Sumário. É assim: os tormentos, que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos, porque já antes desse tempo deixaram pelo afeto os bens terrestres, consideraram as honras como fumo e vaidade e viveram desapegados dos parentes, amando-os só em Deus. D’outra parte, que felicidade morrer entregando-se nos braços de Jesus Cristo, que quis sofrer uma morte tão amarga, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! Irmão meu, se na primeira noite a morte te colhesse, qual seria a tua morte, a do justo ou a do pecador?
I. É assim: os tormentos que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos: Non tanget illos tormentum mortis ― “Não os tocará o tormento da morte”. Os santos não se abalam com esse Proficiscere, anima ― “Parte, ó alma”, que tanto assusta os mundanos. Os santos não se afligem com o terem de deixar os bens da terra, porque nunca lhes tiveram o coração ligado. Deus é o Senhor do meu coração, diziam eles sempre, a minha porção é Deus para sempre ― Deus cordis mei et pars mea Deus in aeternum (1). Sois felizes, escrevia o Apóstolo a seus discípulos que pela causa de Jesus Cristo tinham sido despojados de seus bens, sois felizes, porque suportastes com alegria a rapina dos vossos bens, sabendo que tender um cabedal melhor e permanente: Cognoscentes vos habere meliorem et manentem substantiam (2).
Os santos não se afligem por deixarem as honras, porque desde muito as desprezaram e tiveram na conta do que efetivamente são, fumo e vaidade. Só estimaram a honra de amarem a Deus e de serem por Ele amados. Nem se afligem por deixarem os parentes, porque só os amaram em Deus; morrendo, recomendam-nos ao Pai celeste que os ama mais do que eles o podiam, e como esperam salvar-se, pensam que o melhor lhes poderão valer na pátria celestial do que ficando na terra. Em suma, o que disseram durante toda a vida: Deus meus et omnia ― “Meu Deus e meu tudo”, repetem-no com mais consolação e ternura no momento da morte.
Quem morre no amor de Deus não se inquieta com as dores que acompanham a morte; antes, nelas se compraz pensando que a vida vai acabar e que depois não lhe resta mais tempo para sofrer por Deus e testemunhar-Lhe outras provas do seu amor. Por isso, oferece-Lhe com afeto e paz estes últimos restos da sua vida e consola-se unindo o sacrifício da sua morte ao sacrifício que Jesus Cristo ofereceu um dia por ele na cruz ao seu eterno Pai. E assim morre feliz, dizendo: In pace in idipsum dormiam et requiescam (3) ― “Em paz dormirei nele e repousarei”. Oh! que felicidade morrer entregando-se e repousando nos braços de Jesus Cristo, que nos amou até à morte e quis sofrer uma morte tão dolorosa, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! ― Meu irmão, quais seriam os teus sentimentos se tivesses de morrer neste instante?
II. Ó meu amado Jesus, que para me obter uma morte suave, quisestes sofrer uma morte tão cruel no Calvário, quando é que Vos verei? A primeira vez que Vos terei de ver, ver-Vos-ei como meu Juiz no próprio lugar em que expire. Que Vos direi então? Que me direis? Não quero esperar até então para pensar nisso; quero meditá-lo agora. Dir-Vos-ei:
Referências:
Voltar para o Índice de Meditações
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 303-306)