5. Maria é a obra-prima por excelência do Altíssimo, cujo
conhecimento2 e domínio ele reservou para si. Maria é a Mãe
admirável do Filho, a quem aprouve humilhá-la e ocultá-la durante a vida para
lhe favorecer a humildade, tratando-a de mulher – mulier (Jo 2, 4; 19,
26), como a uma estrangeira, conquanto em seu Coração a
estimasse e amasse mais que todos os anjos e homens. Maria é a fonte selada (Ct
4, 12) e a esposa fiel do Espírito Santo, onde só ele pode penetrar. Maria é o
santuário, o repouso da Santíssima Trindade, em que Deus está mais
magnífica e divinamente que em qualquer outro lugar do universo, sem excetuar
seu trono sobre os querubins e serafins; e criatura algumas, pura que seja,
pode aí penetrar sem um grande privilégio.
3)...ut soli Deo cognoscenda reservatur (São Bernardino de
Sena, Sermão 51, art. 1, cap. 1).
6. Digo com os santos: Maria Santíssima é o paraíso
terrestre3 do novo Adão, no qual este se encarnou por obra do
Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis. É o grande, o divino mundo de Deus4,
onde há belezas e tesouros inefáveis. É a magnificência de Deus5, em
que ele escondeu, como em seu seio, seu Filho único, e nele tudo que há de mais
excelente e mais precioso. Oh! que grandes coisas e escondidas Deus
todo-poderoso realizou nesta criatura admirável, di-lo ela mesma, como
obrigada, apesar de sua humildade profunda: Fecit mihi magna qui potens est
(Lc 1, 49). O mundo desconhece essas coisas porque é inapto e indigno.
3) Racionalis secundi Adam paradisus. São Leão Grande (Sermo
de Annunctiatione).
4) Mundus specialissimus altissimi Dei. (São Bernardo).
5) Magnificentia Dei. Ricardo de São Lourenço (De laud. Virg.,
lib. IV).
7. Os santos disseram coisas admiráveis desta cidade santa
de Deus; e nunca foram tão eloqüentes nem mais felizes, – eles o confessam –
que ao tomá-la como tema de suas palavras e de seus escritos. E, depois,
proclamam que é impossível perceber a altura dos seus méritos, que ela elevou
até ao trono da Divindade; que a largura de sua caridade, mais extensa que a
terra, não se pode medir; que está além de toda compreensão a grandeza do poder
que ela exerce sobre o próprio Deus; e, enfim, que a profundeza de sua
humildade e de todas as suas virtudes e graças são um abismo impossível de
sondar. Ó altura incompreensível! Ó largura inefável! Ó grandeza
incomensurável! Ó insondável!
8. Todos os dias, dum extremo da terra ao outro, no mais
alto dos céus, no mais profundo dos abismos, tudo prega, tudo exalta a
incomparável Maria. Os nove coros de anjos, os homens de todas as idades,
condições e religiões, os bons e os maus. Os próprios demônios são obrigados,
de bom ou mau grado, pela força da verdade, a proclamá-la bem-aventurada. Vibra
nos céus, como diz São Boaventura, o clamor incessante dos anjos: Sancta,
sancta, sancta Maria, Dei Genitrix et Virgo; e milhões e milhões de vezes,
todos os dias, eles lhe dirigem a saudação angélica: Ave, Maria...,
prosternado-se diante dela e pedindo-lhe a graça de honrá-la com suas ordens. E
a todos se avantaja o príncipe da corte celeste, São Miguel, que é o mais
zeloso em render-lhe e procurar toda a sorte de homenagens, sempre atento, para
ter a honra de, à sua palavra, prestar um serviço a algum dos seus servidores.
9. Toda a terra está cheia de sua glória, particularmente
entre os cristãos, que a tomam como padroeira e protetora em muitos países,
províncias, dioceses e cidades. Inúmeras catedrais são consagradas sob a
invocação do seu nome. Igreja alguma se encontra sem um altar em sua honra; não
há região ou país que não possua alguma de suas imagens milagrosas, junto das
quais todos os males são curados e se obtêm todos os bens. Quantas confrarias e
congregações erigidas em sua honra! quantos institutos e ordens religiosas
abrigados sob seu nome e proteção! quantos irmãos e irmãs de todas as
confrarias , e quantos religiosos e religiosas a entoar os seus louvores, a
anunciar as suas maravilhas! Não há criancinha que, balbuciando a Ave-Maria,
não a louve; mesmo os pecadores, os mais empedernidos, conservam sempre uma
centelha de confiança em
Maria. Dos próprios demônios no inferno, não há um que não a
respeite, embora temendo.
10. Depois disto é preciso dizer, em verdade, com os santos:
De Maria nunquam satis... Ainda não se louvou,
exaltou, amou e serviu suficientemente a Maria, pois muito mais louvor,
respeito, amor e serviço ela merece.
11. É preciso dizer, ainda, com o Espírito Santo: Omnis
gloria eius filiae Regis ab intus – Toda a glória da Filha do Rei está no
interior (Sl 44, 14), como se toda a glória exterior, que lhe dão, a porfia, o
céu e a terra, nada fosse em comparação daquela que ela recebe no interior, da
parte do Criador, e que desconhecem as fracas criaturas, incapazes de penetrar
o segredo dos segredos do Rei.
12. Devemos, portanto, exclamar com o apóstolo: Nec
oculus vidit, nec auris audivit, nec in cor hominis ascendit (1Cor 2, 9) –
os olhos não viram, o ouvido não ouviu, nem o
coração do homem compreendeu as belezas, as grandezas e excelências de
Maria, o milagre dos milagres da graça6, da natureza e da glória. Se quiserdes
compreender a Mãe – diz um santo – compreendei o Filho. Ela é uma digna Mãe de
Deus: Hic taceat omnis lingua – Toda língua aqui emudeça.
6) Miraculum miraculorum (São João Damasceno, Oratio I de
Nativitate B.V.).
13. Meu coração ditou tudo o que acabo de escrever com
especial alegria, para demonstrar que Maria Santíssima tem sido, até aqui,
desconhecida7, e que é esta uma das razões por que Jesus Cristo não
é conhecido como deve ser. Quando, portanto, e é certo, o conhecimento e o
reino de Jesus Cristo tomarem o mundo, será uma conseqüência necessária do
conhecimento e do reino da Santíssima Virgem Maria. Ela o deu ao mundo a
primeira vez, e também, da segunda, o fará resplandecer.
7) No sentido de: conhecida insuficientemente, como se
depreende de todo este parágrafo e da expressão: “Jesus Cristo não é conhecido
como deve ser”.
TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM
por São Luís Maria Grignion de Montfort
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