Sumário. Maria Santíssima teve fé tão viva, que excedeu a de todos os homens e de todos os anjos, porquanto viu Jesus Cristo sujeito a todas as misérias humanas e sempre o reconheceu por seu Deus verdadeiro. Se quisermos ser dignos filhos da divina Mãe, imitemo-la nesta virtude como em todas as demais. Exercitemo-nos em fazer contínuos atos de fé e vivamos segundo as verdades da nossa fé: porque a fé sem as obras é morta.
I. Assim como a Bem-aventurada Virgem é modelo de amor e de esperança, assim também é modelo de fé, pois que, diz Santo Irineu, aquele dano que Eva fez com a sua incredulidade, Maria o reparou com a sua fé. Com efeito, Eva, porque quis dar crédito à serpente contra aquilo que Deus tinha dito, trouxe a morte; mas a nossa Rainha, dando crédito às palavras do anjo, que ela, ficando Virgem, devia fazer-se Mãe do Senhor, trouxe ao mundo a salvação. Exatamente por causa da sua fé é chamada bem-aventurada por Santa Isabel: Beata quae credidisti — “Bem-aventurada és tu porque creste”.
Diz o Padre Soarez, que a Santíssima Virgem teve mais fé que todos os homens e todos os anjos. Via o seu Filho no presépio de Belém e cria que Ele era o Criador do mundo. Via-O fugir de Herodes e não deixava de crer que era o Rei dos reis. Via-O nascer, e O cria eterno. Via-O pobre e necessitado de alimento, e O cria Senhor do universo; deitado sobre a palha, e O cria onipotente. Observava que não falava e cria que era a Sabedoria infinita. Ouvia-O chorar e cria que era a alegria do paraíso. Via-O, finalmente, na morte vilipendiado e crucificado e bem que nos outros vacilasse a fé, Maria estava firme em crer que Ele era Deus. É por esta razão, diz Santo Antônio, que no Ofício das Trevas só se deixa uma vela acesa e São Leão, a este propósito, aplica à Virgem esta passagem: Non extinguetur in nocte lucerna eius (1) — “A sua lâmpada não se apagará de noite”.
Maria Santíssima, pela sua grande fé, mereceu ser feita a Luz de todos os fiéis, como é chamado por São Metódio: Fidelium fax. E São Cirilo de Alexandria a chama Rainha da verdadeira fé: Sceptrum orthodoxae fidei. A mesma Igreja atribui à Virgem, pelo merecimento de sua fé, a derrota de todas as heresias: Gaude, Maria Virgo, cunctas haereses sola interemisti in universo mundo (2).
II. Exorta-nos Santo Ildefonso: Imitamini signaculum fidei Mariae — “Imitai a fé insigne de Maria”. Mas como havemos de imitá-la? A fé é ao mesmo tempo dom e virtude. É dom de Deus, enquanto é uma luz, que Deus infunde na alma. É virtude, quanto ao exercício que dela faz a alma. Por isso a fé não só nos há de servir de regra para crer, mas também para obrar; porquanto, como diz São Gregório: Crê verdadeiramente aquele que põe em prática as verdades que a fé lhe ensina. É isto ter uma fé viva, o viver segundo se crê, assim como, no dizer do Apóstolo, cada justo deve viver: Iustus autem meus ex fide vivit (3) — “O meu justo vive pela fé”. Assim viveu a Santíssima Virgem e assim nós também, à imitação dela, devemos viver, com diferença daqueles que não vivem segundo aquilo que creem, cuja fé é morta, como diz São Tiago (4). — E por isso roguemos à divina Mãe, que pelo merecimento de sua fé nos alcance uma fé viva: Domina, adauge nobis fidem — “Senhora, aumentai-nos a fé”. Ao mesmo tempo, exercitemo-nos em fazermos freqüentes atos de fé, unindo-os aos da Santa Virgem. Roguemos também por tantos nossos irmãos infelizes, que vivem fora da Igreja Católica.
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 151-154)
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