Há pecadores que desejam obter o perdão de seus pecados; confessam-se e fazem penitência, mas não se aplicam como devem, para não recaírem no pecado. São inconseqüentes consigo mesmos, pois choram e se arrependem de seus pecados, para em seguida caírem novamente nos mesmos pecados e assim acumularem motivo para lágrimas futuras. A propósito disto, diz o Senhor em Isaias: (1, 16) Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a malignidade de vossos pensamentos: deixai de fazer o mal.
É por isso que Cristo, como dissemos, nos ensina, no pedido anterior, a implorar o perdão de nossos pecados e neste, a graça de evitar o pecado dizendo: e não nos deixeis cair em tentação, pois é verdadeiramente a tentação que nos induz ao pecado.
Neste pedido três questões atraem nossa atenção:
a) Que é a tentação?
b) Como e por quem o homem é tentado?
c) Como se livra da tentação?
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a) Que é a tentação?
Tentar não quer dizer mais do que: por à prova. Assim, tentar o homem, é por à prova sua virtude. A tentação pode ser de duas maneiras, segundo as exigências da virtude humana. Uma, quanto à perfeição da obra e outra, que o homem se guarde de todo o mal. É o que diz o Salmista: (Sl 33, 15) Evita o mal e fazes o bem.
A virtude do homem será pois provação, tanto do ponto de vista da excelência de se agir, quanto do seu afastamento do mal.
Se sois provados para saber, se estais prontos para praticar o bem, como, por exemplo, jejuar, e estais efetivamente prontos para o bem, grande é a vossa virtude.
Deste modo Deus prova o homem, não porque Ele não conhece sua virtude, mas para que assim todos a fiquem conhecendo e o tenham como exemplo. Deste modo Deus tentou Abraão (Gn 22) e Jó. Por isso Deus envia tribulações aos justos; se suportam com paciência, sua virtude é manifesta e progridem na virtude. O Senhor vosso Deus vos tenta, para se fazer manifesto se o amais ou não, dizia Moisés aos Hebreus (Dt 13, 3). Portanto Deus tenta o homem, provocando-o a fazer o bem.
O segundo modo de tentar a virtude do homem é incitá-lo ao mal. E se o homem resiste fortemente e não consente, sua virtude é grande, mas se ele não resiste, onde está sua virtude?
Deus nunca tenta o homem deste modo, pois nos diz São Tiago: (1, 13): Ninguém, quando é tentado, diga que Deus é que o tenta, pois Ele é incapaz de tentar para o mal. Mas quem tenta o homem é a própria carne, o diabo e o mundo.
b) Como e por quem é o homem tentado?
A carne tenta o homem de dois modos.
Primeiro, instigando o homem para o mal, pela procura dos gozos carnais, que são sempre ocasião de pecado. Quem permanece nos gozos carnais, negligencia as coisas espirituais. Diz-nos São Tiago: Cada um é tentado por sua própria concupiscência que o arrasta e seduz (Tg 1, 14).
Em segundo lugar, a carne nos tenta, desviando-nos do bem. Pois o espírito, por si mesmo, se deleita sempre com os bens espirituais; mas o peso da carne entrava o espírito. O corpo que se corrompe faz pesada a alma, diz o Livro da Sabedoria (9, 15) e São Paulo escreve aos romanos (7, 22): Pois me deleito na lei de Deus, segundo o homem interior; sinto, porém, nos meus membros outra lei, que repugna à lei de meu espírito e que me prende à lei do pecado, que está em meus membros.
Esta tentação da carne é muito forte porque a carne, nossa inimiga, está ligada a nós. E como disse Boécio: «Nenhuma peste é tão nociva, quanto um inimigo familiar». Por isto é preciso estar vigilante contra a carne. Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. (Mt 26, 41).
Ora, uma vez a carne dominada, outro inimigo aparece, o diabo, contra quem é enorme nossa luta. Diz-nos São Paulo: (Ef 6, 12) — não temos que lutar contra a carne e o sangue apenas, mas sim contra os principados e potestades, contra os dominadores do mundo das trevas, contra os espíritos de malícia, espalhados pelos ares. Donde é o diabo expressamente chamado o tentador, como nos mostra São Paulo: (1 Ts 3,5): Não vos haja tentado aquele que tenta.
O diabo age astutamente nas tentações. Assim como um general de exército, que sitia uma fortaleza, considera os pontos fracos que quer atacar, o diabo considera onde o homem é mais fraco para aí tentá-lo. E por isso tenta-o nos vícios a que o homem, subjugado pela carne, é mais inclinado, como o vício da ira, da soberba e outros vícios espirituais. Vosso adversário, o demônio, como um leão a rugir anda ao redor de vós, procurando a quem devorar, diz-nos São Pedro. (1 Pd 5, 8).
O demônio usa de suas táticas em suas tentações. No primeiro momento da tentação não propõe ao homem nada de declaradamente mau, mas alguma coisa que ainda tenha a aparência de um bem. Assim, de início, desvia ligeiramente o homem de sua orientação geral interior, o suficiente para, em seguida, levá-lo facilmente a pecar. Sobre isto escreve o Apóstolo aos Coríntios: (2 Cor 11, 14): O próprio Satanás se transfigura em anjo da luz.
Depois de ter induzido o homem ao pecado, prende-o para não permitir que ele se liberte de suas faltas.
Assim o demônio faz duas coisas: engana o homem e o conserva enganado em seu pecado.
O mundo por sua vez nos tenta de duas maneiras. Em primeiro lugar, por um desejo desmesurado das coisas temporais. A cupidez é raiz de todos os males, diz o Apóstolo (Tm 6, 10).
Em segundo lugar, o mundo nos incita ao mal por medo das perseguições e dos tiranos. Estamos envolvidos pelas trevas (Jo 37, 19) Pois todos os que quiserem viver piamente em Cristo Jesus sofrerão perseguição, escreve São Paulo (2 Tm 3, 12). E o Senhor recomenda a seus discípulos: (Mt 10, 20) Não temais os que matam o corpo.
c) Até aqui mostramos o que é a tentação e como o homem é tentado. Vejamos agora como o homem se livra da tentação.
Sobre isso é preciso notar que Cristo nos ensinou não a pedirmos para não sermos tentados, mas para não cairmos em tentação. Com efeito, é vencendo a tentação que o homem merece a coroa da glória. (cf. 1 Cor 9,25); (Pd 5, 4) É por isso que São Tiago (1, 2) declara: Meus irmãos, tende em conta da maior alegria o passardes por diversas tentações. E o Eclesiástico nos adverte: (2, 1): Filho, quando entrares no serviço de Deus… prepara tua alma para a tentação. Diz ainda São Tiago (1, 12) Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque depois de ser provado, receberá a coroa da vida. Assim Jesus nos ensina a pedir ao Pai para não cairmos em tentação, dando a esta nosso consentimento. Diz-nos São Paulo: (1 Cor 10, 13) Não vos sobreveio nenhuma tentação, que não seja humana. Ser tentado é humano, mas consentir é ter parte com o diabo.
Poderão objetar: uma vez que o Cristo disse explicitamente: Não nos induzi em tentação, isto é, não nos façais cair em tentação, não se deve deduzir daí, que é o próprio Deus, mais do que o diabo, que nos empurra ativamente para o mal?
Respondo assim:
É pelo fato de permitir o mal e não levantar contra ele obstáculo que Deus, por assim dizer, leva o homem a praticar o mal. Assim Deus será dito induzir o homem em tentação, quando retira dele sua graça, por causa dos inúmeros pecados anteriores deste homem; o que terá por efeito fazer o homem cair em novo e pior pecado. Para ser preservado desse mal, o Salmista pede a Deus em sua prece: (Sl 70, 90): Quando minhas forças faltarem, não me desampares.
Por outro lado, graças ao fervor da caridade, dado por Deus, o homem é ajudado de tal modo que não é induzido em tentação no sentido acima (n° 82, 83). A caridade, por menor que seja, resiste a qualquer pecado. As muitas águas não puderam extinguir a caridade, diz o Cântico dos Cânticos (8, 7).
Assim como Deus nos dirige pela luz da inteligência, também pela inteligência nos mostra as obras que devemos realizar. Segundo Aristóteles, todo pecador é um ignorante. Diz o Senhor (Sl 31, 8): Inteligência te darei e te instruirei neste caminho. E Davi pede esta luz, para bem agir (Sl 12, 4-5): Ilumina meus olhos, para que eu não durma jamais na morte. Para que o meu inimigo não venha a dizer: Eu prevaleci contra ele.
Esta luz nos vem pelo Dom da Inteligência.
Se recusamos nosso consentimento à tentação, guardamos a pureza de coração santificada por Jesus: (Mt 5, 8): Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus; e nós chegaremos à visão de Deus.
Que Deus a ela nos conduza efetivamente.
Sermões de São Tomás
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