segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Necessidade de purificar a alma de todos os afetos ao pecado venial

Por São Francisco de Sales




À medida que o dia se vai clareando, nós vamos vendo melhor num espelho as nódoas do nosso rosto; de modo semelhante, à proporção que o Espírito Santo nos comunica maiores luzes interiores, nós vamos descobrindo mais distinta e evidentemente os pecados, as imperfeições, as inclinações que se podem opor de qualquer modo à devoção; e é muito de notar que essas luzes que esclarecem o nosso espírito acerca de nossas faltas excitam também no nosso coração um desejo ardente de corrigi-las.

Deste modo, Filotéia, em tua alma, embora já purificada dos pecados mortais e das afeições que levam a cometê-los, encontrarás ainda um grande número de disposições más, que a inclinam ao pecado venial; não digo que descobrirás ai muitos pecados veniais, mas, sim, que a encontrarás cheia de afeições más, que são as fontes dos pecados veniais. Ora, isso são coisas bem diversas: mentir, por exemplo, habitualmente e com gosto é muito diferente do que mentir uma ou duas vezes por brincadeira. Não podemos preservar-nos completamente de todo pecado venial de tal sorte que nos conservemos por muito tempo nesta perfeita pureza da alma; o que com a graça de Deus podemos é destruir o afeto ao pecado venial, e para isso é que nos devemos esforçar.

Estabelecidas estas pressuposições, digo que é necessário aspirar a este segundo grau de pureza da alma, que consiste em não formentar voluntariamente em nós nenhuma afeição má ao pecado venial, qualquer que seja; seria, pois uma grande infidelidade e mui culpável indolência conservar em nós consciente e habitualmente uma disposição tão má como é a de desagradar a Deus.

Com efeito, todo pecado venial, por menor que seja, desagrada a Deus, conquanto não lhe desagrade a ponto de lançar sobre quem o consiste a sua maldição eterna; se pois, o pecado venial lhe desagrada, certamente a afeição habitual que se tem ao pecado venial vem a ser uma disposição habitual do nosso espírito e coração de desagradar á majestade divina. E seria possível que uma alma se reconciliou com Deus queira não só lhe desagradar, mas até ter gosto neste desagrado? Todos os afetos desregrados, Filotéia, são tão diretamente opostos à devoção como a afeição ao pecado mortal o é à caridade: eles enfraquecem o espírito, impedem as consolações divinas, abrem caminho às tentações e, mesmo que não tragam a morte à alma, causam-lhe todavia graves enfermidades. 

(...) Os pecados veniais que se cometem de tempos em tempos pouco danificam a devoção; ao contrário, destroem-na por completo, se formam na alma um hábito vicioso. 

As aranhas não matam as abelhas, mas estragam-lhe o mel e, acham uma colmeia, de tal modo a embaraçam com os fios de sua teia que tornam impossível às abelhas a continuação de seu trabalho. Assim, os pecados veniais não matam a nossa alma, mas estorvam a devoção e, a quem os comete com uma inclinação habitual, embaraçam a alma com uma espécie de hábito vicioso e de disposições más, que a impedem de agir com aquela caridade ardente em que consiste a devoção verdadeira".

Fonte: Introdução à Vida Devota - Filotéia - São Francisco de Sales

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