Sumário. O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que as tenhamos de sofrer uma só vez. Maria Santíssima, ao contrário, depois da profecia de São Simeão, tinha sempre diante dos olhos e padecia continuamente todas as penas que a esperavam na Paixão do Filho. Mas se Jesus e Maria inocentes tanto padeceram por nosso amor, como ousaremos lamentar-nos, nós que somos pecadores, quando temos de padecer um pouco por amor deles?
I. Neste vale de lágrimas, cada homem nasce para chorar e cada um deve padecer sofrendo aqueles males que diariamente lhe acontecem. Mas quanto mais triste seria a vida, se cada um soubesse também os males futuros que o têm de afligir! O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que, se as temos de padecer, ao menos as padeçamos uma só vez. ― Mas Deus não usou semelhante compaixão para com Maria, a qual, porque Deus quis que fosse Rainha das dores e toda semelhante ao Filho, teve sempre de ver diante dos olhos e de padecer continuamente todas as penas que a esperavam; e estas foram as penas da paixão e morte de seu amado Jesus.
Eis que no templo de Jerusalém, Simeão, depois de ter recebido o divino Infante em seus braços, lhe prediz que aquele seu Filho devia ser alvo de todas as contradições e perseguições dos homens e que por isso a espada de dor devia traspassar-lhe a alma: Et tuam ipsius animam pertransibit gladius. ― Davi, no meio de todas as suas delícias e grandezas reais, quando ouviu que o Profeta Natan lhe anunciava a morte do filho, não tinha mais paz: chorava, jejuava, dormia à terra nua. Não é assim que fez Maria. Com suma paz recebeu ela a nova da morte do Filho e com a mesma paz continuou a sofrê-la; mas ainda assim, que dor não devia sentir o seu Coração!
Nem serviu para lha mitigar o conhecimento que já de antemão tinha do sacrifício a fazer, pois que, como foi revelado a Santa Teresa, a bendita Mãe conheceu então em particular e mais distintamente todas as circunstâncias dos sofrimentos, tanto exteriores como interiores, que haviam de atormentar o seu Jesus na sua Paixão. Numa palavra, a mesma Bem-Aventurada Virgem disse a Santa Matilde, que a este aviso de São Simeão toda a sua alegria se converteu em tristeza.
II. A dor de Maria não achou alívio com o correr do tempo; ao contrário, ia sempre aumentando, à medida que Jesus, crescendo em sabedoria, em idade e em graça, junto de Deus e junto dos homens (1), se tornava mais amável aos olhos de sua Mãe, e se avisinhava mais o tempo da sua amargosa Paixão. Eis o que a própria divina Mãe revelou a Santa Brígida:
Ruperto abade contempla Maria dizendo ao Filho enquanto o alimentava:
Se, pois, Jesus, nosso Rei, e Maria, nossa Mãe, bem que inocentes, não recusaram por nosso amor padecer durante toda a sua vida uma pena tão atroz, não é justo que nós nos lamentemos, se padecemos um pouco; nós que porventura muitas vezes temos merecido o inferno.
Referências:
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 295-297)
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