quarta-feira, 14 de setembro de 2016

QUÃO FELIZ É O NOSSO ESTADO NA LEI EVANGÉLICA


1. - Felizes os olhos que vêem o que vocês vêem.
"Felizes os olhos que vêem o que vocês vêem" (Mt 16, 13.). Estas são as palavras de Cristo aos seus discípulos, não só os presentes, como eram então os Apóstolos e os que o seguiam, mas também os futuros, em cujo número também nós somos chamados.
A nossa sorte não é realmente em nada inferior à deles. Que viam eles, porque foram chamados "felizes"? E o que vemos nós para que não possamos ser como eles também "felizes"? "Seus olhos viam o seu Mestre, segundo o que foi profetizado por Isaías. Mas ao mesmo tempo foi também predito a toda a futura Igreja, "que jamais será tirado dela o seu Mestre (Is 30, 20). E a nós também Cristo prometeu: "Eu estarei com vocês todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt
28, 20).
Talvez os "que segundo a carne conheceram o Cristo", serão mais felizes do que nós, "que segundo a carne já não o conhecemos"? Ao contrário eu leio: "Felizes os que não viram e creram" (Jo 20, 29). Como, portanto, "felizes os olhos que vêem"?
Existem dois modos com que se pode ver Cristo: pelos sentidos e pela fé. No primeiro modo Cristo foi visto também pelos seus inimigos; e tanto é falso que esta visão tenha podido fazer-lhes bem, que ao contrário os fez mais miseráveis, dizendo Ele mesmo: "Se eu não viesse e não lhes tivesse falado, não teriam pecado" (Jo 15,22).
Nos dois modos os viram os Apóstolos, e por isso mereceram seus olhos serem chamados felizes. No segundo e mais perfeito o vemos nós agora, isto é, pela fé; e por isso se a nós falta a visão sensível, não somos menos "felizes" que eles.
Consideremos porém brevemente esta nossa felicidade, que consiste em Deus nos "ter chamados à sua luz admirável, junto aos Santos" (1Pd 2, 9) e "por ter iluminado os olhos da nossa mente" (Ef 1, 18) e "justificados os nossos corações por meio da lei da Fé" (Rm 3, 26-27). Vejamos finalmente quanto seja feliz o nosso estado no seu Evangelho e na sua Graça.
Para realçar um tão grande benefício - quase esquecido por muitos - empenha-nos a gratidão que devemos a Deus: o amor da nossa salvação necessariamente nos une a ele para tê-lo e usar sempre em aumento da nossa justiça, para não abusar mais em aumento do nosso suplício.
2. - A condição dos cristãos na lei evangélica é a mais honrosa e digna.
Três coisas concorrem para fazer um homem feliz sobre a terra: honra, riqueza, diversão. Mas que estado jamais foi ou será mais honrado ao mundo do que o nosso?
Eu sei que em louvor da nação Hebréia foi dito pelo Salmista, que "Deus com nenhum outro povo agiu assim, a nenhum deles manifestou os seus mandamentos" (Sl 147, 20) como a ela. Disse também o Apóstolo que aos Hebreus foi confiada a eloqüência divina. Moisés de fato recebeu a Lei por todo aquele povo, escrita por Deus "Sobre tábuas de pedra, e foi tão gloriosa essa 'missão' que os filhos de Israel não podiam olhar o rosto de Moisés pelo grande esplendor que dele saia" (Ef 1, 17-20).
Mas muito inferior que a nossa é essa glória. Pois aquela Lei foi dada a eles num mármore externo; nós a temos escrita internamente nos corações: para eles a letra, para nós o Espírito (2Cor 3, 3, 7).
"Eis - diz Deus por meio de Jeremias falando dos nossos tempos - dias hão de vir - oráculo do Senhor - em que firmarei nova aliança com as casas de Israel e de Judá. Será diferente da que conclui com seus pais no dia em que pela mão os tomei para tirá-los do Egito, aliança que violaram embora eu fosse o esposo deles.
Eis a aliança que, então, farei com a casa de Israel - oráculo do Senhor: - Incutir-lhe ei a minha lei; gravá-la-ei em seu coração. Serei o seu Deus e Israel será o meu povo. Então ninguém terá encargo de instruir seu próximo ou irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor", porque todos me conhecerão, grandes e pequenos - oráculo do Senhor, - pois a todos perdoarei as faltas, sem guardar nenhuma lembrança de seus pecados" (Is 31, 31-34).
3. - A nova lei é a própria graça do Espírito Santo.
Para maior clareza do assunto não será talvez inoportuno apresentar uma doutrina muito clara do Doutor Angélico, que antes foi de Santo Agostinho. Na Lei evangélica deve-se considerar duas coisas: "A principal é a graça do Espírito Santo e se dá por meio da fé em Cristo. A segunda é letra, ou seja a escritura do S. Evangelho, na qual se contêm as coisas pertencentes à graça, ou como disposição para recebê-la, ou como meio em relação ao uso da mesma. (2.)
Como dispositivas quanto ao intelecto pela fé, por meio da qual se recebe a graça, se contêm no Evangelho aquelas coisas que dizem respeito a manifestar a Humanidade de Cristo; quanto ao afeto, se contém no Evangelho aquelas coisas que dizem respeito ao desprezo do mundo, pelo qual o homem se torna capaz da graça do Espírito Santo; pois "o mundo - isto é os amantes do mundo - não pode receber o Espírito Santo", como se lê em S. João (Santo Tomás, citando Jo 14, 17).
O uso, pois, desta graça espiritual está nas obras da virtude, às quais de muitas maneiras a Escritura no Novo Testamento exorta os fiéis.
Ora assim como toda outra coisa se define e parece que seja constituída por aquilo que nela é principal, como a "razão" ao homem, assim "principalmente a nova Lei é a própria Graça do Espírito Santo dada aos fiéis; daí o Apóstolo a chama "Lei de Fé, Lei de Espírito e de vida em Cristo Jesus" (Rm 3, 27; 8, 2).
E o acima louvado S. Agostinho: "Quais são - diz - estas leis de Deus pelo próprio Deus escritas nos corações, se não a própria presença do Espírito Santo?". Eis até que ponto se eleva a "glória" do nosso estado.
4. - Não pode haver estado de maior excelência e dignidade.
Não só não houve jamais estado no mundo mais digno do que este, mas o que é mais - não pode nem menos existir, como dizia no princípio. Pois "tanto é mais perfeita uma coisa quanto mais próxima do fim último. E nenhuma coisa pode ser mais próxima do fim último do que aquele que ao último fim introduz imediatamente.
Mas isto é justamente o que faz a Lei nova segundo o que diz o Apóstolo: "Tendo portanto, ó Irmãos, confiança no intróito dos Santos no Sangue de Cristo, aproximemo-nos pelo caminho em que ele nos iniciou". Daí que na presente vida não pode haver estado de excelência e dignidade maiores.
5. - A condição dos cristãos na Lei Evangélica é a mais rica promessa de uma felicidade não terrena, mas celeste.
Vejamos se este estado - tão ilustre pela honra - seja abundante igualmente pela riqueza. Falando dela o Apóstolo aos Efésios: "Rogo ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória vos dê um espírito de sabedoria que vos revele o conhecimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que Ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos
a fé" (Ef, 17-20).
Os Hebreus tiveram na antiga Lei promessas temporais, riquezas terrenas, opulências visíveis; uma terra fértil onde corria leite e mel, ricos espólios, copiosos tributos dos seus inimigos vencidos, os palácios de seus reis repletos de preciosos tesouros de ouro e de gemas e de tudo que é mais raro no mundo. E para ele estava bem, pois eram "servos"; assim Deus pagará prontamente cada dia seu salário.
Nós somos "filhos"; e como tais nosso Pai celeste não nos oferece agora o salário diário que não se convém, mas nos prepara a herança que nos convém.
Talvez porque o mercenário pode mostrar na mão algum pagamento, diremos que ele é mais rico do que o filho que aguarda a herança, ao qual o Pai diz: Tudo que é meu é teu? Não certamente.
E se existe alguma mesmo entre os cristãos que nesta vida estime mais alguma coisa do bem presente que a glória futura, eu não me espanto, dizendo S. Agostinho, que na lei evangélica existem muitíssimos que, cristãos de nome e não de espírito, vivem debaixo da Lei, e não da Graça, e "pertencem ao Antigo Testamento que gera na escravidão".
Aqueles, pois, que pertencem ao Novo Testamento entendem bem e gostam de ouvir o que a cada um deles grita o mesmo santo Doutor: "Não foi chamados a abraçar a terra, mas a conquistar o céu, não a uma felicidade terrena, mas celeste, não a sucessos temporais a prosperidades fugazes, mas a uma vida eterna com os Anjos". Antes de boa vontade ouvem ainda o que diz S. Paulo: "Ninguém se amedronte em meio às tribulações presentes, pois vós bem sabeis que esta é a nossa sorte" (I TS, 3, 3). Que é o mesmo que dizer: Isto é aquilo que agora nos convém.
6. - A riqueza dos cristãos é também atual pela posse de eminentes bens.
A nossa riqueza não é somente direito à futura herança; temos aqui também a posse de muitos eminentes bens.
Quem de fato dirá que não possui uma grande riqueza, quem possui uma coisa "da qual não se pode saber o valor, a cujo confronto não podem se manter o ouro ou a prata, e que supera em valor quanto mais são as coisas excelsas em valor e admiração dos homens?" E esta é a "sabedoria" (Jó 27, 15; Pr 8, 2; Sb 7, 9); que por outro lado é assim própria de todos aqueles que neste estado receberam o "Espírito e a infusão dos seis dons ou da unção do próprio Espírito", segundo o que
diz S. João: "A unção vos ensina todas as coisas" (1Jo 2, 27) .
Que direi pois da "caridade infundida em nossos corações?" (Rm 5, 5) O Anjo do Apocalipse falando desta ao Anjo de Laodicéia, que de fato era pobre, embora abastado de riquezas temporais, assim se exprime: Pois dizes: sou rico, faço bons negócios, de nada necessito - e não sabes que és infeliz, miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que compres de mim outro provado ao fogo, para ficares rico" (Ap3, 17).
E em outro lugar: "se alguém desse toda a riqueza de sua casa em troca do Amor, só obteria desprezo" (Ct 8, 7) ; tanto é inestimável.
Bem pois se pode dizer com o Apóstolo a todos os que são fiéis da Nova Lei em Cristo: "Nele fostes ricamente contemplados com todos os dons... Assim, enquanto aguardais a manifestação de nosso senhor Jesus Cristo, não vos falta dom algum" (1Cor 1, 5, 7).
7. - A condição dos cristãos na Lei Evangélica é a mais agradável.
Resta agora que para provar completa a felicidade de um estado tão nobre e rico, eu passe a demonstrar ainda o doce, o "agradável".
"Vinde a mim vós todos, assim suavemente nos convida o Cristo, vinde a mim vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós, porque meu jugo é suave e meu peso é leve" (Mt 11, 2 , 30). Que é justamente o que diz S. João: "Os preceitos dele não são penosos" (1Jo 5, 3). "Não são penosos - comenta S. Agostinho - a quem ama, embora sejam graves a quem não ama" (7). E a razão é clara, porque - como diz o Filósofo - "fazer aquilo que faz o justo é fácil, mas fazer do modo como faz o justo - isto é com amor e prontidão - é dificílimo para quem não tem a justiça" (Id).
E justamente "na justiça, na paz, na alegria do Espírito Santo está o reino de Deus", atesta S. Paulo (Rm 14, 17). A quem ama, pois, tudo é suave, tudo é fácil.
De modo que "as próprias adversidades - continua S. Tomás - que sofrem os observadores da nova Lei, embora não sejam impostas pela própria Lei, todavia pelo amor no qual consiste a própria Lei, facilmente são toleráveis" (Rm 8, 15). De resto o que há de mais doce, mais agradável, mais alegre que o amor? Que coisa mais suave que ser guiados e dirigidos pelo Espírito de Amor? Este é o especial sinal característico daqueles que na nova Lei receberam a "adoção dos filhos"; pois "os que agem pelo espírito de Deus, estes são Filhos de Deus" (Rm 8, 14).
"Ó quão suave é o teu Espírito, ó Senhor", exclamava o Salmista" (Sb 12, 1).
Que coisa mais agradável que agir conforme o instinto da graça interior, a qual nos inclina a agir retamente e nos faz livremente agir como convém à graça, e evitar tudo o que a ele repugna. Donde se possa dizer que "onde existe o Espírito de Deus, aí está a liberdade" (2Cor 2, 17). Liberdade verdadeira, liberdade santa, liberdade "pela qual Cristo nos libertou segundo o juramento que Deus havia feito aos antigos Pais; que sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, sirvamos a Ele em santidade e justiça diante Dele todos os dias da nossa vida" (Gl 4, ,31; Lc 10, 17).
Este é o estado feliz de quem "habita no monte santo de Deus" (Lc 10, 23), isto é na sua Igreja, plantada com o sangue do seu Filho, que pertence à Lei nova do seu Evangelho. Feliz pela honra, feliz pela riqueza, feliz pelo amor. "Felizes os olhos que vêem o que vocês vêem".

Fonte: São Pio V

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