domingo, 1 de janeiro de 2023

PREGAR COM O BOM EXEMPLO

 

(Foto: São Paulo Apóstolo)

“(...) Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui seminat, seminare (Mat 13, 3). Entre o semeador e o que semeia há muita diferença.

Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega.
O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador.
Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo.

O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? -- o conceito que de sua vida têm os ouvintes.

Antigamente convertia-se o mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras.
Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem.

A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra: Infixus est lapis in fronte ejus (1Re 17,49). As vozes da harpa de David lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram vozes formadas com a mão: David tollebat citharam, et percutiebat manu sua (1 Re 16,23). Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão.

Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras.
Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram cem palavras? -- Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras.

(...) Vissem os ouvintes em nós o que nos ouvem a nós, e o abalo e os efeitos do sermão seriam muito outros.
Sabem, padres pregadores, por que fazem pouco abalo os nossos sermões? -- Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos.

Porque convertia o Baptista tantos pecadores? -- Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos.
(...) Se os ouvintes ouvem uma coisa e vêem outra, como se hão de converter?

Jacob punha as varas manchadas diante das ovelhas quando concebiam, e daqui procedia que os cordeiros nasciam malhados (Gen 30, 39).

Se quando os ouvintes percebem os nossos conceitos, têm diante dos olhos as nossas manchas, como hão de conceber virtudes? Se a minha vida é apologia contra a minha doutrina, se as minhas palavras vão já refutadas nas minhas obras, se uma cousa é o semeador e outra o que semeia, como se há de fazer fruto?”

(Padre António Vieira, SJ, in: Sermão da Sexagésima (trecho); Obras Completas de Vieira, Tomo I, Lello & Irmão Editores, Porto: 1959, páginas 14-17; grifos, divisão dos parágrafos e título nossos)

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