A virtude evangélica por excelência, a que sustenta todas as outras e de algum modo as substitui, quando elas faltam, é a humildade.
A gente pode santificar-se e entrar no céu, diz São Clímaco, sem nunca ter feito milagres, nem ações brilhantes; mas ninguém será jamais admitido na celeste pátria, sem ter sido manso e humilde de coração, a exemplo de N. S. Jesus Cristo.
O cume das montanhas fica estéril porque as águas do céu não se demoram nele e descem, ao contrário, para banhar e fertilizar os vales. Assim também os raios do Altíssimo, resvalando apenas nas almas presunçosas, vão pousar sobre os humildes para os iluminar e enriquecer. Está escrito que Deus resiste aos soberbos e não concede a Sua graça e a Sua luz senão aos humildes.
O conhecimento experimental de nós mesmo deve produzir a humildade. Entregues unicamente as nossas forças e aos nossos próprios pensamentos, seriamos impotentes e incapazes de virtude, de progresso e de perfeição.
Acrescente a isso o peso de nossa natureza terrestre que gravita incessantemente para o mal e desde a infância, instintos funestos se insurgem contra as atrações nobres de uma natureza mais elevada.
Reconhecer estes fatos, encará-los sob todos os seus aspectos e confessá-los sem restrição e sem fingimento, é permanecer na verdade e fazer justiça a si mesmo, eis no que consiste a humildade.
Sem dúvida que, no íntimo, geralmente se testemunha isto. Consente-se mesmo em confessar algumas verdades a face do mundo, dizendo-se por exemplo: Eu sou fraco e incapaz; não tenho virtudes, nem talento! Mas porventura esta linguagem é sincera? Não; e a prova de que a vossa confiança não se acha de acordo com as vossas palavras, é que vós não suportais na boca dos outras a mesma opinião a vosso respeito. Nós, de bom grado, afirmamos as nossas fraquezas, exageramo-las mesmo; mas com a condição de que os outros o não acreditem, ou de que acreditem justamente o contrário. Salvo o caso de uma completa obcecação, nós sabemos muito bem quão pouco valemos; mas não queremos que os outros o saibam e ainda menos que se atrevam a dizê-lo.
Somos pequenos e queremos parecer grandes; somos ignorantes e queremos parecer instruídos; somos pobres, e queremos parecer ricos; somos obscuros, e queremos a todo o preço atrair a atenção e as homenagens do mundo. A verdadeira humildade condena estas enganadoras aparências; ela mantém na simples verdade os sentimentos inferiores e os põe em harmonia com as palavras e com as obras.
A humildade é o princípio de todos os atos de N. S. Jesus Cristo. Ela é que O faz descer do céu sobre a terra; que O faz nascer em um presépio; que O faz obscuro e submisso em Nazaré, penitente no deserto e confundido sob as vestes ignominiosas dos crimes do homem. Ela inspira todas as Suas palavras, dirige todas as ações da Sua vida pública, e O rebaixa aos olhos do mundo inteiro sobre o Calvário. E é porque Ele Se aniquilou até ao ponto de se fazer semelhante ao último dos homens, que o Seu nome tem sido exaltado acima de todos os nomes.
A Virgem santa, sempre unida aos sentimentos de N. S. Jesus Cristo, era penetrada de uma humildade não menos profunda. Ela própria nos revelou a causa da Sua grandeza quando a Sua boca pronunciou esta frase do sublime cântico: “Respexit humilitatem ancilǽ suǽ”.
De onde se vê que a humildade, longe de ser um baixeza, é ao contrário a condição da elevação e da dignidade cristã. Nota-se contudo que a humildade é, dentre todas as virtudes, justamente aquela cujo exercício deveria ser mais fácil para nós, e ao contrário dificílimo para Nossa Senhora; porquanto, se ela se funda sobre a consciência de nossas imperfeições, basta a cada um lançar os olhos sobre si mesma, para se tornar humilde. Estas imperfeições não existiam na Virgem Imaculada. Ela foi concebida sem pecado, viveu sem mácula, e era em tudo pura e perfeita. E entretanto não Se atribuía nenhuma das graças de que tinha à plenitude: era humilde de coração, humilde de espírito, humilde nos Seus pensamentos, humilde nas Suas palavras e em todos os atos de Sua vida.
E nós que, segundo a Escritura, fomos “concebidos na iniqüidade e nascidos no pecado”, que estamos sujeitos a todas as misérias morais que degradam a natureza humana, e que em milhares de circunstâncias, quase a cada instante do dia, damos uma triste prova da nossa fraqueza, nós todavia não temos humildade, exaltamo-nos a nós mesmos, e erguemos em face de Deus uma fronte soberba!
Quando nos trazem a Virgem das virgens para exemplo e nos convidam a imitar as Suas admiráveis virtudes, não imaginemos que este modelo está acima de nosso alcance. Pelo lado da humildade ele é bem acessível a nós; é tornando-se humildes e mansas que almas cristãs se assemelham a sua mãe do céu.
A humildade solidamente adquirida desenvolve por sua vez e salvaguarda todas as outras virtudes; ela só por si atrai a Graça que as fecunda e as bênçãos que a coroam. A humildade é a guarda da fé porque exclui a presunção que sonda temerariamente os mistérios da ordem divina. Ela teria vergonha de elevar-se acima dos ensinamentos sagrados da Igreja; e submissa e confiante, aceita sem hesitação os incontestáveis testemunhos da palavra revelada.
A humildade, além disso, protege a caridade.
Oh! Como as almas humildes conservam facilmente relações com toda a sorte de pessoas!
Despidas de amor próprio elas não se irritam, nem se formalizam; posto que isentam de certas susceptibilidades, abstêm-se, com delicadeza, de ferir os outros; desculpam com sinceridade os defeitos alheios, porque estes lhes recordam seus próprios defeitos; e são indulgentes, enfim, porque elas mesmas tem necessidade de indulgência. Perdoam para que se lhes perdoe; e desinteressadas e generosas, dão de boa vontade o bem pelo mal. Amam, não para serem amadas, o que seriam um ato de amor próprio, mas amam para amar, com esse desinteresse e magnanimidade que caracterizam o verdadeiro amor.
A humanidade sustem principalmente a esperança.
O que é que muitas vezes extingue este sentimento da alma do pecador? O que é que perturba, até sobre o leito da morte, a paz do cristão? É a lembrança das faltas cometidas, é a imperfeição das obras; é a pobreza dos méritos. Mas a alma humilde não se aterra, nem se aflige com isso.
Ela bem sabe que por si mesma nenhum titulo tem as celestes recompensas e não conta em nada com seu mérito pessoal. Contando, porém, com a virtude do sangue de Jesus Cristo que a justifica e a santifica, ela crê, ama e espera; e com o publicano do Evangelho lança-se cheia de humilde confiança no seio do pai das misericórdias. Não é o ouro, nem a ciência, nem são os títulos de nobreza, que dão glória e felicidade. A verdadeira grandeza sai da humildade. Jesus Cristo no-lo diz: “Aquele que se humilha será exaltado”; e quanto mais a alma cristã se abaixa perante Deus, confiada n'Ele, tanto mais força adquire em seu vôo para o céu. A mãe, compenetrada desta virtude terá nela um preservativo contra todas as tentações e um remédio infalível nas mais graves circunstâncias da vida. Todavia, a inseparável companheira da humildade, sua irmã gêmea, por assim dizer, é a mansidão. Uma não anda sem a outra e ambas mutuamente se auxiliam e se abraçam. A verdadeira mansidão não reside senão numa alma forte, e a força sobrenatural provêm da humildade. Só a fraqueza se enfurece ou se exalta. Não se pode por em prática a verdadeira mansidão, a mansidão evangélica, quando não se tem energia para resistir ao mal e fazer o bem.
As almas humildes tendem ao seu fim com firmeza e suavidade, “Suaviter et fortite”. Elas são dotadas de uma virtude oculta, atrativa, vitoriosa, que toca o coração de Deus e o coração dos homens.“Bem aventurados os mansos, porque estes possuirão a terra”, o que quer dizer que se fordes brandas e humildes conquistareis tudo que vos cerca e sereis na sociedade, como em vossas famílias, os anjos do aperfeiçoamento e da salvação.
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