Tristis est anima mea usque ad mortem (Mc 14,34)
Minha alma está triste até à morte
Há vinte séculos, quando ninguém pensava ainda em mim, quando ninguém podia ainda suspeitar que um dia eu existiria, um Coração amava, interessava-se pela minha felicidade e se entristecia pelos meus pecados.
Oh! como esse último pensamento me punge a alma de dor e remorso! Jesus entristeceu-se e sofreu por causa de meus pecados e dos de cada homem em particular.
Jesus era Deus. Ele via clara e minuciosamente todos os meus pecados e os crimes do mundo inteiro. Contava-lhes o número e pesava-lhes a gravidade e compreendia a malícia infinita de todos eles. Continuamente Ele tinha diante dos olhos essa montanha de crimes; continuamente pesava no Seu coração a ofensa infinita feita a Deus, ofensa tantas vezes repetida e desejada, de algum modo pela vil criatura humana.
As lágrimas que derramou no presépio foram lágrimas de tristeza à vista de tantas ingratidões. Quando moço, a idéia de todos os sofrimentos e da morte, que o esperavam, jamais o abandonou.
Diz a piedade cristã que, estando Jesus já crescidinho e começando a andar, no vaivém contínuo em torno de São José na sua oficina de operário, tomou dois pedaços de madeira e, dispondo-os em forma de cruz, mostrou-os à santa Virgem. Vendo-os, os olhos da Mãe arrasaram-se de lágrimas e o Coração de Jesus encheu-se de tristeza.
A menor lembrança reabria essa ferida na alma de Jesus e de Maria. A vista de um cordeiro, de uma pomba, a vista de pregos, de um martelo, ou de outros instrumentos da paixão, lembravam os cruéis suplícios que esperavam o inocente Jesus.
Quando Maria revestia seu Filho da pequena túnica, diz Santo Afonso, ela entrevia o dia em que lhe arrancarriam as vestes para flagelá-Lo e crucificá-Lo; quando ela O alimentava com seu leite virginal, pensava no fel e vinagre que Lhe dariam para mitigar-Lhe a sede; quando olhava as mãozinhas que se estendiam para abraçá-la, ela as via perfuradas com grossos cravos e fixadas na Cruz; quando Lhe envolvia em faixas o corpinho, transportava-se em espírito junto ao túmulo onde havia de envolvê-Lo um dia no sudário.
Oh! que amargura para o coração dessa Mãe e desse Filho, que tudo sabiam de antemão!
E a dor aumentava à medida que se aproximava o dia fatal.
Durante a vida pública de seu querido Filho, e sobretudo no último ano, Maria tinha quase sempre os olhos rasos de lágrimas e o pensamento em Jesus, nos Seus sofrimentos, e na Sua morte, não mais a abandonava.
Algumas palavras do Evangelho no-lo dizem quando mesmo não o adivinhassem os nossos corações.
Um dia, atravessando a Galiléia, Jesus disse aos seus discípulos: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens que o farão morrer, e, ao terceiro dia, ressuscitará. E os discípulos entristeceram-se profundamente”(Mt 17,21-22). Uma outra vez, indo a Jerusalém, Jesus levou consigo seus doze apóstolos e lhe disse:
“Eis que vamos a Jerusalém e o Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas e eles o condenarão à morte. E eles o abandonarão aos gentios para ser escarnecido, flagelado, e ao terceiro dia ele ressucitará.” (Mt 20,18)
E no dia de sua glória durante a transfiguração no monte Tabor, Moisés e Elias entretêm-se com Ele sobre a cruel morte a que teria de sujeitar-se em Jerusalém (Lc 9,31).
Chega, finalmente, esse dia de suprema tristeza, dia, aliás, tão desejado pelo Amante Redentor.
Jesus despediu-se de sua Mãe, entreteve-se tristemente com ela sobre os dolorosos acontecimentos que deviam seguir, consolou-a com a visão de sua próxima ressurreição e do resgate do gênero humano. Depois abraçou, pela última vez, a pobre Mãe em lágrimas e afastou-se lentamente, o coração partido, para presidir a Última Ceia, que seus discípulos lhe haviam preparado.
Aqui novas tristezas.
Vinte séculos são passados, e nossos corações tão frios enchem-se ainda de piedade ao ler estas palavras do Evangelho:
“Em verdade, em verdade eu vos digo, um de vós há de me entregar“. E outras palavras de Jesus a Pedro: “Em verdade, em verdade eu te digo: Não cantará o galo sem que me tenha negado três vezes.” (Jo 13,21-38). Eis que vem e já é chegada a hora em que sereis dispersos, cada um de seu lado, e me deixareis só.
O que aflige ainda mais o divino Mestre é deixar seus discípulos como ovelhas sem pastor, os quais, na sua ignorância, não compreendem a desgraça prestes a cair sobre eles. Agora, disse Jesus, vou para aquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: para onde ides? (Jo 16,5)
O bom Jesus, porém, esquecia-se da sua própria dor e, consolando ainda seus discípulos, acrescentou: Agora vós tendes tristeza, mas eu vos tornarei a ver, e vosso coração se há de alegrar, e a vossa alegria ninguém vo-la poderá tirar. (Jo 16,22)
Ao pronunciar estas últimas palavras, Jesus já estava em caminho para o Horto das Oliveiras! Quando lá chegou sentiu-se invadido pela tristeza e pelo tédio e disse: Minha alma está triste até á morte. Ficai aqui e velai comigo. (Mt 26,38) E Jesus foi como que envolvido por mortal angústia, um suor de sangue cobriu-Lhe todo o corpo e, embebendo-Lhe as vestes, correu até ao chão. (Lc., 22,44).
Oh! quanta tristeza Jesus sofreu pelas nossas ingratidões!
Ele previa então que, de sofrimentos tão intensos, poucos seriam os resultados; que muitos homens passariam indiferentes diante de Sua Cruz, muitos outros recusar-se-iam a conhecê-Lo, mais ainda, haviam de blasfemar e esforçar-se por afastar as almas simples; enfim, um número incalculável de almas jamais ouviriam pronunciar Seu nome.
Oh! como nossos corações se oprimem de tristeza à vista de tanta ingratidão dos homens. Bom Mestre, perdoai as nossas ofensas como perdoastes sobre a Cruz e derramais graças abundantes sobre todos os homens, afim de que todos sejam forçados a reconhecer-Vos e amar-Vos.
E tu, alma tão amada, toma a resolução de consolar o Coração de Jesus e promete conquistar-Lhe outras almas.
Oh Jesus! como eu desejava estar lá no Horto das Oliveiras! Como agradeço a Verônica ter afrontado as injúrias, os golpes, para tocar com seu véu o Vosso rosto sagrado; como me consola a compaixão das filhas de Jerusalém pela Vossa sorte; como eu teria desejado ainda ajudar Simão a levar Vossa Cruz e aliviar assim Vossos padecimentos, como, sobretudo, agradecer a Vossa pobre Mãe de Vos ter seguido até ao Calvário, de se ter aproximado bem perto de Vosso patíbulo para melhor partilhar dos Vossos sofrimentos, e ter querido com sua heróica fidelidade poupar-Vos a pena que Vos causariam nossasfuturas pusilanimidades!
Oh Jesus! eu Vos amo, eu quero consolar-Vos a poder de amor e paciência. Auxiliai-me!
O Divino Amigo – Pe. Joseph Schrijvers
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