A princípio, tudo se nos afigura muito árduo, e com razão, porque é guerra contra nós mesmos. Mas começando a trabalhar, Deus opera tanto na alma e lhe faz tai favores, que ela acha pouco tudo quanto se pode fazer nesta vida.
(...) Tudo, ou ao menos quase tudo, depende do esquecimento de nós mesmas e de nossas comidades. Quem deveras começa a servir ao Senhor, o mínimo que lhe pode oferecer é a vida, depois de lhe ter dado a vontade. Que há de temer?
(...) Aprendamos a contradizer em tudo a nossa vontade própria. Se empregardes nisto toda diligência, a pouco e pouco estareis no cume sem saber como. Parece demasiada exigência dizer que não tenhamos satisfação em coisa alguma! É porque não se diz a um tempo quantos prazeres e alegrias acarretam esta contradição, e o que se ganha com ela, ainda nesta vida! Quanta segurança!
(...) Acerca dos movimentos interiores haja muita vigilância, especialmente no que se refere às proeminências. Deus nos livre, por sua Paixão, de dizer ou pensar, para deter-nos nisto: "Sou mais antiga", "tenho mais anos", "trabalhei mais", "tratam melhor a outra". Se surgirem tais pensamentos, atalhai-os com presteza. Demorar neles ou pô-los em prática é peste e origem de grandes males.
(...) Onde houver disputas de honra ou de dinheiro, crede-me, nunca progredirão muito. Não chegareis a gozar do verdadeiro fruto da oração, ainda que tenhais dela muitos anos de exercício - ou, para melhor dizer, de meditação - porque oração perfeita elimina esses ressaibos.
(...) Considere cada um em si o que tem de humildade e verá os progressos que fez. Parece-me que ao verdadeiro humilde, ainda por primeiro movimento, não ousará o demônio tentar em matéria de superioridades. Sagaz como é, teme o golpe. É impossível uma alma humilde não sair com maior fortaleza e aproveitamento na humildade quando é tentada contra ela.
Está claro, nessa tentação ela revê sua vida passada, compara os seus pobres serviços com os benefícios recebidos de Deus, examina seus próprios pecados e o lugar onde merecia estar por eles. Considera também as grandezas que o Senhor realizou aniquilando-se a Si mesmo para nos deixar exemplo de humildade. Isto faz tanto bem à alma, que o maligno não ousa tornar à carga, para não sair com a cabeça quebrada.
Segui este meu conselho e não o esqueçais: para vingar-vos do demônio e livrar-vos depressa da tentação, não vos contenteis em tirar proveito só no interior - grande mal seria se assim não fosse - mas, também no exterior, procurai que os irmãos se beneficiem com vossas tentações.
Assim que a tentação vos assaltar pedi à prelada que vos mande fazer algum serviço baixo, ou fazei-o como puderdes. Nesta matéria vive sempre estudando o modo de dobrar vossa vontade nas coisas que vos contrariam. O Senhor vos fará descobrir as ocasiões, e com isto durará pouco a tentação.
Deus nos livre de pessoas, desejosas de o servir, que se lembram da própria honra! É mau lucro.
Sta Teresa D'Avila, Caminho de Perfeição, Cap. 12
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