Sumário. Podia Jesus salvar-nos sem sofrer. Mas não; por nosso amor quis abraçar uma vida de dores e de desprezos, sem qualquer consolação terrena. Mais, durante toda a sua vida suspirava continuamente pela hora de sua morte, a fim de ser batizado com o seu próprio sangue e limpar-nos das imundícies dos nossos pecados. Em vista de tudo isso, como poderemos deixar de amá-Lo de todo o nosso coração, e recusar-nos a sofrer alguma coisa por seu amor?
I. Podia Jesus salvar-nos sem sofrer; mas não, quis abraçar uma vida de dores e de desprezos, sem qualquer consolação terrestre, e uma morte toda amargosa e desolada, unicamente para nos fazer compreender o amor que nos tinha e o seu desejo de ser amado por nós. Durante toda a sua vida Jesus suspirava pela hora da morte, que Ele desejava oferecer a Deus a fim de obter para nós a salvação eterna. É este o desejo que o fazia dizer: Baptismo habeo baptizari, et quomodo coarctor, usquedum perficiatur — “Tenho de ser batizado com um batismo; e quão grande não é a minha ansiedade até que ele se cumpra!” Jesus desejava ser batizado com o seu próprio sangue, para expiar, não os pecados próprios, senão os nossos. Ó amor infinito! Infeliz de quem não Vos conhece e não Vos ama.
Foi esse mesmo desejo que na véspera de sua morte Lhe inspirou estas palavras: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum (1) — “Tenho desejado ansiosamente comer esta Páscoa convosco”. Falando assim, demonstrou que em toda a sua vida não tivera outro desejo, a não ser o de ver chegado o tempo de sua paixão e morte, a fim de patentear ao homem o amor imenso que lhe tinha. — É pois, verdade, ó meu Jesus, almejais o nosso amor com tamanha veemência, que para o ganhardes não recusastes a morte! Como poderei negar alguma coisa a um Deus que por meu amor deu o seu sangue e a sua vida?
II. Diz São Boaventura que causa pasmo ver um Deus padecer por amor dos homens; mas que mais pasmo causa ver homens que contemplam um Deus que sofre por amor deles, que se fez criança e está tiritando de frio numa gruta, que vive como pobre oficial numa humilde loja e afinal morre, como um réu, sobre a cruz, e todavia não ardem de amor para com um Deus tão amante, ou mesmo chegam a desprezar o amor divino por amor dos vis prazeres da terra: como é possível que um Deus ame tanto os homens, e que estes, tão gratos aliás para com seus semelhantes, sejam tão ingratos para com Deus?
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 154-156)
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