Sic Deus dilexit mundum, ut Filium suum unigenitum daret – “Tanto amou Deus o mundo, que lhe deu seu Filho unigênito” (Jo 3, 16)
Sumário. O Pai Eterno, dando-nos seu Filho por Redentor, vítima e preço de nosso resgate, não pôde dar-nos motivos mais poderosos de confiança e de amor. Aproveitemo-nos de tão grande dom e recorramos a Jesus em todas as necessidades, lembrando-nos de que Ele é nossa sabedoria, para trilharmos o caminho da salvação; nossa justiça, para aspirarmos ao paraíso; nossa santificação, para obtermos a santidade; finalmente, nossa redenção, para alcançarmos a liberdade dos filhos de Deus.
I. Considera que o Eterno Pai, dando-nos o Filho por Redentor, vítima e preço de nosso resgate, não nos pode dar motivos mais poderosos de confiança e de amor. Tendo-nos dado Seu Filho, não tem mais nada que nos dar, diz Santo Agostinho. Quer o Pai que nos aproveitemos deste seu dom imenso, para alcançarmos a salvação eterna e todas as graças de que necessitamos. Em Jesus achamos tudo que podemos desejar; nEle achamos luz, fortaleza, paz, confiança, amor e a glória eterna, porquanto Jesus Cristo é um dom que encerra todos os dons que nos é lícito buscar e desejar: Quomodo non etiam cum illo omnia nobis donavit? (1). Depois que Deus nos deu Seu amado Unigênito, que é a fonte e o tesouro de todos os bens, como poderemos temer, diz São Paulo, que nos queira recusar alguma graça que lhe vamos pedir?
Christus Jesus factus est nobis sapientia a Deo, et iustitia, et sanctificatio et redemptio – “Jesus Cristo foi por Deus feito para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção” (2). Deus no-lo deu, para que fosse nossa luz e sabedoria na ignorância e cegueira, para trilharmos o caminho da salvação. Aos réus do inferno deu-o como justiça afim de poderem aspirar ao paraíso; aos pecadores deu-o como santificação para alcançarem a santidade; e, finalmente, como éramos escravos do demônio, deu-no-lo como redenção para adquirirmos a liberdade dos filhos de Deus. – Numa palavra, diz o Apóstolo que por meio de Jesus Cristo fomos enriquecidos com todos os bens e graças, se os pedimos em virtude dos seus merecimentos: In omnibus divites facti estis; ita ut nihil vobis desit in ulla gratia – “Em todas as coisas fostes enriquecidos nele, de modo que nada vos falta em alguma graça” (3).
O dom que Deus fez do Seu Filho, é um dom feito a cada um de nós; pois que o deu de tal forma a cada um, como se fosse dado a este só. De modo que cada um de nós pode dizer: Jesus é todo meu; é meu o Seu Corpo, o Seu Sangue, é minha a Sua vida e a Sua morte; são meus os Seus padecimentos e méritos; – Por isso dizia São Paulo: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me – “Ele me amou e se entregou a si mesmo por mim” (4). Quem quer pode dizer o mesmo: o meu Redentor me amou, pelo amor que me teve, se deu todo a mim.
II. Ó Deus eterno, quem poderia fazer-me um dom de valor infinito a não ser Vós, que sois um Deus de amor infinito? Ó meu Criador, que mais podíeis fazer para excitar em nós a confiança na Vossa Misericórdia, e nos obrigar a Vos amar? Senhor, eu Vos paguei com ingratidão; mas Vós dissestes: Diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum – “Para os que amam a Deus, tudo coopera para o bem” (5). Não quero, portanto, que o grande número e a enormidade de meus pecados me façam perder a confiança em Vossa bondade; quero que me sirvam para me humilhar mais, quando receba alguma afronta. É digno de outras humilhações e desprezos aquele que teve a ousadia de Vos ofender, ó Majestade infinita! Quero ainda que me sirvam para me resignar mais perfeitamente nas cruzes que me queirais enviar; para ser mais diligente em Vos servir e louvar, afim de compensar as injúrias que Vos fiz. Sempre terei diante dos olhos os desgostos que Vos causei, para louvar mais a Vossa Misericórdia, para me abrasar mais em Vosso amor, já que me viestes procurar, quando fugia de Vós, e me fizestes tanto bem, depois que Vos tinha ofendido tantas vezes.
Espero, Senhor, que já me haveis perdoado. Arrependo-me e quero sempre arrepender-me dos ultrajes que Vos fiz. Quero provar-Vos a minha gratidão, compensando pelo meu amor a minha ingratidão para conVosco. Vós, porém, deveis ajudar-me, e peço-Vos a graça de executar esta minha vontade. Para Vossa glória, fazei, ó meu Deus, que Vos ame muito um pecador que muito Vos ofendeu. Meu Deus, meu Deus, como poderei não Vos amar e tornar a me separar do Vosso amor?– Ó Maria, minha Rainha, socorrei-me; conheceis a minha fraqueza. Fazei que me recomende a Vós cada vez que o demônio queira separar-me de Deus. Maria, minha Mãe, e minha esperança, ajudai-me.
Referências:
(1) Rm 8, 32
(2) 1 Cor 1, 30
(3) 1 Cor 1, 5 e 7
(4) Gl 2, 20
(5) Rm 8, 28
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 467-469)
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