Primeiro ponto — Considera que não somente é pequeno o número dos que se salvam, com respeito àquela quase inumerável multidão de infiéis, de hereges e de cismáticos que perecem miseravelmente; mas também com respeito à espantosa multidão de fiéis que se condenam dentro do próprio seio da Igreja.
Há poucas verdades mais terríveis que esta verdade, e talvez nenhuma haja nem mais clara, nem mais solidamente estabelecida.
Entrai pela porta estreita, diz-nos o Filho de Deus, porque é larga a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e é grande o número dos que vão por ele.
Muitos são os chamados, diz Ele noutra parte, e poucos os escolhidos (Mt 20).
O Salvador tantas vezes repetia esta verdade aos seus discípulos, que um deles perguntou-lhe em uma ocasião: Senhor, é tão pequeno o número dos que se salvam? O Filho de Deus, temendo acovardar os que o escutavam, fingiu querer disfarçar a pergunta, e contentou-se com responder somente: Meus filhos, porfiai por entrar pela porta estreita (Lc 13).
O apóstolo São Paulo, cheio do Espírito do seu divino Mestre, compara indiferentemente todos os cristãos aos que correm no estádio:
E para dar a entender que fala precisamente dos fiéis, traz o exemplo dos israelitas, em cujo favor Deus tinha obrigado tantas maravilhas. Todos, diz o Apóstolo, debaixo da conduta de Moisés foram batizados na nuvem e no mar; porém de seiscentos mil homens capazes de tomar armas que saíram do Egito, sem contar as mulheres, os velhos e os meninos, só dois entraram na terra da promissão, Caleb e Josué (1Cor 19).
Terrível comparação! E será menos terrível o que ela significa?
De todos os habitantes do universo, uma única família escapou das águas do dilúvio.
De cinco popularíssimas cidades que foram consumidas pelo fogo do céu, apenas quatro pessoas se livraram das chamas.
De tantos paralíticos que estavam ao redor da piscina, só um sarava cada mês.
Isaías compara o número dos escolhidos ao das poucas azeitonas que ficam nas oliveiras depois da colheita, ao dos poucos bagos escondidos na vide que escapam à diligência dos vindimadores.
Bom Deus, ainda quando fosse verdade que de dez mil pessoas uma só havia de se condenar, eu deveria tremer, deveria estremecer, receando ser essa pessoa infeliz! Talvez que de dez mil apenas se salve uma, e eu vivo sem susto! E eu estou sem temor!
Ah, doce Jesus meu, quanto não é para temer esta minha indiferença tão parecida ao letargo! Vou com a multidão pelo caminho espaçoso e espero chegar ao termo do caminho estreito! Onde confiança mais irracional?
Segundo ponto — Considera que ainda quando esta verdade não estivesse tão fundada nos princípios evangélicos em que todos os cristãos convêm, bastaria a razão natural para nos convencer de que é pequeno o número dos que se salvam.
Instruídos das verdades da nossa religião, informados dos deveres dos cristãos e à vista dos costumes do século, poderá inferir-se racionalmente que se salvam muitos fiéis?
Para conseguir a salvação é mister viver segundo as máximas do Evangelho; e é grande o número dos que passam vida pautada por essas máximas?
Para conseguir a salvação torna-se necessário fazer aberta profissão de ser discípulo de Jesus Cristo; e quantos não há no dia de hoje que se envergonham de o parecer?
Para conseguir a salvação é necessário renunciar afetiva ou efetivamente a tudo o que se possui; é necessário carregar a cruz todos os dias. Que pureza inalterável! Que delicadeza de consciência! Que humildade profunda! Que bondade exemplar! Que sólida piedade! Que caridade! Que retidão!
Por estes sinais conheces no mundo muitos discípulos de Cristo?
O mundo é inimigo irreconciliável do Salvador; não é possível servir a um tempo dois senhores. Julga pois agora qual destes dois amos tem mais criados que o sirvam.
Para que qualquer se salve, não basta que se não vingue do inimigo; é mister fazer o bem aos que lhe fazem o mal. Não basta condenar os pecados de obra; é necessário ter horror até mesmo dos pensamentos maus. Não basta não reter injustamente os bens alheios; é mister socorrer os pobres com os próprios.
A lei cristã reprova toda a profanidade, todo o fausto, toda a ambição; a modéstia há de ser o mais belo ornamento, o mais rico adorno de uma pessoa cristã. Segundo esta pintura conheces por aí muitos cristãos?
Já sabes qual é o primeiro mandamento da lei: Amarás a teu Deus e Senhor com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, com todo o teu espírito, e ao próximo como a ti mesmo. Este é o primeiro mandamento e a base de todos os outros.
Reflete sobre cada uma destas palavras; vê se há muitos que guardem este mandamento, e conclui se são muitos os que se salvam.
O Evangelho é a regra dos outros costumes: quantas pessoas vivem hoje segundo as máximas do Evangelho?
Para entrar no céu é mister, ou não ter perdido a graça, ou tê-la recuperado por meio da penitência. E será muito crescido hoje em dia o número dos inocentes, ou o dos verdadeiros penitentes?
Segundo todas estas provas, fundadas em nossa própria razão natural, julguemos serenamente se serão muitos os que se salvam; e concluamos que ainda quando Jesus Cristo não tivesse explicado com tanta clareza sobre o seu pequeno número, somos forçados pela razão a confessar que é muito grande o dos que infelizmente se condenam.
Meu doce Jesus, que morrestes pendente em um afrontoso madeiro pela salvação de todos os homens, não permitais que eu seja do número dos que se perdem.
Perca-se, meu Deus, o que quiser perder-se, que pelo que me toca a mim, ainda que soubesse que um único havia de salvar-se, eu faria, com o auxílio da vossa divina graça, tudo o que pudesse para ser esse único.
Jaculatórias
Propósitos
1 — É evidente que serão poucos os que se salvam, com respeito à espantosa multidão dos cristãos que se condenam.
Todavia ainda que o número dos primeiros fosse muito mais pequeno, é mister, custe o que custar, fazer todo o possível para ser deste número.
Para este fim, toma uma forte resolução de aplicar todos os teus talentos e toda a tua indústria a fim de que seja bem-sucedido em negócio de tanta consequência.
O caminho que conduz à vida é estreito. Clame, grite quanto quiser o amor-próprio e as paixões; não há dois caminhos para a vida.
Desde já hás de resolver-te a fazer todos os esforços imagináveis para entrar pela porta estreita.
Foge de todo o confessor de mangas largas, isto é, passa culpas, que são muito maus guias.
O caminho é estreito, é áspero, é dificultoso, e mais ainda em razão de se trepar por ele carregado com uma pesada cruz; porém é único, não há outro em que escolher. Nem Cristo nos ensinou outro, nem foi por outro nenhum dos Santos, nenhuma das almas que se salvaram. Tiveste porventura a dita de encontrar outro caminho?
Ele é pouco frequentado; não vás por onde vai a multidão; porque o ruído que há e o pó que se levanta impedem de se verem os precipícios.
Foge do grande mundo, olha com horror as suas máximas, especialmente aquela que diz que se deve viver e fazer como os outros vivem e fazem.
Não apareças jamais nos espetáculos e nos bailes, e evita quanto possas todos os divertimentos, todas as reuniões mundanas.
Impõe-te uma lei, faz ponto de honra de pertencer ao pequeno número daquelas almas devotas, humildes, fervorosas, cujo prazer é cumprir as obrigações, cuja diversão é estar no recolhimento, e a quem o mundo não tem que repreender senão o serem muito modestas, muito circunspectas, muito piedosas.
2 — Não sabeis, dizia São Paulo, que aqueles que correm no estádio, todos na verdade correm, mas um só é que obtém o prêmio?
Corre, pois, de sorte que o obtenhas; e para isto, além do que fica ponderado, observa o seguinte:
Primeiro: Visita com frequência a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. Põe toda a tua confiança neste divino Salvador, e professa uma terna e respeitosa devoção a este adorável Mistério.
Segundo: A comunhão frequente com as devidas disposições assegura, por assim dizer, a salvação e alimenta a alma com o pão dos fortes. Que coisa tem o Senhor mais boa e mais excelente, diz o profeta Zacarias, do que o trigo dos escolhidos? (Zc 9)
Terceiro: Uma devoção terna e perseverante à Santíssima Virgem foi sempre considerada como sinal de predestinação, motivo por que São João Damasceno lhe chama o penhor seguro da nossa salvação eterna.[1] Os que estiverem na graça de Maria, diz São Boaventura, serão reconhecidos pelos moradores do Paraíso como seus concidadãos, e aquele que estiver marcado com este selo será escrito no Livro da Vida: Qui acquirunt gratiam Mariae, agnoscentur a civibus Paradisi, et qui habuerit hunc caracterem, adnotabitur in libro vitae.[2] Reza todos os dias uma Salve Rainha para conseguires pela poderosa intercessão da Santíssima Virgem ser do pequeno número dos que se salvam.
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