Sinal de Vitória
Na Antiguidade, a morte na cruz era considerada o mais atroz e humilhante dos castigos, reservado sobretudo aos escravos e também aos malfeitores, assassinos e ladrões, cuja punição pública deveria servir de exemplo para todo o povo.
E esta foi, precisamente, a morte que Cristo permitiu para Si, para nos redimir da escravidão do pecado.
Por ocasião da batalha da Ponte Milvia, no ano 312, o exército de Constantino viu uma cruz luminosa brilhar nos céus, circundada pelos dizeres Com este sinal vencerás – In hoc signo vinces. Ali estava, sem dúvida nenhuma, diante do jovem general, o sinal dos cristãos.
À noite, segundo a tradição, Jesus apareceu em sonhos a Constantino, pedindo que adotasse a cruz como símbolo de seu exército. Na manhã seguinte, o jovem general mandou gravar a cruz de Cristo nos estandartes de seus soldados e alcançou a vitória sobre os seus inimigos. Um ano mais tarde, o Imperador promulgou o Edito de Milão, que deu liberdade para a
Igreja Católica.
À medida que o Império Romano foi se convertendo ao cristianismo, dentre as ruínas do paganismo, surgia um mundo novo, banhado pela luz do Evangelho.
A Cruz passou a ser o centro da espiritualidade católica, o símbolo dos seguidores de Cristo, o sinal da vitória sobre a morte e o pecado.
O mais humilhante suplício: a Morte na Cruz!
Entre os homens da Antiguidade, a crucifixão era conhecida como a mais atroz e humilhante dos castigos – “maldição de Deus’, como se refere o próprio Livro do Deuteronômio (21, 23) – reservado sobretudo aos escravos, mas também aos malfeitores, assassinos e ladrões, cuja punição pública deveria servir de exemplo para todo o povo. Mais tarde, com a dominação de Roma, a lei isentava de tal pena os cidadãos romanos, por mais grave que fosse seu delito, não permitindo, deste modo, que a dignidade do Império ficasse manchada.
E esta foi, precisamente, a morte que Cristo permitiu para Si, assumindo a condição de escravo, não só para redimir-nos da escravidão do pecado, mas até para fazer-nos reis: um suplício usual do direito penal, como procedimento que era aplicado vulgarmente aos bandidos; sem dúvida, o pior.
O Mistério da Cruz
Do ponto de vista humano e materialista, o Cordeiro imolado no alto da Cru não passava de um pobre ser maltratado e injuriado por todos, um homem falido e derrotado para sempre; debaixo da luz sobrenatural, porém – e esta é a única visualização verdadeira – Jesus achava-Se ali elevado como um Rei em toda a sua glória, atraindo para Si todas as criaturas. Este divino mistério, os Apóstolos, sobretudo São Paulo, compreenderam-no com profundidade:
“Julguei não dever pregar outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1Cor 2, 2)
E ainda:
“Quanto a mim, porém, de nada quero gloriar, a não ser na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6, 14)
O lento despontar da Cruz
Para os primitivos cristãos, embebidos dos conceitos e tradições antigas, a cruz conservava ainda seu terrível significado, a ponto de se terem passado vários séculos antes de aparecerem as primeiras representações do Salvador pregado nela. Tal repulsa via-se acrescida pelo fato de muitos membros da Igreja nascente terem visto em Roma parentes próximos sofrer este tipo de martírio, durante as sangrentas perseguições promovidas pelos imperadores pagãos.
Nos séculos II e III, os fiéis preferiram, pois, adotar a imagem do peixe (em grego Ichthys), como representação de Cristo. Nesta simbologia, as letras da palavra Ichthys contêm as iniciais da frase: Iesous Christos Theou Yios Soter – Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. A partir do século IV, após o reconhecimento da religião católica, por Constantino, o Grande, o simbolismo do peixe diminuiu gradualmente, cedendo lugar à cruz, que começou a aparecer esculpida sobre os sarcófagos, os cofres e outros objetos, tornando-se o principal emblema da Cristandade. Uma das primeiras expressões artísticas ocidentais do sacrifício do Calvário é a famosa porta de cipreste da Basílica de Santa Sabina, no monte Aventino, em Roma, construída nas primeiras décadas do século V.
Foi nessa mesma época que se instituiu o atual Sinal-da-Cruz, embora já antes existisse o piedoso costume de fazer a tríplice marca sobre a fronte, os lábios e o peito, pois as três partes superiores do homem – inteligência, amor e força – ficavam assim sob a proteção da cruz.
Santa Helena resgata a verdadeira Cruz
Encontro da Verdadeira Cruz de Cristo
No início do século IV, um inconcebível abandono pesava sobre os Santos Lugares na Terra Santa, a ponto de achar-se coberta de escombros a própria colina do Gólgota. Movida por forte impulso da graça, a imperatriz Helena – que acabara de obter por suas maternais preces o esplêndido milagre da Ponte Mílvia e a impressionante conversão de seu filho Constantino, com a consequente liberdade para o Cristianismo (28 de Outubro de 312) – decidiu empreender uma longa viagem até Jerusalém, no intuito de descobrir a verdadeira Cruz de Nosso Senhor.
Santa Helena penetrava intimamente no significado dos mistérios: aquela cruz luminosa que brilhara nos céus, circundada pelos dizeres Com este sinal vencerás – In hoc signo vinces, ante o olhar do maravilhado jovem César, não era uma clara manifestação dos desígnios da Providência, prenunciando um triunfal ressurgimento da Igreja, por meio do escândalo da cruz?
Buscar a Cruz era empresa árdua e difícil. Não, porém, para o caráter enérgico da velha imperatriz que não se abatera com os azares da fortuna nem com as duras provações da vida. Após algumas semanas de penoso trabalho e de muita terra removida, durante as quais Helena alentou com seu ânimo e suas orações os numerosos operários, foram encontradas num fosso, em meio ao espanto e à comoção geral, três cruzes!
Apresentava-se, então, um perplexidade: como reconhecer o Lenho sagrado sobre o qual o Redentor padecera sua dolorosa agonia, banhando-o com as últimas gotas de Sangue? Instado por Helena, São Marcário, Patriarca de Jerusalém, logo acudiu em seu auxílio. Reuniu o povo e orou fervorosamente, suplicando ao Senhor uma intervenção que esclarecesse os fiéis, de forma evidente. Mandou em seguida trazer uma pobre mulher que se achava desenganada pelos médicos e prestes a morrer. Em contato com as duas primeiras cruzes, a moribunda permaneceu insensível; mas, ao tocar a terceira, louvando a Deus entre os gritos de alegria da multidão entusiasmada.
A notícia do prodígio espalhou-se com rapidez por todo o mundo cristão. Deu-se início, assim, a uma grande devoção às relíquias da Paixão.
Ao retornar de sua peregrinação, após erigir várias igrejas em honra da Paixão do Senhor, a virtuosa imperatriz levou consigo para a Cidade Eterna um pedaço considerável da Santa Cruz, conservando-se em Jerusalém a parte mais importante. Trouxe também os cinco cravos que encontrara na mesma ocasião, e os deu de presente a seu filho Constantino, o qual mandou colocar um deles na armação do diadema imperial. Talvez esteja esse piedoso gesto na origem do belo costume de encimar com uma cruz as coroas dos soberanos católicos.
Relíquias da Paixão de Cristo, contendo um Fragmento do Santo Lenho (primeira imagem à esquerda), conservadas na Basílica da Santa Cruz, em Roma
Entrada triunfal da Santa Cruz em Jerusalém
Três séculos após estes admiráveis acontecimentos, Cosroes II, rei da Pérsia, saqueou a Cidade Santa, matou grande número de cristãos e apoderou-se do precioso Madeiro, levando-o entre as muitas riquezas que compunham seus despojos de guerra.
Grande foi a consternação daqueles fiéis do Oriente, ao saberem estar o mais inestimável de seus tesouros em poder de idólatras. O imperador Heráclito iniciou então uma campanha para recuperá-lo, o que conseguiu após quinze longos anos de esforços e aventuras. Finalmente, chegava Heráclio diante de Jerusalém, dando graças ao Senhor pela vitória alcançada.
Organizou-se uma grande cerimônia, com a maior solenidade e pompa possíveis. de todas as partes acorriam os fiéis para venerar a relíquia felizmente recuperada. Em companhia do patriarca Zacarias e rodeado dos grandes de sua corte, de incontáveis clérigos e de uma fervorosa multidão, o imperador carregou sobre seus ombros a verdadeira Cruz, dispondo-se a entrar na cidade pela porta que conduz ao Calvário. Mas ao chegar diante dela ficou subitamente imóvel, sentindo-se incapaz de avançar um passo sequer. Zacarias, que caminhava a seu lado, inclinou-se para ele e lhe fez ver que a púrpura imperial e suas suntuosas vestes não estavam em conformidade com o exemplo de humildade de Jesus, o qual carregara a sua Cruz às costas, por aquelas mesmas ruas, todo chagado e coberto de opróbrios. Ouvindo isto, Heráclio depôs as insígnias reais e a coroa de ouro. Coberto de saco e descalço continuou sem dificuldade a piedosa procissão. A Cruz foi triunfalmente restituída ao patriarca Zacarias, em meio às aclamações de júbilo da multidão enlevada e reverente.
O tempo confundiu a data dos dois acontecimentos: a descoberta da Cruz pela imperatriz Santa Helena e o resgate desta pelo augusto Heráclio. mas em todo o Ocidente cristão, há séculos, celebra-se no dia 03 de Maio a descoberta do Sagrado Lenho e a 12 de Setembro a sua Exaltação.
A Cruz, sinal de Salvação
Pouco a pouco, por entre as obscuras ruínas do paganismo podre e decadente, surgia um mundo novo, iluminado pela luz pura e coruscante das doutrinas do Evangelho, fazendo sentir de modo suave e misterioso a doce presença de Cristo. Uma inefável atmosfera de paz e de júbilo, decorrente de um forte imponderável de vitória, impregnava o progressivo desenvolvimento da Igreja.
A Cruz passou a ser o centro da espiritualidade católica, o sinal distintivo dos seguidores de Cristo, o ponto para o qual convergem todas as aspirações, todos os amores, toda a ternura e o respeito da alma verdadeiramente cristã.
Vemo-la ornar ricamente as coroas dos monarcas, brilhar com esplendor no peito dos bispos, presidir gloriosa as solenes liturgias; vemo-la elevada sobre as torres dos templos – quer de imponentes basílicas e imensas catedrais, quer das mais modestas e desconhecidas capelas e oratórios – plantada no meio de silenciosos claustros; vemo-la ainda agitada pelas mãos incansáveis do missionário, carregada sobre os fatigados ombros do penitente, osculada pelos lábios trêmulos do moribundo…
A Cruz de Cristo atraiu todos os povos, marcou os tempos e a eternidade!
Orações à Santa Cruz de Cristo
Ó Cruz fiel
O fel lhe dão por bebida
sobre o madeiro sagrado.
Espinhos, cravos e lança
ferem seu corpo e seu lado.
No sangue e água que jorram,
mar, terra e céu são lavados.
Ó cruz fiel sois a árvore
mais nobre em meio às demais,
que selva alguma produz
com flor e frutos iguais.
Ó lenho e cravos tão doces,
um doce peso levais.
Árvore, inclina os teus ramos,
abranda as fibras mais duras.
A quem te fez germinar
minora tantas torturas.
Leito mais brando oferece
ao Santo Rei das alturas.
Só tu, ó Cruz, mereceste
suster o preço do mundo
e preparar para o náufrago
um porto, em mar tão profundo.
Quis o cordeiro imolado
banhar-te em sangue fecundo.
Glória e poder à Trindade.
Ao Pai e ao Filho Louvor.
Honra ao Espírito Santo.
Eterna glória ao Senhor,
que nos salvou pela graça
e nos remiu pelo amor.
(Hino da Sexta-feira Santa, Hora Laudes)
O Triunfo da Cruz
Ó Santa Cruz, nossa proteção, nossa segurança, nossa perfeição e nossa única esperança!
Sois tão preciosa, que uma alma que já está no céu voltaria alegremente à terra para vos abraçar! É por vós, ó Santa Cruz, que se dá a bênção, é por vós que Deus perdoa e concede a remissão! Ele quer que todas as coisas tragam esse vosso selo, sem o qual nada lhe parece belo.
Colocada a cruz em algum lugar, torna-se sagrado o profano e desaparecem as manchas, porque Deus delas se apodera. Ele quer a Cruz em nossa fronte e em nosso coração, antes de todos os atos, para que sejamos vencedores.
(São Luís Maria Grignion de Montfort)
Invocação à Cruz
Ó Cruz, meu refúgio, ó Cruz, meu caminho e minha força, ó Cruz, estandarte inexpugnável, ó Cruz, arma invencível! A Cruz repele todo mal, a Cruz afugenta as trevas. Pela Cruz, percorrerei o caminho que conduz a Deus. A Cruz é minha vida, mas para ti, ó inimigo, ela é a morte. Que minha nobreza seja a Cruz de Nosso Senhor.
(Invocação à Cruz, por Santo Odilon, Abade de Cluny)