quarta-feira, 30 de abril de 2025

TÚ VERÁS COISAS MAIORES QUE ESTA

 

“Porque eu te disse que te vi debaixo da figueira, crês; verás coisas maiores que esta.” (Jo 1, 50)

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

O que esses homens que o Senhor chamou tinham em comum? Eles formavam uma verdadeira comunidade de espírito: a mesma expectativa, o mesmo desejo, a mesma linguagem. Conduzir-vos-ei ao deserto, falarei ao vosso coração: a mesma busca de Deus conduziu-os ao deserto, não ao lugar físico, mas ao lugar onde a alma se encontra, o lugar anunciado nas sagradas escrituras.

Mas o que é que diferenciava esses homens, então? Eram animados por uma autêntica vida espiritual: uma vida que os liberta e que os fará abandonar tudo para seguir o Senhor que se manifesta. Se muitas almas não encontram Deus, é porque a religião que desejam é, como a dos fariseus e de outros, uma religião que refaz a sociedade sem refazê-las elas próprias. Estas almas buscam a sabedoria sem coroa de espinhos e sem cruz, preferem a sua própria imagem à de Deus.

Natanael já não especula sobre um anúncio ou uma ideia de Deus. Ele se submete. Como os outros que o precederam, ele já não se preocupa com os seus “porquês”, mas com os deveres que a revelação do Senhor lhe impõe. Já não quer simplesmente analisar a divindade, mas satisfazê-la.

Há uma grande diferença entre conhecer a Deus através do estudo e conhecê-Lo através do amor. Muitos professores céticos conhecem as provas da existência de Deus melhor do que alguns que, ajoelhados e derrotados, fazem suas orações. Mas, porque estes doutores nunca agem de acordo com o conhecimento que possuem, porque não amam a Deus que conhecem através do estudo, nenhum conhecimento novo lhes é dado… Gostam de falar sobre a religião, mas não fazem nada a respeito, e sua ciência é estéril.

Natanael, tu verás coisas maiores. Na alma que respondeu ao chamado divino, pelo contrário, um simples conhecimento de Deus foi recebido com amor e as portas da sabedoria e do amor se encontraram abertas. Nessas almas, o amor conduz a um conhecimento de Deus que ultrapassa em certeza e realidade a informação teórica dos professores: “Se alguém ama a Deus, Deus é conhecido por ele”, dirá São Paulo.

Que seja feita a vossa vontade e não a minha, ó Senhor. Estes primeiros discípulos, estas almas escolhidas por Deus, estão disponíveis às surpresas da vontade divina. Já não procuram no Infinito a ajuda para os seus interesses limitados, mas procuram abandoná-los ao Infinito. Não é isto que Nosso Senhor reconhecerá nestes homens? Sois meus amigos, pois estiveram comigo desde o princípio: eles aceitaram, assinaram com suas vidas os decretos de Deus… e decidiram segui-Lo por onde quer que Ele fosse. A quem iremos, Senhor? Só vós tens as palavras da vida eterna.

Não desejando mais servir-se de Deus, Natanael deseja que Deus se servisse dele. Como a Virgem Maria e o seu Faça-se em mim segundo a vossa palavra, como São Paulo e o seu Que farais comigo, Senhor? ou como São João Batista e o seu eu devo diminuir para que ele cresça, a vida espiritual é uma adesão, uma procura contínua das disposições de Deus, e a oração, essa respiração da alma, só se torna verdadeira quando é a expressão dessa profunda dependência.

Nessas almas, Deus se faz conhecer. Nelas, a fé é a semente viva da vida sobrenatural. Ela encerra possibilidades infinitas e sempre novas. Não há repetição em Deus. Toda a visão do Céu, toda a vida eterna está no movimento da alma que desperta e no primeiro brilho da clareza divina que a ilumina. O que será esse brilho? Para onde levará esse movimento? Só Deus sabe: Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem (Is. 64,4), o que Deus preparou para aqueles que o amam.

Que sentido, que horizonte escondeu Nosso Senhor por detrás deste anúncio que o futuro revelará aos olhos dos seus primeiros discípulos? A cada passo do evangelho, diz Dom Guillerand, a mente é confrontada com questões que não consegue resolver com precisão. Segundo os tempos e as necessidades da nossa alma, o Espírito Santo ilumina estas grandes palavras que Ele mesmo nos recorda, e o ângulo sob a qual as mostra manifesta cada vez mais a imensurável grandeza daquele que as pronunciou.

A vida espiritual que vemos nascer nestas almas é a vida sobrenatural da graça, a fonte de água viva, uma fonte que jorra para a eternidade. Duc in altum, avance para as profundezas… É uma aventura. Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrá-la-á.

Pe. Vincent Bétin, FSSPX

terça-feira, 29 de abril de 2025

Vaidade do mundo

 Antonio de Pereda, A Alegoria da Vida ou A Alegoria da Vaidade do Mundo, 1637

Antonio de Pereda, A Alegoria da Vida ou A Alegoria da Vaidade do Mundo, 1637

Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos

Quid prodest homini, si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? – “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma” (Mt 16, 26)

Sumário. Os nossos parentes e amigos que estão na eternidade, lá da outra vida nos recomendam que não diligenciemos alcançar neste mundo senão os bens que nem mesmo a morte nos faz perder. Com efeito, de que aproveita ganharmos o mundo inteiro, se depois perdermos a alma? Perdida a alma, perdemos tudo! Penetrados desta grande máxima, quantos jovens se resolveram a encerrar-se nos claustros, quantos anacoretas a viver nos desertos, quantos mártires a dar a vida por Jesus Cristo!.

I. Um filósofo antigo, de nome Aristipo, fez em certa ocasião uma viagem por mar. O navio naufragou e o filósofo perdeu todos os seus bens, mas arribou felizmente à praia. Como era muito conhecido pelo seu saber, os habitantes do país o indenizaram de tudo que tinha perdido. Pelo que escreveu depois aos amigos da pátria que, avisados pelo seu exemplo, se premunissem somente daqueles bens que nem com o naufrágio se perdem. É isto exatamente o que lá do outro mundo nos recomendam os parentes e amigos que estão na eternidade: isto é, que não diligenciemos alcançar neste mundo senão os bens que nem a morte nos faz perder.

De que nos serve, diz Jesus Cristo, ganhar o mundo inteiro, se na morte, perdida a alma, perdemos tudo? Quid prodest homini, si universum mundum lucretur? Penetrados desta grande máxima, quantos jovens resolveram encerrar-se nos claustros, quantos anacoretas foram viver no deserto, quantos mártires deram a vida por Jesus Cristo! — Com esta máxima Santo Inácio de Loyola ganhou muitas almas para Deus; especialmente a bela alma de São Francisco Xavier, que estando em Paris se entregava a projetos mundanos. “Francisco”, disse-lhe um dia o Santo, “pensa que o mundo é traidor, que promete e não cumpre. Ainda quando cumprisse o que te promete, nunca poderia contentar-te o coração. Suponhamos que te contente: quanto tempo durará a tua felicidade? Mais que a vida? E afinal, o que poderás levar para a eternidade? Há porventura algum rico que tenha levado consigo uma moeda sequer, ou um criado para a sua comodidade? Há porventura algum rei que tenha levado consigo um fio de púrpura como distintivo?”
Tocado destas reflexões, Francisco renunciou ao mundo, seguiu Santo Inácio; e se fez santo. Vanitas vanitatum — “Vaidade das vaidades!” — era assim que Salomão chamava a todos os bens do mundo, depois de não se ter recusado prazer algum dos que o mundo pode oferecer: Vanitas vanitatum, et omnia vanitas (1) — “Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade!”

II. Procuremos viver de maneira que se nos não possa dizer na morte o que foi dito àquele egoísta do Evangelho: Stulte, hac nocte animam tuam repetent a te, quae autem parasti, cuius erunt? (2) — “Insensato, vais morrer, e que será feito dos bens que amontoaste?” Procuremos ser ricos não em bens mundanos, mas em Deus, em virtudes e em merecimentos, bens estes que nos acompanharão para sempre no céu. Numa palavra, cuidemos adquirir o grande tesouro do amor divino; pois que, no dizer de Santo Agostinho, embora estejamos de posse de todas as riquezas, seremos os mais pobres do mundo, senão possuirmos a Deus; o pobre, porém, que possui a Deus pelo amor, possui tudo.

Ah, meu Jesus, meu Redentor! Graças Vos dou por me terdes feito conhecer o meu desvairamento e o mal que fiz, voltando as costas a quem por mim sacrificou o sangue e a vida. Em verdade que não merecíeis da minha parte ser tratado como Vos tratei. Se a morte me surpreendesse nesta hora, que haveria em mim senão pecados e remorsos de consciência, que me fariam morrer em grande inquietação? Meu Salvador, confesso que fiz mal abandonando-Vos, o supremo Bem, pelas miseráveis satisfações deste mundo. Do fundo do coração me arrependo. Ah! Por essa dor que Vos fez morrer na cruz, dai-me tão grande dor de meus pecados que me faça chorar durante o resto da minha vida os agravos que contra Vós cometi. Meu Jesus, meu Jesus, perdoai-me; prometo nunca mais desagradar-Vos e amar-Vos sempre.

Senhor, não sou mais digno de vosso amor, porque o desprezei tanto no passado; mas Vós dissestes que amais a quem Vos ama: Ego diligentes me diligo (3). Amo-Vos; amai-me, pois, também. Não quero mais estar na vossa desgraça. Renuncio a todas as grandezas e gozos do mundo, contanto que me ameis. Meu Deus, atendei-me por amor de Jesus Cristo. Ele Vos pede que não me repilais do vosso coração. A Vós me consagro sem reserva; sacrifico-Vos a minha vida, as minhas satisfações, os meus sentidos, a minha alma, o meu corpo, a minha vontade e liberdade. Aceitai-me; e não me desprezeis, como o merecia, por ter tantas vezes desprezado a vossa amizade.

— Virgem Santíssima e minha Mãe, Maria, pedi a Jesus por mim; em vossa intercessão deposito toda a minha confiança.

Referências:

(1) Ecle 1, 2
(2) Lc 12, 20
(3) Pv 8, 17

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 24-27)

quinta-feira, 24 de abril de 2025

O QUE VIA NOSSO SENHOR DESDE A CRUZ

 

Fonte: FSSPX – Distrito da Espanha e Portugal

Elevado no alto do Calvário, pregado no madeiro entre o Céu e a terra, Nosso Senhor não sofria apenas no corpo, mas contemplava com os olhos da alma tudo o que se passava à Sua volta… e muito mais além. Desde a Cruz, Jesus via.

Via os Seus, via os inimigos, via os que choravam, os que fugiam, a Sua Mãe…
E também te via a ti.

Esta meditação convida-nos a entrar nesse momento sagrado, a olhar o mundo e a nossa própria vida com os olhos de Cristo crucificado, e a deixarmo-nos olhar por Ele com ternura e verdade.

Porque o Seu olhar não foi de acusação, mas de redenção.
Não foi de condenação, mas de compaixão.
E esse olhar… ainda hoje te procura.

1 – Via a cegueira do seu povo

Do alto da Cruz, Jesus não via apenas as pedras de Jerusalém… via os corações endurecidos do seu povo.
O povo eleito… aquele que Ele próprio alimentara no deserto, instruíra através dos profetas, libertara tantas vezes… agora gritava: “Crucifica-O!”
Via os fariseus, orgulhosos por O terem silenciado.
Via os escribas, convencidos da sua própria justiça.
Via o Sinédrio, satisfeito por tê-Lo condenado.
Via aquelas bocas que, dias antes, O aclamavam como Rei e agora pediam a Sua morte.

Santo Tomás de Aquino ensina que “Deus permite a cegueira espiritual como castigo de um coração que não quer ver” (Suma Teológica, II-II, q.15, a.1).
A cegueira dos judeus não era simples ignorância: era recusa voluntária da Luz.
São Afonso Maria de Ligório escreve com tristeza:

“Infeliz da alma que tem a Verdade diante de si e prefere permanecer nas trevas! Que ferida profunda causam no Coração de Jesus os olhos que se recusam a ver!”

Jesus via isto… e não amaldiçoava. Não se vingava.
Chorava em silêncio. Tal como chorara dias antes sobre Jerusalém:

“Jerusalém, Jerusalém… quantas vezes quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Lc 13, 34)

A Sua dor era a de um Deus rejeitado por aqueles que mais amava.

2 – Via a ausência dos seus amigos

Uma das dores mais agudas…
Onde estavam os Doze? Os Seus apóstolos? Os amigos a quem confiara tudo?

Pedro, o impetuoso, que prometera dar a vida por Ele, escondera-se com medo… depois de O negar três vezes.
Os outros tinham fugido.
Jesus via os lugares vazios. Sabia quem faltava.
E sentia o abandono.

Só João estava ali.
E mesmo essa presença fiel era uma espada, pois mostrava que era possível permanecer… mas os outros não quiseram.

Santo Tomás comenta que Cristo quis experimentar até o abandono, “para resgatar até os pecados da traição.”
São Afonso escreve:

“Os amigos fogem quando chega a cruz; só o verdadeiro amor permanece. E o Coração de Jesus, traído, amou ainda mais.”

Desde a Cruz, Cristo ensina-nos que a amizade verdadeira prova-se na hora da dor.

3 – Via o bom ladrão

À sua direita… uma alma brilhava no meio da escuridão: o bom ladrão.
Um homem que desperdiçara a vida… e agora, nos seus últimos momentos, reconhecia-O como Rei.

“Senhor, lembra-Te de mim quando estiveres no Teu Reino.”

Jesus via aquele coração arrependido…
E respondia com uma promessa inesperada:

“Hoje estarás comigo no Paraíso.”

São Afonso exclama:

“Foi um ladrão o primeiro a entrar no Paraíso. Ó misericórdia divina! Ó triunfo do amor que não se deixa vencer nem por uma vida inteira de pecado!”

Jesus via no bom ladrão o primeiro fruto da Sua Cruz.
E dá-nos esperança: ninguém está tão perdido que não possa ser salvo, se houver arrependimento sincero.

4 – Via as mulheres piedosas

Um pouco afastadas, chorando, estavam as santas mulheres.
Não tinham poder. Não podiam impedi-Lo de ser crucificado.
Mas estavam lá.

Tinham lágrimas.
Tinham fidelidade.
Tinham amor.

Jesus olhou para elas… e disse:

“Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós e pelos vossos filhos.” (Lc 23, 28)

Santo Tomás vê aqui um gesto missionário: mesmo na Cruz, Cristo chama à conversão.
São Afonso comenta:

“As lágrimas que nascem do amor e da compaixão são como sementes de salvação. Aquelas mulheres, sem o saberem, inauguravam a Igreja fiel.”

Jesus recolhe as suas lágrimas como um tesouro.
Porque as lágrimas de quem ama não são inúteis.
São oferendas silenciosas.

5 – Via a sua Mãe

A mais terna e mais dolorosa de todas as visões.
Maria.
Ali estava Ela. De pé.
Não desmaiava. Não fugia.
Sofria… mas permanecia firme, como uma rocha.

O olhar de Jesus e o olhar de Maria encontram-se.
Sem palavras. Mas dizem tudo.
Dois Corações unidos na dor e no amor.

São Afonso escreve:

“Maria não cravou os pregos, mas ofereceu o seu Filho com o coração. Foi a sacerdotisa silenciosa do Calvário.”

E então, Jesus, com as Suas últimas forças, diz:

“Mulher, eis o teu filho.”
“Filho, eis a tua Mãe.”

Ele faz o seu testamento.
E não nos deixa riquezas…
Deixa-nos a Sua Mãe.
Dá-nos Maria como consolo eterno junto de todas as nossas cruzes.

Depois de contemplarmos o que Jesus viu no Calvário naquele dia, queremos agora meditar num ponto ainda mais pessoal e profundo:
o que Jesus vê em ti, hoje, desde a Cruz.
Porque o Seu olhar não ficou preso ao ano 33.
Do alto da Cruz, Ele já te via a ti.
Conhecia-te. Amava-te. E olhava para ti com uma ternura sem fim… e com esperança.

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1 – Jesus vê-te… e não te despreza

Sim, Jesus vê a tua miséria.
Vê os teus pecados.
Vê quantas vezes, como Pedro, o negaste…
Quantas vezes, como os outros apóstolos, fugiste…
Quantas vezes foste indiferente, fraco, ingrato.

Mas Ele não desvia o olhar.
Não se envergonha de ti.
Do alto da Cruz, olha-te com compaixão, não com condenação.

Como dizia São Afonso Maria de Ligório:

“Jesus vê-nos não como somos agora, mas como podemos vir a ser com a Sua graça.”

Olha-te como olhou Pedro depois da negação: com um amor que quebra o coração e convida ao arrependimento.

2 – Jesus vê-te… e espera por ti

Vê-te longe… e espera. Vê-te distraído, ferido, desanimado…
E espera.

Não grita. Não força. Mas continua de braços abertos.

Não por causa dos cravos. Mas por amor.

Como o pai do filho pródigo.
Como esperou pelo bom ladrão até ao último instante.
Jesus olha-te desde a Cruz… e espera.

São Afonso dizia:

“Jesus está na Cruz com os braços abertos, para acolher todo o pecador que se volte para Ele.”

Que consolo saber que mesmo na nossa miséria… alguém nos espera com amor.

3 – Jesus vê-te… e espera a tua santidade

Jesus vê-te como és agora…
Mas também como podes ser com a Sua graça.

Vê-te generoso, puro, fiel, alegre.
Vê-te santo.

Como o escultor que olha para o mármore e já vê a obra-prima.
Como o jardineiro que contempla a semente e já imagina o jardim em flor.

Santo Tomás de Aquino dizia que Deus vê “não apenas os actos presentes, mas a ordem de toda a vida.”

Jesus acredita mais em ti do que tu próprio.
E da Cruz, chama-te à tua verdadeira grandeza.

4 – Jesus vê-te… e recorda o quanto sofreu por ti

Cada gota de sangue.
Cada espinho.
Cada bofetada.
Cada palavra de escárnio.
Tudo foi por ti.

Ele já te tinha no coração.

E mesmo vendo os teus pecados… não quis descer da Cruz.

Como diz São Paulo:

“Amou-me, e entregou-se por mim.” (Gál 2,20)

Sim, por ti. Com o teu nome. Com a tua história.
Tu foste o motivo da sua entrega.

São Afonso escrevia:

“Se só tu precisasses de redenção, Ele teria sofrido tudo o mesmo, só por ti.”

5 – Jesus vê-te… e entrega-te a Sua Mãe

Como fez com João, também te entrega Maria.
Olha para Ela… e olha para ti.
E diz:

“Filho, eis a tua Mãe.”

Porque sabe que vais precisar de consolo.
De protecção.
De ternura.
De uma presença junto à tua cruz.

E não há melhor Mãe do que a d’Ele.

São Afonso dizia:

“Quem tem Maria por Mãe, nunca está sozinho nem desamparado.”

Do alto da Cruz, Jesus dá-te o maior presente depois da salvação: a Sua Santíssima Mãe.

Conclusão 

Como respondes a este olhar?

Ele vê-te.
Com as tuas quedas.
Com as tuas lutas.
Com os teus medos.
Mas ama-te. Profundamente.

Hoje, Jesus do alto da Cruz olha para ti e pergunta, com infinita doçura:

— Queres voltar para Mim?
— Deixas-Me curar-te?
— Deixas-Me amar-te?
— Permites que te mostre quem realmente és?

Agora… olha tu para Ele.
Mesmo com lágrimas.
Mesmo com vergonha.
Mesmo sem palavras… olha.

E diz, como o bom ladrão:

“Senhor, lembra-Te de mim…”
“Não me deixes afastar mais.”
“Toma a minha miséria… mas não largues a minha mão.”

E ouvirás, lá no fundo da tua alma, a Sua voz amorosa, que rompe qualquer treva:

“Hoje estarás comigo no Paraíso.”

Da Comunhão Sacrílega

 

Crucificação de Cristo

Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos

Qui manducat et bibit indigne, iudicium sibi manducat et bibit, non diiudicans corpus Domini – “O que come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação, não fazendo discernimento do corpo do Senhor” (1Cor 11, 29)

Sumário. Antes de te aproximares da Mesa eucarística, examina sempre a tua consciência, e se por desgraça tiveres remorso de alguma falta grave, purifica a tua alma pela confissão sacramental. Quanto às culpas veniais, esforça-te por tirá-las de tua alma, ao menos as que forem deliberadas, e afasta de ti tudo o que não seja Deus. Ai daquele que comunga indignamente! Torna-se réu do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, e portanto come-O e bebe-O para a sua própria condenação.

I. Consideremos o enorme pecado que comete aquele que se atreve a chegar-se à sagrada mesa com pecado mortal na alma. Este pecado é tão enorme, que São João Crisóstomo, comparando-lhe todos os demais, não acha outro igual, e diz que quem o comete, especialmente sendo sacerdote, é muito pior do que o próprio demônio: Multo daemonio peior est qui, peccati conscius, accedit ad altare. São Pedro Damião explica a razão dizendo: “Se com os outros pecados ofendemos a Deus em suas criaturas, com este ofendemo-Lo em sua própria pessoa.

Que dirias do perverso que tirando a sacrossanta Hóstia da Âmbula sagrada, a atirasse a um vil monturo? Pior do que isso, diz São Vicente Ferrer, faz aquele que tem a ousadia de comungar sacrilegamente; porque, de certo modo, atenta contra o corpo de Jesus Cristo, obriga esta vítima inocente a morar em seu coração cheio de corrupção, entrega o Cordeiro imaculado nas mãos dos demônios que o insultam da mais horrenda maneira.

Pelo que Santo Agostinho compara os sacrílegos aos pérfidos Judeus, que crucificaram o nosso Redentor. Com esta diferença, porém: que os Judeus crucificaram ao Senhor da glória enquanto era terrestre e mortal, e os sacrílegos crucificam-No agora que reina no céu; aqueles só uma vez se atreveram a crucificá-Lo, estes renovam o deicídio freqüentes vezes; aqueles se tinham declarado inimigos figadais de Cristo, estes traem-No ao mesmo tempo que, pelo menos exteriormente, O reconhecem por seu Deus, simulando reverência e devoção, e imitando a Judas, abusam do sinal de paz: Osculo Filium hominis tradis (1) — “Com um beijo entregas o Filho do homem”.

É disso que Jesus se queixa sobretudo, pela boca de Davi: Si inimicus meus maledixisset mihi, sustimissem utique (2). Se um inimigo, parece dizer Jesus Cristo, me tivesse ultrajado, eu o suportaria com menos pena; mas tu, meu íntimo, meu ministro e príncipe entre o povo; tu, a quem dei tantas vezes a minha carne para sustento: tu me vendes ao demônio por um capricho, por uma vil satisfação, por um punhado de terra?

II. Mas ai do sacrílego! Ai de quem tem a ousadia de tornar-se réu do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, chegando-se indignamente à Mesa sagrada! Falando o Senhor com Santa Brígida a respeito daqueles infelizes, repetiu-lhe as palavras proferidas com relação ao pérfido Judas: Bonum erat ei, si natus non fuisset homo ille (3) — Seria melhor para eles se nunca houvessem nascido. Sim, porque, como diz São Paulo: “Quem come este pão e bebe este cálice do Senhor indignamente, come-O e bebe-O para sua própria condenação: iudicium sibi manducat et bibit.

Meu irmão, a fim de que não te suceda tamanha desgraça, segue o aviso do mesmo Apóstolo: Probet autem seipsum homo (4) — “Examine-se, pois, a si mesmo o homem”. Examina a tua conduta, e se a consciência te acusar de alguma grave culpa, purifica-a por meio de uma boa Confissão sacramental, antes de tomar o alimento da vida eterna. — Quanto às culpas veniais, deves tirar da alma ao menos as cometidas deliberadamente e expulsar do coração tudo que não é Deus. É o que, na interpretação de São Bernardo, significam as palavras que Jesus Cristo disse aos apóstolos, antes de lhes dar a comunhão na última ceia: Qui lotus est non indiget nisi ut pedes lavet (5) — “Aquele que está lavado, não tem necessidade de lavar senão os pés”.

Meu dulcíssimo Jesus, oh! Pudesse eu lavar com minhas lágrimas, e até com meu sangue, as almas infelizes em que o vosso amor é tão ultrajado no santíssimo Sacramento! Oh, pudesse fazer com que todos os homens se abrasem em vosso amor! Mas, se isto não me é concedido, desejo ao menos, Senhor, e proponho visitar-Vos muitas vezes e receber-Vos em meu coração, para Vos adorar, como de presente o faço, em reparação dos desprezos que recebeis dos homens neste diviníssimo mistério. Ó Pai Eterno, acolhei esta fraca homenagem que hoje Vos rende o mais miserável dos homens, em reparação das injúrias feitas a vosso divino Filho sacramentado; acolhei-a unida com a honra infinita que Jesus Cristo Vos deu sobre a Cruz e Vos dá ainda todos os dias no santíssimo Sacramento. E vós, minha Mãe Maria, obtende-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Lc 22, 48
(2) Sl 54, 13
(3) Mt 26, 24
(4) 1Cor 11, 28
(5) Jo 13, 10

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 11-14)

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Necessidade da perseverança

 

Perseverança na Oração

Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos

Qui autem perseveraverit usque in finem, hic salvus erit – “Quem perseverar até o fim, será salvo” (Mt 24, 13)

Sumário. Meu irmão, puseste agora mãos à obra; começaste a viver bem. Dá por isso graças ao Senhor. Lembra-te, porém, que ao que começa a recompensa é apenas prometida, mas é dada somente ao que persevera até ao fim. Quantos começarem bem, talvez melhor do que tu, mas depois acabaram mal e agora ardem no inferno! Para obteres a perseverança, deves em primeiro lugar pedi-la a Deus, e de teu lado deves empregar os meios mais apropriados.

I. São muitos os que começam, diz São Jerônimo, mas são poucos os que perseveram. Um Saul, um Judas, um Tertuliano começaram bem, mas acabaram mal, porque não perseveram no bem. Devemos saber, continua o mesmo Santo, que Deus não pede somente o começo de vida boa, mas quer também o fim: o fim é que alcançará a recompensa. — Diz São Boaventura que a coroa se dá somente à perseverança: Sola perseverantia coronatur. Pelo que São Lourenço Justiniani chama a perseverança porta do céu: coeli ianuam. Ora, não poderá entrar no paraíso quem não der com a porta.

Agora, meu irmão, abandonaste o pecado, e crês com razão ter recebido o perdão. És, pois, amigo de Deus; sabe todavia que não estás ainda salvo. E quando estarás salvo? Quando tiveres perseverado até ao fim: Que perseveraverit usque in finem, hic salvus erit. Começaste a viver bem: agradece-o ao Senhor; mas avisa-te São Bernardo que a recompensa celeste é somente prometida ao que principia, mas é somente dada ao que persevera. Não basta olhar só ao fim: é preciso ir após ele até alcançá-lo, segundo a expressão do Apóstolo: Sic currite, ut comprehendatis (1) — “Correi de tal modo que o alcanceis”.

Já meteste a mão ao arado, principiaste a viver bem; mas agora, mais do que nunca, teme e treme: “Empenhai-vos na obra de vossa salvação com temor e tremor” (2), diz o Apóstolo. E por quê? Porque se olhares para trás — o que não permita Deus! — e voltares para a vida de pecado, Deus te declarará excluído do céu: Nemo mittens manum ad aratrum et respiciens retro, aptus est regno Dei (3) — “Nenhum que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus”.

II. A perseverança tão necessária para a salvação é um dom todo gratuito de Deus, que nós nunca podemos merecer. Mas, como ensina Santo Agostinho, obtê-la-ão da misericórdia divina todos os que lh’a pedem e por seu lado empregam os meios próprios para levar uma vida bem ordenada.

— Se queres perseverar e salvar-te, frequenta os santíssimos Sacramentos; faze todos os dias uma meditação e ouve uma santa missa; visita todos os dias a Jesus sacramentado e examina a tua consciência. Tem sobretudo grande devoção a Nossa Senhora, que se chama a Mãe da perseverança. Consagra-te também muitas vezes inteiramente ao Senhor, e dize-Lhe com ternura, especialmente de manhã, antes de te dares às ocupações:

 “Ó Deus eterno, eis-me aqui prostrado em presença de vossa infinita majestade, e adorando-Vos humildemente, consagro-Vos todos os meus pensamentos, palavras e obras deste dia, e tenho tensão de fazer tudo por vosso amor, para vossa glória, para cumprir a vossa divina vontade, para Vos servir, louvar, e bendizer, para ser iluminado acerca dos mistérios de nossa santa fé, para assegurar a minha salvação e esperar na vossa misericórdia, para satisfazer à vossa divina justiça pelos meus muitos e gravíssimos pecados, em sufrágio das almas santas do purgatório e para obter para todos os pecadores a graça de uma verdadeira conversão.

“Numa palavra, tenho a intenção de fazer tudo em união com as intenções puríssimas que em sua vida tiveram Jesus e Maria, todos os santos do céu e todos os justos da terra. Quisera que me fosse possível assinar esta minha intenção com o meu próprio sangue e repeti-la a cada instante tantas vezes, quantos são os instantes de toda a eternidade. Recebei, ó meu Deus amado, esta minha boa vontade; dai-me a vossa santa bênção com a graça eficaz de nunca cometer um pecado mortal em toda a minha vida, e particularmente neste dia, no qual desejo e tenciono ganhar todas as indulgências que possa ganhar, e assistir a todas as missas que hoje vão ser celebradas no mundo inteiro, aplicando-as todas em sufrágio das almas santas do purgatório, a fim de que sejam livradas daquelas penas. Assim seja.” (4)

Referências:

(1) 1Cor 9, 24
(2) Fl 2, 12
(3) Lc 9, 62
(4) Indulg. de 100 dias cada dia, e indulgência plenária para quem a recitar durante um mês inteiro, com tanto que se confesse, comungue e ore segundo as intenções do Sumo Pontífice.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 9-11)

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