É nisto que consiste a renúncia completa, que o Salvador nos recomenda tão instantemente, se quisermos ser d’Ele sem reserva; digo renúncia completa, isso é, de qualquer coisa, e especialmente de parentes e amigos. Quantos, para agradar aos homens, deixam de fazer-se santos!

Mas sobretudo devemos renunciar a nós mesmos, triunfando do amor próprio. Maldito amor próprio que quer intrometer-se em tudo, até nas obras mais santas, deslumbrando-nos com a própria glória ou a própria satisfação. Quantos pregadores e escritores perdem assim todo o merecimento das suas fadigas! Muitas vezes mesmo em nossas meditações ou leituras espirituais ou mesmo em nossas santas comunhões se mistura alguma intenção menos pura, quer de sermos vistos, quer de experimentarmos as doçuras espirituais.

Devemo-nos portanto esforçar por vencer este inimigo que nos faz perder o fruto das nossas mais belas obras. Devemo-nos privar, quanto possível, daquilo que mais nos agrada: privar-nos de tal ou qual divertimento, exatamente porque nos diverte; obsequiar uma pessoa ingrata, exatamente porque é amargosa. O amor próprio faz com que nenhuma coisa se nos afigure boa em que ele não acha a sua satisfação. Mas quem quiser ser todo de Deus, quando se trata de coisas do seu agrado, faça-se violência e diga: Perca-se tudo, contanto que se dê gosto a Deus.

Pelo mais, não há no mundo pessoa mais contente do que aquela que despreza todos os bens do mundo. Quem mais se priva de semelhantes bens, mais rico se torna de graças divinas. É assim que o Senhor sóe galardoar aos que o amam fielmente.

Ó meu Jesus, Vós conheceis a minha fraqueza: prometestes socorrer a quem confia em Vós. Senhor, amo-Vos, espero em Vós, dai-me força e fazei-me todo vosso. Em vós também confio, ó minha doce Advogada, Maria.


SEJA UM BENFEITOR!