terça-feira, 6 de agosto de 2024

Com a severidade própria dos Santos, João Maria Vianney combateu os insultos a Deus. Era o zelo pela Casa do Senhor que o consumia

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Era 1827 e as multidões que chegavam à aldeia de Ars vinham de toda parte. A fama do Padre Vianney já havia se espalhado pelos quatro cantos da França. Barões, clérigos, camponeses, curiosos; todos queriam conhecer aquela figura a qual tinham por santo. Um médico, tomado pelas intrigas dos colegas, decidira visitar o sacerdote, a fim de confirmar suas injustas suspeitas. De volta à capital, Paris, não pôde dizer aos amigos outra coisa sobre o pobre cura senão: "eu vi Deus num homem".

A santidade de João Maria Vianney causava constrangimentos. Apegado desde cedo à oração, agia em tudo conforme à vontade divina, fazendo de sua vida um perpétuo louvor a Deus. Tinha um fervor imensurável. Passava horas à frente do sacrário, gastando-se em severas penitências e na meditação dos santos mistérios: "O meu terço vale mais que mil sermões". Por isso, não poupou esforços no combate às blasfêmias e à libertinagem. Era o zelo pela casa do Pai que o consumia.

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Os primeiros anos de Vianney em Ars foram de grandes desafios. A pequena aldeia estava atolada no indiferentismo. Trabalhava-se no domingo, blasfemava-se no campo, a falta de modéstia e os divertimentos profanos reinavam no coração daquela gente. A situação era desesperadora. E para uma alma apaixonada como a do Cura D'Ars, assistir àquele espetáculo de imoralidades era como ver a Cristo sendo crucificado. Com efeito, tratou logo de agir.

Sem fazer concessões, apressou-se em instruir os mais novos na catequese e nas práticas piedosas. Vianney estava convencido de que a ignorância religiosa era a causa de todos os males: "Este pecado condenará mais almas do que todos os outros juntos, porque uma pessoa ignorante quando peca não conhece nem o mal que faz, nem o bem que perde". Do alto do púlpito, atacava a todos pulmões as tabernas e o trabalho no domingo. Começava uma guerra sem tréguas, e o santo não iria recuar enquanto não visse a sua paróquia, de joelhos, diante do Senhor.

"Ah! Os taberneiros, o demônio não os importuna muito, pelo contrário, despreza-os e cospe-lhes em cima". Com essas palavras, o humilde cura fustigava a bebedeira, para desespero daqueles que se lançavam a tão vergonhoso vício. E assim também procedia com o trabalho nos dias de guarda. "Se perguntássemos aos que trabalham nos domingos: 'Que acabais de fazer?' - repreendia o Cura D'Ars - "eles bem poderiam responder: 'Acabamos de vender a nossa alma ao Demônio e de crucificar a Nosso Senhor… Estamos no caminho do inferno". Pouco a pouco, as blasfêmias foram desaparecendo e as tabernas se fechando. Pesava-lhes a maldição de um homem santo. "Vós vereis, profetizava, vereis arruinados todos aqueles que aqui abrirem tabernas". Mas um derradeiro combate ainda estava por vir.

Em 1823, erguia-se na pequena paróquia de Ars uma segunda capela. Atendendo à vontade do pároco, ela seria dedicada a São João Batista, santo que tomara por patrono no dia de sua Confirmação. A cerimônia de inauguração foi de grande júbilo. Contudo, para os amantes dos prazeres profanos, motivo de despeito. Vianney mandara esculpir no arco do pequeno oratório a seguinte inscrição: "A sua cabeça foi o preço de uma dança". Uma alusão ao martírio de São João Batista e uma clara reprimenda aos bailes.

A luta de Vianney contra os serões durou cerca de dez anos. A ele se opunha grande parte da comunidade, sobretudo os rapazes apegados aos encantos da luxúria. À medida que o povo se afastava das danças, com efeito, mais raiva tinham do sacerdote os fanfarrões. Chegaram a organizar encontros a fim de puni-lo, mas o brado de Vianney foi tão forte que a eles não restou outra alternativa senão ceder. "O demônio rodeia um baile como um muro cerca um jardim… As pessoas que entram num salão de baile deixam à porta o seu Anjo da Guarda e o Demônio substitui-o, de tal modo que há tantos Demônios quantos são os dançadores." Era o fim dos bailes em Ars.

Os hereges também não tinham vez com o santo. Certo dia, um jovem de espírito petulante resolveu atacá-lo na frente da multidão. "Quem é o senhor, meu amigo?" questionou Vianney. O rapaz disse que era protestante. Com a firmeza de um verdadeiro pastor, retorquiu-lhe o santo padre: "Oh! meu pobre amigo, o senhor é pobre e muito pobre: Os protestantes nem sequer possuem santos cujos nomes possam dar aos filhos. Veem-se obrigados a pedir nomes emprestados à Igreja Católica". Foi o suficiente para que o sujeito se colocasse no seu lugar.

A santa intransigência de Vianney tinha um motivo igualmente santo: ele amava a seus paroquianos com amor de predileção. Por isso faria tudo que estivesse a seu alcance para lhes assegurar a salvação eterna. E seus esforços foram recompensados. Após poucos anos de ministério, Ars não era mais Ars. O povo havia se convertido, já não se trabalhava mais aos domingos e a igreja permanecia sempre cheia. Vencera a santidade do pobre cura. Os paroquianos compreenderam o que há tanto lhes ensinava o São Cura D'Ars: "Tão grande é o amor de Deus, é um fogo que queima na alma sem, contudo, a consumir. Ter Jesus no coração é já possuir o céu".

TROCHU, Francis. O Cura D'Ars. Ed. Theologica. Braga. 1987.

Fonte: Christo Nihil Praeponere

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Lembrando o artigo:

"Santo Cura d’Ars: Zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos".

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Ao chegar às cercanias de Ars, no vale do Saône, na França, o peregrino descortina um panorama grandioso e fascinante, evocativo de muita paz e muita bondade, que coexiste harmoniosamente com o heroísmo decorrente de grandes feitos de seu glorioso passado. Apenas mais um cenário francês?  — Não! Ali viveu e santificou-se um homem que foi proclamado padroeiro de todos os párocos do mundo, São João Maria Vianney, o Cura d’Ars.

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Casa em que viveu São João Maria Vianney, o Cura d’Ars

Impossível não imaginar que naqueles belos campos cultivados, onde prepondera o trigo, camponeses não contemplassem a figura do Pe. Vianney caminhando por ali e desfiando as contas de seu rosário em conversa com Deus, com sua Mãe Santíssima, os Anjos e os santos, louvando e pedindo graças para as almas a ele confiadas.

Nessa ocasião, uma jovem passa por ele na estrada. Com perfil ascético, esquelético mesmo, olhar profundo, observador sutil, capaz de penetrar os corações e as consciências dos interlocutores, ele se dirige a ela, e admoestando-a de modo peremptório, diz-lhe que, se não mudasse de vida, certamente se condenaria. Ao que ela responde: — “Mas eu não quero ir para o inferno. Vou me confessar”.

O santo retruca: — “Não adianta se confessar se você não fugir das ocasiões próximas de pecado. Confessando-se, você vai voltar para a sua região e continuará levando a mesma vida pecaminosa”. Assustada, ela lhe pergunta: — “Então, para mim não há mais jeito?” O padre Vianney aconselhou-a a vender o que possuía e mudar-se para Ars, pois só naquelas condições ele a atenderia em confissão. Assim ela fez, e seguramente encontrou o caminho da salvação.

Em outra ocasião, um camponês violador do preceito do descanso dominical, ao perceber que o Cura d’Ars vinha pelos campos na sua direção, procurou quase instintivamente esconder-se atrás de sua carroça cheia de feno, na tentativa vã de defender-se do olhar contrafeito do santo, pois tinha consciência de que violava a Lei de Deus não guardando o dia do Senhor.

Com bondade paternal, o virtuoso padre chamou sua atenção, dizendo-lhe que aquela carroça simbolizava o transporte de sua alma para se queimar nas regiões eternas… E prosseguiu silencioso seu caminho por aquelas paragens, sempre rezando, meditando na bondade de um Pai que tudo criou para o bem dos filhos, e destes que se esquecem dessa infinita bondade.

Enquanto isso, na sua pequena igreja, com os poucos fieis que a frequentavam, ele podia avaliar a decadência religiosa advinda de outros tempos, de maus pastores que por ali passaram, de padres pouco zelosos e sem interesse de povoar o Céu, de instruir as almas dos jovens, de formar as consciências para cumprir melhor os desígnios de Deus e da santa Religião.

Segundo seus biógrafos, sua grande luta foi contra a indiferença e a ignorância religiosa reinantes em sua paróquia. Às noites de sábado para domingo os jovens se aglomeravam numa taberna para beber, se divertir num salão de baile.

Para o Cura d’Ars, não havia mandamento que o baile não violasse, pois assim como um muro cerca o jardim, assim os demônios estão em torno do baile. Para ele há tantos demônios quantos são os dançadores.

Naquela época, poucos sacerdotes combatiam tão pernicioso divertimento. No dia a dia, o trabalho, sem descanso e intermitente, duro e exigente, preenchia a vida daquelas pessoas, tão acomodada aos bens da terra. Quanto às coisas do alto, estavam longe de suas cogitações. O sino do campanário tocava em vão para aqueles ouvidos insensíveis e a igrejinha de Ars continuava vazia, ou quase tanto. O que poderia fazer um vigário que pregasse e desse o exemplo ilibado de vida sacerdotal?

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Ars, França, cidade em que viveu São João Maria Vianney, o Cura d’Ars

Os habitantes de Ars tinham uma fala vagarosa que revelava vontade entorpecida, ávidos de bem estar, inflamados pelo prazer. Tudo era pretexto para se reunirem em torno de um violão ou uma sanfona e ali passarem horas em bebedeiras, cantigas, gargalhadas e danças. Padre Vianney não se conformava e fez o propósito de não descansar enquanto não extirpasse as ocasiões de pecado de sua paróquia.

O zelo pastoral do Cura d’Ars fez com que, na cidade, o respeito humano fosse invertido: tinha-se vergonha de não fazer o bem e de não praticar a Religião. O que consiste num auge de vitória de seu apostolado! Ars tornou-se também um centro de piedade e religiosidade.

Por isso, peregrinos admiravam nas ruas da cidade a serenidade de certos semblantes, reflexo da paz perfeita de almas que vivem constantemente unidas a Deus. A cidade de Ars continuou pequena, com cerca de 1.200 habitantes. Mas sua fama tornou-se demasiadamente grande mundo afora, pois mais de 400.000 peregrinos oriundos de todo o mundo a vistam anualmente. Com efeito, a verdadeira glória é a dos heróis e dos santos.

Fonte: http://ipco.org.br

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Sobre a celebração da Santa Missa

 

1º. Importância do santo Sacrifício e cuidado que ele exige do padre

Todo o pontífice eleito dentre os homens é estabelecido a favor dos homens, para desempenhar as funções do culto divino, e oferecer dons e sacrifícios em expiação dos pecados. Oferecer sacrifícios, eis pois o fim para que Deus colocou o padre na sua Igreja; é propriamente a função dos sacerdotes da lei da graça, aos actuais foi dado o poder de oferecer o grande sacrifício do Corpo e Sangue do próprio Filho de Deus; sacrifício supremo e perfeito, infinitamente acima dos sacrifícios antigos, que outro mérito não tinha outrora senão o de serem desse a sombra e figura. As vítimas que então se imolavam eram novilhos e bodes; hoje a nossa Vítima é o Verbo eterno feito homem.

Por isso mesmo, os sacrifícios da lei antiga não tinham poder algum; também o apóstolo os chama observâncias defeituosas e incapazes; o nosso, ao contrário, tem o poder de operar a remissão das penas temporais devidas ao pecado, e além disso - ao menos mediatamente, - de aumentar a graça e obter socorros mais abundantes àqueles por quem é oferecido.

O padre que não está compenetrado da grandeza do sacrifício da missa, jamais o oferecerá como deve. Nada fez de maior na terra Jesus Cristo. É a missa a acção mais santa e mais agradável a Deus que se pode realizar, tanto em razão da Vítima oferecida, que é Jesus Cristo, Vítima duma dignidade infinita, como em razão do sacrificador principal, que é o mesmo Jesus Cristo, a oferecer-se pela mão dos sacerdotes, como no-lo ensina o Concílio de Trento. E São João Crisóstomo diz paralelamente: Quando virdes o sacerdote a oferecer o sacrifício, não penseis no padre, representai-vos antes a mão de Jesus Cristo que obra dum modo invisível.

Todas as honras que têm prestado a Deus os anjos com as suas homenagens, e os homens com as suas virtudes, austeridades, martírios e santas obras, não podem render a Deus tanta glória como uma só missa; porque todas as homenagens das criaturas são finitas, ao passo que a que se presta a Deus com o sacrifício dos nossos altares, é dum valor infinito, por lhe ser prestada por uma pessoa divina. Necessário é pois reconhecer com o Concílio de Trento que a missa é de toda as obras a mais santa e divina.

É pois o sacrifício da missa a obra mais santa e agradável a Deus, como acabamos de ver; é a obra mais capaz de aplacar a cólera de Deus contra os pecadores e abater as forças do inferno; é a obra que obtém graças mais abundantes para os homens na terra, e maior alívio para as almas do Purgatório; é finalmente a obra a que está ligada a salvação do mundo inteiro, segundo o pensamento de Santo Odon, abade de Cluni. E Timóteo de Jerusalém diz que é à missa que a terra deve a sua conservação; a não ser ela, os pecados dos homens a teriam há muito aniquilado.

Segundo São Boaventura, em cada missa faz o Senhor ao género humano um benefício não inferior ao que lhes dispensou, fazendo-se homem. O que é conforme com a célebre exclamação de Santo Agostinho: Ó dignidade venerável a dos sacerdotes, entre cujas mãos o Filho de Deus encarna, como encarnou no seio da Virgem! De mais, não sendo o sacrifício do altar senão a aplicação e renovação do sacrifício da cruz, Santo Tomás ensina que, para o bem e salvação dos homens, tem cada missa toda a eficácia do sacrifício da cruz. E São João Crisóstomo escreveu: A celebração da missa tem o mesmo valor que a morte de Jesus Cristo na cruz. A Igreja plenamente confirma esta verdade, quando diz nas suas orações: Cada vez que se celebra no altar a memória deste sacrifício, renova-se a obra da nossa redenção. De fato, ajunta o Concílio de Trento, o mesmo Redentor, que se ofereceu por nós na cruz, é quem se oferece no altar por ministério dos sacerdotes.

Numa palavra, segundo a expressão do profeta Zacarias, é a missa o que há de mais excelente e belo na Igreja: Que há de bom, que há de belo, senão o pão dos escolhidos e o vinho que gera virgens? No sacrifício da missa, dá-se Jesus Cristo a nós, mediante o sacramento do altar, que é o fim e consumação de todos os outros sacramentos, como ensina o Doutor angélico. Razão tem pois São Boaventura em chamar à missa o resumo de todo o amor divino e de todos os benefícios de que o Senhor há cumulado os homens. Eis por que o demónio sempre se tem esforçado por arrebatar ao mundo a santa missa por meio dos hereges, como por tantos outros precursores do Anticristo que, antes de tudo, cuidará de abolir e de fato abolirá, em punição dos pecados dos homens, o sacrifício do altar, segundo esta profecia de Daniel: Por causa dos pecados, ser-lhe-á dada força contra o sacrifício perpétuo.

Grande razão tem pois o Concílio de Trento para exigir que os padres ponham todo o seu cuidado, em celebrar a missa com a máxima devoção e pureza de coração que seja possível. Como não menos razão adverte no mesmo lugar, que é precisamente sobre os padres, que celebram com negligência e sem devoção, que recai a maldição anunciada por Jeremias: Maldito o que faz indignamente a obra do Senhor! Segundo São Boaventura, celebra-se ou comunga-se indignamente, quando se chega ao altar com pouco respeito e consideração. Assim, para evitarmos essa maldição, examinemos o que deve fazer o padre antes, durante e depois da celebração da missa: preparação, antes de celebrar; respeito e devoção, enquanto celebra; acção de graças, depois de celebrar. São obrigações indispensáveis para o sacerdote. Segundo o pensamento dum servo de Deus, deveria a vida dum padre ser apenas uma preparação para a missa e uma acção de graças.

2º. Preparação para a Missa

Em primeiro lugar, deve o padre fazer a sua preparação antes de subir ao altar.

Antes de mais nada, pergunto a mim mesmo como é que, havendo no mundo tantos padres, haja tão poucos santos? A missa é chamada por São Francisco de Sales um mistério inefável, que encerra um abismo de caridade divina. Além disto, São João Crisóstomo dizia que o sacramento do altar contém o tesouro inteiro da bondade de Deus. Sem dúvida a sagrada Eucaristia foi instituída para todos os fiéis, mas é um dom especialmente feito aos padres. Não vades, diz o Senhor aos padres, dar a coisa santa aos cães, nem lançar as vossas pérolas a suínos. Notem-se estas palavras: As nossas pérolas. Dá-se em grego o nome de pérolas às espécies sacramentais; e essas pérolas são apontadas aqui como pertença própria dos ministros do altar: Margaritas vestras. Sendo assim, todos os padres deveriam, segundo São João Crisóstomo, descer do altar com um coração todo abrasado do amor divino, a ponto de serem um objeto de terror para o inferno.

Mas não é isso o que se vê: observa-se que a maior parte descem do altar sempre mais tíbios, mais impacientes, mais soberbos, mais invejosos, mais apegados às honras, ao interesse e aos prazeres terrenos. Não é por falta do alimento que tomam no altar, nota o cardeal Bona, porque, no dizer de Santa Maria Madalena de Pazzi, bastaria recebê-lo uma só vez para ficar santo; é pela falta de preparação para celebrar a missa.

Há duas espécies de preparação: uma remota e outra próxima.

A preparação remota consiste na vida pura e virtuosa, que deve ter o padre para celebrar dignamente. Se dos sacerdotes antigos Deus exigia a pureza, só porque deviam transportar os vasos sagrados, - quanto não deverá ser mais puro e santo, observa Pedro de Blois, o padre que deve trazer nas suas mãos e no seu coração o Verbo encarnado! Mas, para ser puro e santo, não lhe basta estar livre das cadeias do pecado mortal, é necessário que esteja isento de pecados veniais; (plenamente deliberados, entende-se) de contrário, Jesus Cristo não o admitirá a ter parte consigo. Guardemo-nos, diz São Bernardo, de fazer pouco caso dessas faltas; pois, como foi dito a Pedro, se não formos purificados por Jesus Cristo, não teremos parte com ele . Necessário é portanto que todas as acções e todas as palavras do padre, que quer celebrar missa, sejam bastante santas, para lhe servirem de preparação.

A preparação próxima exige primeiramente a oração mental. Como quereis que celebre com devoção a santa missa o sacerdote, que sobe ao altar sem primeiro ter feito a sua meditação? Dizia o venerável João de Ávila que o padre deve fazer ao menos hora e meia de oração mental antes da missa. Eu me contentaria com meia hora e, para alguns até com um quarto de hora, ainda que um quarto de hora é muitíssimo pouco.

Há tão belos livros de meditações preparatórias para a santa missa! A missa é uma representação da paixão de Jesus Cristo. Por isso com razão o papa Alexandre I disse que sempre nela se deve comemorar a paixão do Salvador. E foi o que prescreveu o Apóstolo: Todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse cálice, anunciareis a morte do Senhor. Segundo Santo Tomás, o Redentor instituiu o sacramento do altar, para conservar sempre viva em nós a lembrança do amor que nos testemunhou, e do grande benefício que nos alcançou a sua imolação na cruz. Ora, se todos os homens se devem lembrar continuamente da paixão de Jesus Cristo, - com quanta mais razão o padre, quando vai renovar, ainda que dum modo diferente, o mesmo sacrifício no altar!

Ao padre não lhe basta ter feito a sua meditação; importa-lhe que antes de celebrar se recolha sempre ao menos alguns instantes e considere bem o que vai fazer; foi o que ordenou a todos os padres o primeiro Concílio de Milão, no tempo de São Carlos Borromeu.

Ao entrar na sacristia, deve o celebrante despedir-se de todos os pensamentos do mundo e dizer com São Bernardo: Cuidados, negócios, esperai por mim aqui; eu e o meu servo, isto é a minha razão com a minha indigência, vamos ali adorar a Deus, e logo voltaremos a ter convosco; pois voltaremos, ai!, e demasiado cedo. São Francisco de Sales escrevia a Santa Joana de Chantal: "Quando me volto para o altar para começar a missa, perco de vista todas as coisas da terra". Postos de parte pois todos os pensamentos do mundo, não deve o padre ocupar-se então senão da grande obra, que vai fazer e do pão celeste, de que vai alimentar-se a essa mesa divina: Quando estiveres sentado à mesa do príncipe, considera atentamente as iguarias que te são servidas.

Pense o padre que vai chamar do Céu à terra o Verbo feito homem, para se entreter familiarmente com ele no altar, para o oferecer de novo ao Padre eterno, e para enfim se alimentar da sua carne sagrada.

O venerável João de Ávila, antes de subir ao altar, procurava excitar-se ao fervor, dizendo: "Eis que vou consagrar o Filho de Deus, tê-lo nas minhas mãos, falar-lhe, tratar com ele e recebê-lo no meio seio".

Deve também o padre considerar que sobe ao altar na qualidade de mediador, para interceder por todos os pecadores, como diz São Lourenço Justiniano. Se está colocado entre Deus e os homens, de Deus obterá para estes as graças de que necessitam. É por essa razão, observa Santo Tomás, que se dá o nome de missa ao sacrifício do altar. Na Lei antiga, só ao sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e isso uma só vez por ano; mas hoje, diz São Lourenço Justiniano, a todos os padres é dado oferecer cada dia o Cordeiro divino, para obterem para si próprios e para todo o povo as graças de Deus. Donde São Boaventura conclui que o celebrante se deve propor três fins: honrar a Deus, comemorar a paixão do Salvador, e obter graças para toda a Igreja.

3º. Respeito e devoção com que se deve celebrar

Em segundo lugar, é necessário que o sacerdote celebre a missa com respeito e devoção. Sabe-se que o uso do manípulo foi introduzido, para que o padre enxugasse as lágrimas; porque outrora tais sentimentos de devoção experimentavam os sacerdotes, ao celebrarem, que não faziam senão chorar. Já dissemos que o padre ao altar é o representante do próprio Jesus Cristo, como escreveu São Cipriano. É nesta qualidade que diz: Hoc est corpus meum; hic est calix sanguinis mei.

Mas, ó Céu! Que lágrimas, que lágrimas de sangue se deveriam chorar, quando se pensa no modo como a máxima parte dos padres celebram a missa! Causa pena, digamo-lo, ver o desprezo com que Jesus Cristo é tratado por tantos padres, até religiosos, e pertencentes a Ordens reformadas! Ao ver-se a negligência com que esses padres de ordinário dizem a missa, bem se lhes poderia fazer a censura que Clemente de Alexandria dirigia aos sacerdotes pagãos: que faziam do Céu um teatro, e de Deus o objeto da sua comédia.

E que direi? Uma comédia! Ó, se eles tivessem um papel a representar no teatro, que cuidado empregariam! Ao contrário, que fazem eles ao altar? Truncam palavras, fazem genuflexões que mais parecem actos de desprezo e faltas de respeito; traçam bênçãos que não se sabe o que são; esboçam gestos ridículos; falam às rubricas, antecipando cerimónias e misturando-lhes palavras. E no entanto a verdade é que essas rubricas todas são de preceito, por isso que São Pio V, na bula que pôs à frente do missal, manda districte, in virtute sanctae obedientiae, que a missa seja celebrada segundo as rubricas do missal. Donde resulta que quem transgride as rubricas não pode eximir-se de pecado, que será grave desde que a matéria o seja.

Tudo isso procede do desejo de chegar de pressa ao fim da missa. Celebram-na como se a igreja estivesse a desabar, ou como se os bandidos se avizinhasse e não restasse tempo para a fuga.

Eis um padre que, depois de ter dado horas inteiras a uma vida inútil, ou a negócios mundanos, lá vai a celebrar a missa todo apressado!

Começa com precipitação, prossegue do mesmo modo; chega à Consagração, toma Jesus Cristo nas suas mãos, e comunga-o com tanta irreverência como se ali só houvesse um bocado de pão! Seria necessário que tais padres sempre tivessem ao seu lado alguém, para lhes dizer o que um dia o venerável João de Ávila, chegando-se ao altar em que celebrava um desses, lhe disse: "Por piedade tratai-o melhor, que é o filho dum pai respeitável".

Queria o Senhor que os sacerdotes da Lei antiga tremessem de santo respeito ao aproximarem-se do santuário. E um sacerdote da Lei nova, achando-se ao altar, em presença do próprio Jesus Cristo, a falar-lhe, a tomá-lo nas suas mãos, a oferecê-lo a Deus-Pai, a alimentar-se dele, - mostra-se tão irreverente! Na Lei antiga, ameaçou o Senhor com muitas maldições os sacerdotes que fossem negligentes nas cerimónias desses sacrifícios, que eram apenas uma mera figura do nosso: Se cerrares os ouvidos à voz do Senhor teu Deus, que te manda guardar as cerimónias, virão sobre ti todas estas maldições... Serás maldito na cidade e maldito nos campos. Dizia Santa Teresa: "Pela mínima cerimónia da Igreja, daria eu mil vezes a minha vida". E o padre as despreza! Ensina o Padre Suarez que a omissão de qualquer cerimónia, na missa, não pode escusar-se de pecado.

Muitos doutores ajuntam que uma negligência notável nas cerimónias pode chegar a pecado mortal.

Na nossa Teologia moral demonstramos, com a autoridade de muitos doutores, que o que celebra em menos de um quarto de hora não pode escusar-se de falta grave, e isto por duas razões: primeira, por causa da irreverência contra o sacrifício, resultante da sua precipitação; segunda, por causa do escândalo que dá ao povo.

Quanto ao respeito devido ao divino sacrifício, já citamos o que diz o Concílio de Trento: que a missa deve ser celebrada com a máxima devoção possível. E ajunta que a falta de respeito, mesmo exterior, constitui uma irreverência, que de algum modo chega a ser impiedade. Assim como as cerimónias, quando são bem feitas, infundem e significam respeito; também quando são mal executadas denotam irreverência que, em matéria grave, é um pecado mortal. Deve-se notar além disto que, para nas cerimónias haver o testemunho de respeito, que convém a um tão grande sacrifício, não basta fazê-las; porque uma pessoa qualquer poderia ter a língua assás desembaraçada e os movimentos bastante livres para expedir tudo isso em menos de um quarto de hora; mas é preciso que sempre sejam feitas com a gravidade conveniente, que pertence também intrinsecamente ao respeito que se deve ter pela missa.

Por outro lado, celebrar a missa em tão pouco tempo é falta grave, em razão do escândalo que se dá aos fiéis que assistem a ela. Sobre este ponto, é necessário considerar ainda o que noutro lugar diz o Concílio de Trento: que as cerimónias da missa foram instituídas pela Igreja, para inspirar aos fiéis uma alta ideia deste augusto sacrifício, e toda a veneração devida aos divinos mistérios que encerra. Ora, quando estas cerimónias são feitas muito à pressa, nenhuma veneração inculcam ao povo, antes lhe fazem perder o respeito que merece um mistério tão santo. Observa Pedro de Blois que os padres que celebram com pouco respeito, dão ocasião a que os fiéis façam pouco caso do Santíssimo Sacramento. Não se pode dar um tal escândalo sem se incorrer em pecado mortal.

Também o Concílio de Tours, em 1583, mandou que os sacerdotes fossem bem instruídos nas cerimónias da missa, para não destruírem a devoção no coração das suas ovelhas, em vez de as levarem à veneração pelos ministérios sagrados.

Celebrando sem devoção, - como querem esses padres obter de Deus graças, sendo certo que ao oferecerem o santo sacrifício, o ofendam e, quanto deles depende, mais o desonram do que o honram? O padre que não acreditasse no Sacramento do altar, sem dúvida ofenderia a Deus; mas quanto mais o ofende o que nele crê e não só lhe recusa o respeito que lhe é devido, senão que ainda é causa de que outros, à vista da sua conduta, lhe percam igualmente o respeito? Os judeus a princípio respeitaram Jesus Cristo, mas, quando o viram desprezado pelos sacerdotes, perderam então a alta ideia que tinham dele, e acabaram por gritar com os sacerdotes: Tolle, tolle, crucifige eum! Do mesmo modo, para não sairmos do nosso assunto, os seculares que hoje vêem os padres a celebrar com tanta irreverência, perdem toda a estima e veneração por este divino mistério.

Uma missa, celebrada com recolhimento, inspira devoção aos assistentes; pelo contrário, faz-lhes perder a devoção e quase a fé também, quando celebrada sem piedade. Eis um fato passado em Roma e que me foi contado por um religioso de todo o crédito. Tinha um herege resolvido renunciar aos seus erros; mas, tendo visto celebrar a missa sem devoção, foi ter com o papa e disse-lhe que não queria abjurar, porque estava persuadido de que nem os padres nem o papa tinha na Igreja católica uma fé verdadeira: "Se eu fosse papa, dizia ele, e soubesse que um padre celebrava a missa com tão pouco respeito, mandava-o queimar vivo; ao ver porém que os padres dizem assim a missa e não são castigados, persuado-me de que nem o próprio papa acredita nela". Dito isto, retirou-se, e não consentiu que lhe falassem mais em abjuração.

Mas objectam certos padres que os leigos se queixam, quando a missa se prolonga. - O quê! Então, lhes respondo eu de pronto, a pouca devoção dos seculares há de ser a regra do respeito devido ao santo sacrifício! Ouçam mais: se os padres celebrassem a missa com o devido respeito e gravidade, os seculares se compenetrariam da veneração a prestar a tão grande mistério, e não lamentariam a meia hora que lhe devessem consagrar. Como porém, de ordinário, a missa é tão breve e nenhuma devoção inspira, os seculares à imitação dos padres, assistem a ela sem devoção, e com pouca fé; quando vêem que ela dura mais de um quarto de hora, aborrecem-se e queixam-se, em razão do mau hábito contraído.

Assim, os mesmos que sem dificuldade passam muitas horas a uma mesa de jogo, ou numa praça pública, desperdiçando o tempo, não podem sem tédio gastar uma meia hora a ouvir missa! A causa de tudo isso são os padres: É convosco que falo, ó sacerdotes, que desonrais o meu nome e dizeis: Como desonramos nós o vosso nome? Nisso que dizeis: A mesa do Senhor é de pouca importância. O pouco que os padres se importam do respeito devido à missa, faz que também os outros a desprezem.

Pobres padres! Ao saber que um sacerdote acabava de morrer após a sua primeira missa, o venerável João de Ávila exclamou: "Ó que terrível conta esse padre tem de prestar a Deus, por essa primeira missa!" À vista disso, que se deverá dizer dos padres que, no decurso de trinta ou quarenta anos, cada dia deram ao altar o escândalo de que vimos falando! E, repito, - como poderão tais padres tornar o Senhor propício e obter graças da sua misericórdia, celebrando a missa de modo antes a ultrajá-lo que a honrá-lo? Todos os crimes são expiados pelo sacrifício, diz o papa Júlio, mas por que oferenda se há de reparar a ofensa feita ao Senhor, se é na mesma oblação do sacrifício que se peca? Pobres padres! E pobres bispos que permitem a tais padres celebrarem! Segundo o decreto do Concílio de Trento, são os bispos obrigados a impedir as missas celebradas com irreverência.

Notem-se estas expressões: Prohibere curent ac teneantur; significam elas que os bispos estão obrigados a suspender os que celebram sem respeito conveniente; e esta obrigação tanto abrange os sacerdotes regulares como os outros, visto que os bispos a esse respeito são constituídos pelo Concílio legados apostólicos, e por isso obrigados a vigiar pelas missas que se dizem nas suas dioceses.

E nós, padres, irmãos meus, cuidemos de nos corrigir: se no passado temos celebrado o santo sacrifício com pouca devoção e respeito, atalhemos ao mal, ao menos daqui para o futuro. Antes de celebrar, pensemos no que vamos fazer: é a acção maior e mais santa que um homem pode realizar. Demais, que grande bem é uma missa celebrada com devoção, grande bem para o celebrante, e para os ouvintes! - Eis como João Herolt, de sobrenome o Discípulo, fala aos que assistem à missa: Quando fazeis a vossa oração na igreja, na presença de Deus, mais seguramente ela é ouvida... porque todo o sacerdote está obrigado a orar pelos assistentes em cada missa.

Ora, se a oração dum secular, quando feita em união com a do celebrante, é mais prontamente ouvida de Deus, quanto mais ainda a do próprio sacerdote, se celebra com devoção! Um padre que oferece todos os dias o santo sacrifício com alguma devoção, há de receber sempre de Deus novas luzes e novas forças.

Jesus Cristo o instruirá, o consolará, o animará cada vez mais, e lhe concederá as graças que deseja.

É sobretudo depois da consagração que o padre pode estar seguro de conseguir do Senhor todas as graças que pede. O venerável Padre António Colelis dizia: "Quando celebro e tenho o meu Jesus nas minhas mãos, consigo dele quanto quero". O celebrante obtém o que quer para si e para os que assistem à missa. Lê-se na Vida de São Pedro de Alcântara que as missas fervorosas que celebrava produziam mais fruto, que todos os sermões dos pregadores da província em que estava. Quer o Concílio de Rodez que os padres pronunciem as palavras e façam as cerimónias com uma devoção, que dê testemunho da sua fé e amor para com Jesus Cristo, presente no altar. A compostura exterior, diz São Boaventura, manifesta as disposições interiores do celebrante.

Recorde-se aqui de passagem o que ordenou Inocêncio III: Nós ordenamos também que os oratórios, os vasos, corporais e alfaias sagradas se conservem em perfeita limpeza; porque é de todo o ponto contrário ao bom senso abandonar as coisas santas a uma imundícia, que não se sofria nem mesmo nas coisas profanas. Ai! Tinha o papa toda a razão para assim falar, porque se encontram padres que não se envergonham de celebrar com corporais, sanguinhos e cálices, de que não quereriam servir-se à sua mesa.

4º. Acção de graças

Em terceiro lugar, depois da celebração do santo sacrifício, é necessário render graças a Deus. Esta acção de graças deve estender-se ao dia inteiro. Exigem os homens que lhes sejamos reconhecidos e correspondamos aos mínimos favores que nos fazem, nota São Crisóstomo; quanto pois não devemos ser reconhecidos a Deus, que de nós espera, não uma retribuição, mas um ato de agradecimento, e isso somente para nosso bem! Se não podemos, ajunta ele, agradecer-lhe na medida da sua dignidade, agradeçamos-lhe ao menos quanto pudermos.

Mas que pena, que desordem ver tantos padres que, depois da missa, apenas recitam algumas breves orações na sacristia, sem atenção nem devoção, e logo falam de coisas inúteis ou de negócios mundanos, ou até saem da Igreja e vão levar Jesus Cristo ao meio das ruas! Seria necessário proceder sempre com eles, como um dia o venerável João de Ávila: ao ver que um padre saia da Igreja logo depois de celebrar, fê-lo acompanhar de dois clérigos com círios acessos. Perguntou-lhes o padre o que significava aquilo, e eles responderam: "Acompanhamos o Santíssimo Sacramento, que levais ao vosso peito". Bem se podia dizer a tais padres o que São Bernardo um dia escreveu ao arcedíago Foulques: Ai! Como tão depressa vos enfastiais da companhia de Jesus Cristo, que tendes dentro de vós?

Há muitos livros de piedade que recomendam a acção de graças depois da missa, mas quantos são os padres que cumprem este dever? Poderiam apontar-se ao dedo. Fazem alguns a oração mental, e recitam ainda muitas orações vocais; mas depois da missa poucos instantes se entretém com Jesus Cristo, ou até se dispensam disso por completo. Se ao menos o fizessem enquanto as espécies consagradas se conservam no seu estômago! Dizia o venerável João de Ávila que se deve considerar comi infinitamente precioso o tempo que se segue à missa; por isso ele de ordinário, a seguir à missa, passava duas horas recolhido em piedosos entretenimentos com Deus.

Depois da comunhão, dispensa o Senhor as suas graças em mais abundância. Dizia Santa Teresa que Jesus Cristo está então na alma como num trono de graça e lhe diz: Quid vis ut tibi faciam? Recordemos também o que ensinam Suarez, Gonet e outros doutores, - que a alma aufere da comunhão tanto maior fruto, quanto melhor se dispuser por actos de piedade, durante a permanência das espécies sacramentais. A razão é que este divino Sacramento, tendo sido instituído à maneira de alimento, declara o Concílio de Florença que, assim como os alimentos corpóreos sustentam o corpo segundo o tempo que permanecem no estômago, também o Pão celestial continua a alimentar de graças a alma, enquanto permanece no corpo, contanto que as boas disposições do comungante prossigam.

Além disto, os actos de virtude têm então mais valor e merecimento, em razão da alma estar mais unida com Jesus Cristo, que assim o declara: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu permaneço nele.

Então, diz São João Crisóstomo, o comungante forma uma só e mesma coisa com Jesus Cristo. Deste modo, são mais meritórios os actos, por serem praticados por uma alma unida a Jesus Cristo.

Mas, por outro lado, não quer o Senhor que as suas graças se percam, prodigalizando-as a ingratos, segundo a expressão de São Bernardo. Tenhamos pois cuidado de nos entretermos com Jesus Cristo depois da missa, ao menos durante uma meia hora, ou o mínimo um quarto de hora; mas, ai!, um quarto de hora é muitíssimo pouco. Devemos considerar que o padre, desde o dia da sua ordenação, não é de si próprio, mas de Deus. E o próprio Senhor disse: Hão de oferecer ao Senhor, seu Deus, o incenso e o pão; e por consequência serão santos.

5º. O padre que se abstém de celebrar

Há padres que se abstém de celebrar por humildade; uma palavra sobre este assunto. Abster-se de celebrar por humildade é bom, mas não é o que há de melhor: os actos de humildade prestam a Deus uma honra finita, o sacrifício da missa rende-lhe uma honra infinita, que lhe é prestada por uma Pessoa divina. Ouçamos o que diz São Boaventura: Quando o padre deixa de celebrar, sem impedimento legítimo, faz quanto pode para privar a santíssima Trindade da glória que lhe é devida, os anjos de uma grande alegria, os pecadores do perdão, os justos de auxílios, as almas do Purgatório de alívio, a Igreja de um grande bem e a si próprio de remédio.

Achava-se São Caetano em Nápoles, quando soube que em Roma, um seu amigo cardeal, que costumava celebrar todos os dias, impedido por certos negócios, começava a descurar este dever. Era na força do calor do estio, mas o santo, com risco da própria vida, deu-se pressa em ir a Roma instar com o seu amigo, para que retomasse o antigo costume; e só depois de conseguido o que desejava voltou para Nápoles. Eis o que se lê na Vida do venerável João de Avila. Indo um dia a caminho para celebrar num ermitério, sentiu-se tão enfraquecido, que temeu não chegar ao lugar, donde estava ainda bastante distanciado; pensava já em suspender o passo e desistir de celebrar, quando Jesus Cristo lhe apareceu em figura de viageiro e, mostrando-lhe o seu peito, lhe fez ver as chagas, sobretudo a do sagrado lado e lhe disse: "Quando eu estava coberto destas chagas, encontrava-se mais fatigado e enfraquecido que tu"; e desapareceu.

Reanimando com esta visão, o servo de Deus retomou a marcha e teve a felicidade de oferecer o santo sacrifício.

Santo Afonso Maria de Ligório in 'A Selva'


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