Dilexit nos, et tradidit semet ipsum pro nobis oblationem et hostiam Deo – “(Jesus) amou-nos e se entregou a si mesmo por nós em oblação e como hóstia para Deus” (Ef 5, 2)
Sumário. Nunca se deu, nem se dará jamais, no mundo outro fato semelhante ao que está consignado nos Evangelhos. Estando o homem por sua própria culpa condenado à morte eterna, o Filho de Deus pediu e obteve de seu divino Pai, que o deixasse tomar a natureza humana e pagar com a própria morte as penas devidas ao homem. Que te parece, irmão meu, este amor do Filho e do Pai? Todavia, a maior parte dos homens, talvez tu também, não responderam a tamanho amor senão com ingratidão.
I. A história refere um fato de um amor tão prodigioso que será a admiração de todos os séculos. Um rei, senhor de muitos reinos, tinha um filho único, tão belo, tão santo, tão amável que era as delícias do pai, que o amava tanto como a si mesmo. Ora, este jovem príncipe tinha tão grande afeição a um de seus escravos, que tendo aquele escravo cometido um crime, pelo qual foi condenado à morte, o príncipe se ofereceu a morrer em seu lugar. E o pai, zeloso dos direitos da justiça, consentiu em condenar à morte seu filho bem-amado, afim de que o escravo escapasse do suplício que havia merecido. A sentença foi executada: o filho morreu no patíbulo, e o escravo ficou salvo.
Este fato, que não teve e nunca terá outro semelhante no mundo, está consignado nos Evangelhos. Ali se lê que o Filho de Deus, o Senhor do universo, vendo o homem condenado, pelo seu pecado, à morte eterna, quis tomar a natureza humana, e pagar com a sua morte os castigos devidos ao homem: Oblatus est, quia ipse voluit (1) ― “Ele foi oferecido, porque o quis”. E o Pai Eterno deixou-o morrer sobre a cruz para nos salvar a nós, miseráveis pecadores: Proprio Filio non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum (2) ― “Não perdoou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos”. Que te parece, alma devota, este amor do Filho e do Pai?
Desta sorte, meu amável Redentor, morrendo quisestes sacrificar-Vos para me alcançar o perdão! E que Vos darei eu em reconhecimento? Vós me haveis obrigado demais a amar-Vos, e eu seria demais ingrato, se Vos não amasse de todo o meu coração. Vós me haveis dado a vossa vida divina, e eu, miserável pecador como sou, Vos dou a minha. Sim, ao menos tudo o que me resta de vida, quero empregá-lo unicamente em amar-Vos, obedecer-Vos e agradar-Vos.
II. O que abrasava mais São Paulo de amor para com Jesus era a lembrança de que ele quisera morrer, não só por todos os homens em geral, mas ainda por ele em particular. Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me (3). ― Ele me amou, dizia, e se entregou por mim. Cada um de nós pode dizer outro tanto; porque São João Crisóstomo assegura que Deus ama tanto cada um de nós, como ama o mundo inteiro. Assim, cada cristão não está menos obrigado a Jesus Cristo, por ter padecido por todos, do que se houvera padecido só para ele.
Meu irmão, se Jesus Cristo tivesse morrido somente para te salvar, deixando os outros na sua perda original, que obrigação Lhe não devias tu? Deves, porém, saber que Lhe és ainda mais obrigado por ter morrido por todos. Se ele só por ti houvesse morrido, que dor não seria a tua, pensando que teus próximos, teu pai e mãe, teus irmãos e amigos, pereceriam eternamente e que depois desta vida seríeis separados para sempre? Se fosses feito escravo com toda a tua família e alguém viesse a resgatar-te a ti somente, quanto lhe não pedirias que resgatasse também teus pais e irmãos! E quanto lhe não agradecerias, se ele o fizesse para te agradar! Dize, pois, a Jesus:
Ah! Meu doce Redentor, Vós fizestes isso por mim, sem eu Vo-Lo ter pedido. Não somente me resgatastes da morte a preço de vosso sangue, também aos meus parentes e amigos, de sorte que me é permitido esperar que, reunidos todos, juntos gozaremos de Vós para sempre no paraíso. Senhor, eu Vos agradeço e Vos amo e espero agradecer-Vos e amar-Vos eternamente nessa bem-aventurada pátria.― Ó Maria, ó minha Mãe das dores, obtende-me a santa perseverança. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo.
Referências:
(1) Is 53, 7
(2) Rm 8, 32
(3) Gl 2, 20
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 274-277)
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