Cristo carregando a cruz encontra sua Mãe - Esteban Murillo (1660) |
Consideremos também as razões deste amor e melhor entenderemos quanto nos ama essa boa Mãe.
a) A primeira razão do seu grande amor para com os homens é o seu grande amor para com Deus. O amor a Deus e o amor ao próximo, como disse S. João, se contêm debaixo do mesmo preceito. "E nós temos de Deus este mandamento, que o que ama a Deus, ame também a seu irmão" (1Jo 4, 21). De sorte que quanto cresce um, tanto o outro aumenta. Não foi porque muito amaram a Deus, que tanto fizeram os santos por amor do próximo? Chegaram ao ponto de expor e perder a liberdade e até a própria vida pela sua salvação. Leia-se o que fez S. Francisco Xavier nas Índias. Lá galgava montanhas, enfrentava mil perigos em busca de miseráveis criaturas, enfrentava mil perigos em busca de miseráveis criaturas dentro das cavernas, onde habitavam como feras. E tudo fazia para converter e socorrer as almas desses gentios. Um S. Francisco de Sales, quanto não fez para converter os hereges da província de Chablais! Por espaço de um ano se arriscou a passar todos os dias um rio, de gatinhas por cima de uma trave gelada, a fim de ir à outra banda catequizar aqueles obstinados.
Para alcançar a liberdade ao filho de uma pobre viúva, entregou-se um S. Paulino por escravo. S. Fidélis pregava aos hereges de uma localidade para levá-los a Deus e alegremente perdeu a vida pregando. Coisas tão grandes fizeram os santos pelo amor do próximo, porque amavam ardentemente a Deus; Mas quem jamais amou a Deus como Maria? Ela amou-o mais no primeiro instante da sua vida, do que o têm amado todos os anjos e santos em todo o decurso da sua existência. Vê-lo-emos mais difusamente, quando falarmos das virtudes de Maria.
A própria Virgem revelou a sóror Maria Crucifixa quão grande era o fogo de seu amor para com Deus. Nele colocado todo o céu e toda a terra, em um instante seriam consumidos por suas labaredas. Disse-lhe também que, em comparação dele, todos os ardores dos Serafins eram como fresca aragem. Não havendo, portanto, entre os espíritos bem-aventurados um só que no amor a Deus exceda a Maria Santíssima, não temos nem podemos ter quem abaixo de Deus mais nos queira, do que essa amorosíssima Mãe. Reuníssemos nós, enfim, o amor de todas as mães a seus filhos, de todos os esposos às suas esposas, de todos os anjos e santos para com seus devotos, não igualaria todo esse amor ao amor que Maria tem a uma só alma. É mera sombra o amor de todas as mães a seus filhos, quando comparado ao de Maria para conosco, diz o Padre Nieremberg. Muito mais nos ama ela só, diz o mesmo padre, do que amam uns aos outros os anjos e os santos.
b) Além disso, nossa Mãe ama-nos muito, porque lhe fomos entregues por filhos pelo seu amado Jesus. Isto aconteceu quando, antes de expirar, lhe disse: "Mulher, eis o teu filho", indicando-lhe na pessoa de S. João a todos os homens, como já acima dissemos. Foram estas as últimas palavras que lhe dirigiu o Filho. As últimas instruções, porém, deixados por entes queridos na hora da morte, muito se estimam, e jamais se riscam da memória.
De mais a mais somos filhos muito queridos de Maria, porque lhe custamos muitas dores. Em geral as mães têm mais predileções pelos filhos, cuja vida mais trabalhos e dores lhes custou. Somos nós como estes filhos de dores. Pois Maria obteve nosso nascimento para a vida da graça, oferecendo à morte, ela mesma, a amada vida do seu Jesus, consentindo em vê-lo expirar diante de seus olhos, à força de sofrimentos. Desta grande imolação de Maria nascemos então nós à vida da divina graça. Somos-lhe por conseguinte filhos mui queridos, porque lhe custamos muitas dores.
Do Eterno Pai diz o Evangelho que amou os homens a ponto de por eles entregar à morte seu Filho Unigênito (Jo 3, 16). O mesmo também, diz S. Boaventura, se pode dizer de Maria: Tanto amou os homens, que por eles entregou seu Filho Unigênito.
E quando foi que a nós o entregou? Deu-o, diz o Padre Nieremberg, quando lhe concedeu licença para entregar-se à morte. Deu-o, quando não defendeu a vida de seu Filho perante os juízes, deixando os outros de a defender ou por ódio ou por temor. Pois com certeza as palavras de tão sábia e desvelada Mãe teriam causado grande impressão, pelo menos sobre o espírito de Pilatos. E ele não ousaria condenar à morte um homem, do qual ele próprio reconhecera e declarara a inocência. Mas, não; Maria não quis dizer nem uma só palavra a favor do Filho, por não impedir a sua morte, da qual dependia a nossa salvação. Deu-o, finalmente, milhares de vezes, naquelas três horas, em que ao pé da cruz lhe assistiu à morte. Então com suma dor e com intenso amor para conosco, estava sacrificando por nós a vida de seu Filho. E era-lhe tanta a constância, que, se então faltassem algozes, ela mesma o crucificaria para obedecer à vontade do Eterno Pai, que decretara aquela morte para nossa salvação. Assim discorrem S. Anselmo e S. Antonino.
Já em Abraão vemos um semelhante ato de fortaleza, querendo sacrificar o filho com as próprias mãos. Ora, devemos crer certamente que com maior constância o teria executado Maria, mais santa e mais obediente que Abraão. Mas voltemos ao nosso assunto. Qual não deve ser nossa gratidão para com Maria Santíssima por tanto amor, por tanto sacrifício que fez da vida do Filho, com tão grande dor sua, a fim de nos alcançar a salvação? Largamente remunerou o Senhor a Abraão o sacrifício que quis fazer-lhe do seu Isaac. Mas nós, que poderemos dar a Maria pela vida que nos deu do seu Jesus, Filho muito mais nobre e amado que o filho de Abraão? Este amor de Maria muito nos obriga a amá-la, observa S. Boaventura. Pois não vemos como ela nos amou mais do que todas as criaturas, como entregou por nós seu Filho único, a quem amava mais do que a si mesma?
c) Daí resulta um outro motivo do amor da Virgem para conosco. E que ela sabe que somos o preço da morte de Jesus Cristo. Quanto não estimaria a um servo a mãe que o soubesse resgatado por seu filho querido, a preço de vinte anos de penoso cativeiro! Bem sabe Maria que o Filho não veio à terra senão para salvar-nos, como ele mesmo protestou: Eu vim salvar o que tinha perecido (Lc 19, 10). E para salvar-nos despendeu até a própria vida, fez-se obediente até à morte na cruz. Se Maria nos amasse pouco, mostraria que pouco amava o sangue do Filho, que é o preço da nossa salvação. Foi revelado a S. Isabel da Hungria que a Virgem, durante sua estadia no templo, toda se entregava em rogar a Deus se dignasse apressar a vinda de Jesus Cristo. Ora, tanto maior devemos julgar seu amor para conosco, depois que viu quanto valemos para seu Filho, que se dignou resgatar-nos por um preço tão elevado.
*Grifos meus.
(Livro: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório)
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário