sexta-feira, 9 de junho de 2017

A revelação do Sagrado Coração feita no século XVII não foi coisa inaudita na Igreja

Quatro séculos antes das revelações de Jesus Cristo à venerável Alacoque, Santa Gertrudes havia recebido de Nosso Senhor, acerca do Sagrado Coração, revelações não menos esplêndidas do que as de Paray-le-Monial. Jesus mesmo lhe ordenara que as pusesse por escrito


Santa Gertrudes por Miguel Cabrera, 1763










Monsenhor de Ségur (*) | Sensus fidei: Os jansenistas acusavam de “novidade”, de “coisa nunca ouvida”, o culto ao Sagrado Coração. Crasso erro.
Como já dissemos, quatro séculos antes das revelações de Jesus Cristo à venerável Alacoque, Santa Gertrudes havia recebido de Nosso Senhor, acerca do Sagrado Coração, revelações não menos esplêndidas do que as de Paray-le-Monial. Jesus mesmo lhe ordenara que as pusesse por escrito. “Não deixarás este mundo — disse-lhe num dia em que sua humildade a fazia vacilar — não deixarás este mundo sem que hajas terminado de escrever. Quero que os teus escritos sejam para os últimos tempos, uma prenda de minha divina bondade. Por meio deles farei grande bem em muitas almas. Enquanto escreveres, terei teu coração junto ao meu, e verterei nele gota a gota o que deves dizer”. E o admirável livro de Santa Gertrudes a constituiu em muito íntima evangelista do Sagrado Coração de Jesus.
Tinha a Santa particularíssima devoção ao apóstolo São João, e assistindo a Matinas em um dia de sua festa, aparece-lhe o Discípulo amado de Jesus, envolto de uma glória incomparável. “Amorosíssimo Jesus, disse Santa Gertudes para Jesus Cristo, como apresentais a mim, indigna criatura, Vosso discípulo amado?”-“Eu o quero, disse Jesus, entre tu e ele estabelecerei uma amizade íntima: ele agora estará no céu como teu fiel protetor.”
Falando a Santa Gertrudes, São João disse: “Venha, esposa de meu Mestre, descansemos plenamente nossas cabeças sobre o peito muito suave do Senhor: nele estão contidos todos os tesouros do céu”. E Santa Gertrudes tendo inclinado a cabeça sobre o lado direito do peito do Salvador, enquanto João apoiava-se sobre o lado esquerdo, o discípulo amado continuou: “Este é o Santo dos Santos: todos os bens da terra e do céu são atraídos para ele como ao centro.”
Os batimentos do coração de Jesus agradaram a alma de Gertrudes. “Amado do Senhor, ela perguntou a São João, estes batimentos harmoniosos, que encantam a minha alma, alegraram-te quando repousastes durante a Última Ceia, no peito do Salvador? — Sim, respondeu o Apóstolo, sim, eu ouvi, e sua suavidade me penetrou as profundezas da alma. — Então, onde é que em teu Evangelho insinuastes os segredos amorosos do Coração de Jesus Cristo? — Meu ministério, naqueles primeiros dias da Igreja, devia limitar-se a falar sobre a Palavra incriada, o Filho eterno do Pai, poucas palavras frutíferas que a inteligência humana sempre pudesse meditar, sem jamais esgotar as riquezas, mas aos últimos tempos foi reservada a graça de ouvir a voz eloquente dos batimentos do Coração de Jesus; essa voz que irá rejuvenescer o mundo envelhecido; ele sairá do seu torpor e o calor do amor divino o acenderá novamente.”
Em outra parte de seu livro, Gertrudes nos faz ouvir um eco destes celestiais batimentos do Coração de Jesus Cristo. A Santa percebeu a pressa de suas Irmãs para ir à igreja assistir ao sermão; a doença a mantinha em sua cela. “Ah! meu querido Senhor, disse ela a gemer, como eu iria de todo o meu coração assistir ao sermão, se eu não estivesse doente. — “Que queres, minha amada, que Eu mesmo pregue para ti? Respondeu imediatamente Nosso Senhor. — De bom grado, ingenuamente respondeu Gertrudes. Então Jesus inclinou a alma de Gertrudes ao Seu Sagrado Coração, e ela logo percebeu dois batimentos muito suaves de se ouvir.
“Em um desses batimentos, disse-lhe Jesus, opera a salvação dos pecadores; em outro, a santificação dos justos. O primeiro batimento fala incansavelmente a meu Pai para que apazigue sua justiça e atraia a sua misericórdia. Pelo mesmo batimento, Eu falo a todos os Santos, pedindo-lhes que roguem perdão pelos pecadores, com a indulgência e o zelo de um bom irmão, e instando-os a interceder por eles. O mesmo batimento é o apelo incessante que dirijo misericordiosamente aos próprios pecadores, com inexprimível desejo de vê-los voltarem para mim, que nunca me canso de esperar por eles.
“Pelo segundo batimento, não cesso de manifestar a meu Pai quanto me felicito por haver dado meu sangue para resgatar tantos justos, em cujos corações experimento delícias sem conta. Convido à Corte celestial a admirar comigo a vida dessas almas perfeitas, e a dar graças a Deus por todos os bens que lhe foi dado, já, ou que se lhes prepara. Finalmente, este batimento de meu Coração é o trato habitual e familiar que tenho para com os justos, já para testificar lhes deliciosamente meu amor, já para repreender-lhes por suas faltas e fazer-lhes progredir dia após dia e hora após hora.
“Assim como nenhuma ocupação exterior, nem distração alguma da vista nem do ouvido interrompem os batimentos do coração humano, assim tampouco o governo providencial do universo poderá, até o fim dos séculos deter, interromper ou retardar um instante estes dois batimentos de meu Coração”.
Outro dia, tendo seu Coração nas mãos, Jesus o apresentou à Santa Gertrudes, e lhe disse: “Olha meu dulcíssimo Coração, harmonioso instrumento cujos acordes embelezam a Santíssima Trindade! Eu O dou a ti, e ele estará às tuas ordens como um servidor fiel e solícito para suprir tuas imperfeições. Faze segundo meu Coração te ordenar, e tuas obras encantarão o olhar e o ouvido de Deus”.
Deste modo Gertrudes viveu, até seu último suspiro, uma vida de amor, de ternura, de sacrifícios no Sagrado Coração de seu Deus. Em sua agonia, em 17 de novembro de 1292, a Irmã a quem a Santa Abadessa havia ditado seu livro, viu como Nosso Senhor se acercava da moribunda, com o rosto radiante de alegria, tendo à sua direita a beatíssima Virgem Maria, e à sua esquerda o Discípulo amado, São João. Em torno deles se agrupava uma multidão de Anjos, Virgens e Santos.
Junto ao leito da Santa moribunda, liam o Evangelho da Paixão; e ao chegar a estas palavras: “E inclinando a cabeça, entregou seu espírito”, Jesus se inclinou para Gertrudes, entreabriu com ambas as mãos seu próprio Coração, e derramou suas chamas naquela alma bem-aventurada.
Momentos antes de expirar, Jesus lhe disse com amor: “Finalmente chegou o momento de dar em tua alma o ósculo que deve uni-la comigo; finalmente meu Coração poderá apresentar-te a meu Pai celestial!”
Nesse instante, a alma bem-aventurada de Gertrudes, rompendo o laço que a unia a seu corpo, elevou-se resplandecente para Jesus e penetrou no santuário de seu dulcíssimo Coração.
Este mesmo mistério de amor, de misericórdia e de santificação era o que Jesus devia revelar quatrocentos anos mais tarde para ser nos últimos tempos a prenda de sua divina bondade.
Adoremo-lo e bendigamo-lo com todo nosso coração; elevemos a Ele nosso espírito, e digamos-lhe com Santa Gertrudes:
“Aqui me tendes perto de Vós, ó meu Deus, que sois um fogo consumidor; fazei que pela força, pela violência, pela abundância de vosso ardor me abrase a chama de vosso amor, e que, não sendo mais do que um grão de pó, sinta-se minha alma completamente devorada, consumida e perdida em Vós.
“Dai-me, meu Senhor Jesus Cristo, a graça de amá-Lo com todo meu coração, de unir-me a Vós com toda minha alma, de empregar-me em vosso amor e em vosso serviço com todas as minhas forças, de viver segundo vosso Coração; e fazei que na hora de minha morte, dando-me Vós mesmo as disposições necessárias, possa entrar sem mancha em vosso nupcial festim.
“Oh amor de Jesus! Absorvei-me à maneira que a plenitude de um mar profundo absorve uma pequena gota de água. Outorgai-me a graça de abandonar-me em Vós e confundir-me em Vós de tal maneira, que jamais volte a encontrar-me senão em Vós, oh Jesus, meu doce amor, bem de minha vida! Assim seja”.
Nota:

(*) Monsenhor de Ségur. El Sagrado Corazon de Jesus. pp. 25-30. Casa Editorial de Manuel Galindo y Bezares. 1888.

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